O défice digital da administração local

A falta de qualidade dos serviços públicos digitais é gritante. Quando, à conta da pandemia, a internet se torna o principal canal de relacionamento com as autarquias, o problema é ainda maior.

Rui Teixeira, um estudante de Engenharia Informática da Universidade do Porto, decidiu analisar todos os sites das câmaras municipais de Portugal. O seu trabalho, publicado no Twitter, demonstrou que 25% dos municípios não têm ainda disponível o orçamento do corrente ano; dos que têm, há problemas vários nos documentos disponíveis, da forma ao conteúdo. São poucos os que cumprem os requisitos de informar devidamente os seus munícipes e ainda menos os que usam as ferramentas digitais da melhor forma possível para esse efeito.

O que é que isto nos diz? Diz-nos que a ausência de literacia digital começa na administração local – mas também na central. Num país em que as limitações ao nível educativo são tão grandes, é inevitável que os problemas de conhecimento surjam também nas lideranças governativas. E nelas, o desprezo pelas políticas tecnológicas tem sido enorme.

A modernização administrativa está claramente por fazer a todos os níveis, apesar das palavras bonitas que por aí se usam. A parte triste de executar este processo de digitalização no poder local de forma desordenada tem resultados semelhantes ao que se passa no estado central: não são respeitados protocolos abertos, não se privilegia a transparência, não se efetuam poupanças estruturais. A tecnologia só é uma ferramenta usada para o bem se quem a aplica souber o que está a fazer – e der prioridade a servir devidamente os destinatários.

Ao nível dos cidadãos, esta é acima de tudo uma questão de desigualdade. Portugal está no topo da tabela dos países mais envelhecidos da União Europeia, sendo que as gerações mais velhas são igualmente as menos escolarizadas. A crescente digitalização dos serviços exclui pura e simplesmente os mais velhos do contacto com a administração pública, aumentando o estigma da desigualdade geracional. Quanto pior for esta digitalização, mais mal servidos estão os cidadãos. E menos atenção se dará à necessidade – urgente – de formar os cidadãos mais velhos em tecnologias digitais. Isto acrescenta uma nova camada de desigualdade ao já grave problema civilizacional que temos e relação à terceira idade: é uma fatia cada vez maior da população que tem menos rendimentos, pouco acesso a serviços públicos e menor escolarização e literacia.

A isto acresce o desaparecimento da imprensa local – ou o seu amestramento político –, o que leva ao agravar de todas estas questões. Um poder que não é escrutinado ou escrutinável torna-se autista e fica mais permeável a interesses particulares. E a imprensa faz muitas vezes a vez de escrutinador, especialmente quando a informação não é apresentada de forma transparente. São, mais uma vez, os cidadãos que perdem. E aqui surge nova camada de desigualdade, visto que quem vive no interior é que mais sofre graças a este desaparecimento progressivo da imprensa regional.

Ler mais: A melhor recomendação possível nesta semana tem de ser mesmo uma visita à Mensagem de Lisboa. O novo jornal local dedicado à capital acabou de nascer e vem acrescentar uma nova camada de informação comunitária que muito vai beneficiar os lisboetas. Só se espera que, com estes exemplos, muitas outras “mensagens” possam nascer noutros pontos do país.

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