(IR)Responsabilidade Alargada do Produtor

  • Pedro Vaz
  • 29 Janeiro 2021

Diaboliza-se o comportamento do cidadão porque não faz a devida separação dos resíduos que produz em sua casa, mas aligeira-se a a responsabilidade de quem os fabrica e disponibiliza aos cidadãos.

Um dos princípios estruturantes da política de gestão de resíduos assenta no princípio do poluidor-pagador, segundo o qual o produtor do resíduo deverá assumir a responsabilidade pelos custos originados pela sua ação.

Nesse sentido é comummente assumido que este princípio se manifesta, no nosso ordenamento, através de dois subprincípios, (i) o princípio da equivalência, segundo o qual “o regime económico e financeiro das atividades de gestão de resíduos visa a compensação total dos custos económicos e tendencial dos custos sociais e ambientais que o produtor gera à comunidade ou dos benefícios que a comunidade lhe faculta” (n.º 1 do artigo 8.º do NRGGR) e (ii) o princípio da responsabilidade, que determina que o produtor do resíduo é responsável pela sua gestão (n.º 1 do artigo 9.º do NRGGR), incluindo a responsabilidade de quem produziu os produtos que resultam agora em resíduos (n.º 1 do artigo 9.º do NRGGR, segunda parte) – a responsabilidade alargada do produtor –, nas palavras felizes de Alexandra Aragão em Princípios Fundamentais do Direito dos Resíduos, na publicação sobre o Direito dos Resíduos, editado pelo ICJP e pela ERSAR e de coordenação de João Miranda et alii, “no caso dos produtores a responsabilidade vai desde o ‘berço’ até ao ‘caixão’ porque se estende do momento da produção do produto ou serviço que gera o resíduo até à gestão final do resíduo pós-consumo”.

Sinteticamente, esta verdadeira Responsabilidade Alargada do Produtor (RAP) encontrou o devido acolhimento na nossa legislação comunitária e nacional e encontra-se regulado, entre nós, nos artigos 12.º e 13.º do NRGGR, bem como nas diversas disposições do UNILEX resultantes do seu artigo 5.º, em especial a responsabilidade quanto a fluxos específicos de resíduos.

As recentes alterações ao UNILEX poderiam ter aumentado o âmbito dessa responsabilidade, em especial a responsabilidade financeira, dos produtores de produtos, bastando para tal que se considerasse que estes seriam sempre responsabilizados pela totalidade dos resíduos que resultam da colocação no mercado dos seus produtos. Não foi essa a opção e, apesar dessa possibilidade constar da lei, consta igualmente que pode ser, apenas, parcial.

Esta forma de RAP permite responsabilizar também todos os outros intervenientes no processo, em especial o cidadão consumidor. Trata-se, portanto, erradamente, de um princípio de irresponsabilidade e não de responsabilidade, pois o cidadão não poucas vezes não tem qualquer capacidade de opção no consumo para além daquele que lhe é apresentado. Basta ver o que acontece, por exemplo, quando alguém recebe em casa uma encomenda com algo que comprou e verifica que os produtos vêm maioritariamente das vezes ‘sobreembalados’.

Outro dos problemas, já há muito identificado, tem a ver com a discrepância permanente entre as quantidades produzidas subdeclaradas pelos produtores no âmbito das suas obrigações e as quantidades que depois aparecem nos sistemas via recolha e encaminhamento de resíduos. A existência desta situação está intimamente ligada à forma como se construíram e funcionam os sistemas integrados de gestão dos fluxos específicos (SIGRE). Isto tem originado problemas bastante complexos e que a abertura à concorrência desses sistemas, particularmente nas embalagens, veio infelizmente agudizar e não resolver.

A realidade é que, hoje, não obstante as alterações legislativas terem sido feitas no sentido de melhorar o funcionamento do registo, do controle e da atuação por parte dos produtores, é por demais evidente que a gestão individual não funciona de todo e os SIGRE não têm tido a capacidade de melhorar significativamente a separação eficiente dos resíduos e consequente reciclagem.

A tudo isto acrescenta-se a inexistência de políticas eficazes para alteração do padrão produtivo da indústria, grande retalho e distribuição, que sendo responsáveis pela maioria dos resíduos que acabam nos sistemas de recolha municipal e multimunicipal, acabam por não contribuir devidamente para os custos dessas operações. Veja-se o caso de todos aqueles plásticos que sendo recicláveis não pagam ecovalor e, consequentemente, por isso não pagam aos sistemas de recolha os custos que têm pela recolha seletiva.

O momento é para aumentar a RAP e não a manter limitada ao mínimo possível, como tem sido o caso no nosso país. Diaboliza-se, constantemente, o comportamento do cidadão porque não faz a devida separação dos resíduos que produz em sua casa, mas aligeira-se a primeiríssima das responsabilidades – a responsabilidade de quem os fabrica e disponibiliza aos cidadãos, que, na prática, poucos ou nenhuns incentivos (positivos ou negativos) tem tido para mudar este comportamento e a atitude nas suas atividades industriais, distribuidoras e embaladoras. Até quando manteremos esta irresponsabilidade?

  • Pedro Vaz
  • Jurista, com especialização em Direito do Ambiente, Energia e Recursos Naturais

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