Rendimento disponível dos portugueses resiste à crise pandémica
Até ao terceiro trimestre de 2020 não houve uma perda de rendimento disponível dos portugueses, em termos agregados. Mas tal não significa que todos escapam à crise.
Os dados do rendimento disponível dos portugueses mostram que houve um “comportamento benigno” no meio de uma “crise histórica” em 2020, ao contrário do que aconteceu em crises anteriores. A análise é da equipa do BPI Research numa nota publicada esta quarta-feira que vem confirmar uma previsão feita pelo Banco de Portugal no boletim económico de dezembro.
A crise pandémica provocou uma forte disrupção na economia mundial e portuguesa a partir de fevereiro e março do ano passado. Uma das consequências mais diretas do confinamento foi a queda do consumo privado, ou seja, dos gastos dos cidadãos. No entanto, ao contrário do que aconteceu em crises anteriores, a quebra do consumo privado não é explicada pela redução do rendimento disponível.
“Em contraste com crises anteriores, o rendimento disponível aumentou ligeiramente [0,7%] em 2020“, diz a equipa do BPI Research, referindo-se aos dados dos três primeiros trimestres do ano passado. Nesse mesmo período, o consumo privado caiu quase 6%, em termos homólogos, ou seja, face ao mesmo período de 2019. Esta queda “expressiva não foi uma surpresa”, referem, dado que “aconteceu o mesmo em crises anteriores”. A surpresa está mesmo no comportamento do rendimento disponível.
Mas o motivo é diferente uma vez que a crise provocada pela pandemia forçou os cidadãos a adiar o consumo e as ajudas públicas permitiram amparar o impacto no rendimento disponível, isto é, todo o rendimento do trabalho, de propriedade, de prestações sociais do Estado ou de remessas de emigrantes, descontando os impostos e as contribuições sociais.
Este desempenho do rendimento disponível dos portugueses, em termos agregados, foi assinalado pelo governador do Banco de Portugal, Mário Centeno, que destacou que, ao contrário de outras crises, o rendimento disponível não caiu em 2020, com os números das contribuições para a Segurança Social assim como os números de IRS a mostrarem aumentos homólogos da massa salarial. Contudo, avisou que haverá franjas da população afetadas dado que o impacto é heterogéneo.
O que explica a resistência do rendimento disponível?
“As medidas de apoio ao emprego e rendimento terão contribuído para o comportamento mais benigno revelado pelo rendimento disponível“, resume a equipa do BPI Research, recordando que “mais de metade do rendimento disponível provém de remunerações do trabalho”. Os dados do mercado do trabalho mostram isso com a população empregada a cair 2,4% até setembro de 2020, o que compara com quedas de 3,2% e 4,1% em 2011 e 2012.
A resiliência do mercado de trabalho é explicada, desde logo, pelo recurso ao teletrabalho que permitiu a uma “parte considerável da população” continuar a trabalhar “sem perda de rendimentos”. Mas as medidas de apoio ao emprego como o lay-off simplificado, que protegia dois terços do rendimento do trabalhador, explicam ainda mais, permitindo “minimizar as perdas e a incerteza sobre o rendimento das famílias”. A este apoio acrescem outros como o apoio à família (por causa do encerramento das escolas), o subsídio de doença e o apoio do isolamento profilático.
O BPI Research estima que, sem estas medidas, a taxa de desemprego podia atingido os 20% no segundo trimestre de 2020. Na realidade, ficou pelos 5,6%. Contudo, é de assinalar que esta taxa de desemprego foi fortemente influenciada pelo tratamento estatístico dos desempregados: caso não estejam à procura ativamente de emprego — uma tarefa dificultada pelas restrições em vigor –, não são considerados desempregados oficialmente, o que baixa artificialmente a taxa de desemprego.
Em suma, “os apoios sociais às famílias em tempos de pandemia como um todo contribuíram para aliviar a pressão sobre o rendimento e impediram efeitos mais nefastos do que o que teria acontecido na sua ausência“, conclui a equipa do BPI Research, estimando que, na sua ausência, o rendimento disponível teria caído 1% em média em 2020.
Mas, tal como o Banco de Portugal, os economistas avisam que esta conclusão é para a média da população, alertando que haverá franjas da população que efetivamente perdeu rendimento: “Esta crise afetou de forma distinta a população, afetando de forma mais pronunciada os mais pobres, com empregos precários e baixas qualificações, agravando as desigualdades sociais“.
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