Pandemia encolhe venda de queijos DOP e produtores não acreditam em retoma na Páscoa
A pandemia provocou quebras significativas na venda de queijos com denominação de origem protegida (DOP). Os produtores das várias regiões não acreditam na retoma na campanha da Páscoa.
Há um ano que os pastores, produtores de leite, queijarias e distribuidores se mantêm resilientes para não deixar cair por terra a produção dos melhores queijos com denominação de origem protegida (DOP) na região centro do país. Apesar da resiliência, o ano passado, as quebras nas vendas rondaram 20% a 50%, consoante a região.
Os queijos DOP têm origem em três regiões distintas com características muito próprias: Serra da Estrela, Beira Baixa e Rabaçal. Em ano de pandemia, a fileira dos queijos DOP estão a debater-se com uma situação particularmente desafiante, tendo em conta que a cadeia de valor está dependente, em grande parte, da restauração, da hotelaria e do turismo.
De acordo com a presidente da Associação do Cluster Agroindustrial do Centro (Inovcluster), Cláudia Domingues Soares, as três regiões foram impactadas pela pandemia e pelas enormes quebras de comercialização, mas as quebras de produção e comercialização são diferentes de região para região. A presidente do Inovcluster explica que os “queijos DOP Serra da Estrela e Beira Baixa têm conseguido resistir com as últimas campanhas de Natal e, mais recentemente, com feiras digitais de queijos e com a aposta das queijarias nas plataformas de venda online”. Já os queijos DOP do Rabaçal estão “numa situação mais complicada pela escassez de produtores”, adianta.
Estes queijos de denominação de origem protegida são fabricados manualmente com leite local, dependendo da região. Da extração do leite das ovelhas e cabras até chegar à prateleira são necessários mais de 40 dias para todo o processo estar concluído.
Queijos DOP do Rabaçal com quebras de 50%
A Queijaria Serqueijos, localizada na vila do Rabaçal, é a maior produtora de queijos DOP da região. Neste segmento, registou, o ano passado, uma quebra de 50% nas vendas de queijo DOP, quando comparado com o ano de 2019.
A Serqueijos tem outros queijos para além dos DOP certificados. “A nossa queijaria é quase a única que produz com grande expressão o queijo rabaçal DOP. Somos os maiores produtores do queijo Rabaçal DOP, mas o nosso principal produto não é o DOP. Também vendemos o queijo Serras de Penela”, explica ao ECO, Tânia Oliveira, do departamento comercial da Serqueijos.
Dentro dos produtos que vendem, Tânia Oliveira adianta que o “DOP foi o mais afetado com uma quebra de 50%. Tivemos de canalizar o leite dos produtores para outros queijos porque as vendas foram muito reduzidas”, refere. A responsável explica que um queijo DOP é um produto mais caro em comparação com o queijo normal. Mas, “como não existem convívios e festas, os consumidores deixaram de comprar estes queijos com valor acrescentado“, refere. O preço médio de um queijo rabaçal DOP ronda os 15 euros por quilo.
Para Tânia Oliveira esta quebra justifica-se também pela alteração dos hábitos dos consumidores. “Os queijos são guardados no frigorífico e as pessoas com o confinamento aproveitaram o espaço para outros alimentos como bens essenciais, entre eles frutas e legumes. As pessoas evitam ir ao supermercado com tanta frequência e não vão fazer stock de queijos. Acabaram por substituir os queijos por outros produtos lácteos como o leite UHT que não é necessário armazenar no frigorífico. Os consumidores ganharam novos hábitos”, destaca.
A nível geral, apesar da quebra de 50% nos queijos DOP, a Queijaria Serqueijos cresceu 10% em ano de pandemia. A empresa que conta com 35 anos de história e emprega 36 pessoas, vende queijos DOP para a grande distribuição, nomeadamente o Pingo Doce, Continente, Lidl e El Corte Inglês. Para Tânia Oliveira, a grande distribuição está, neste momento, muito focada nas origens e “todos querem trabalhar este nicho de mercados que são os queijos DOP de Portugal. Também essas grandes cadeias não querem deixar morrer estes produtos”, frisa.
O Queijo com DOP do Rabaçal tem características muito próprias determinadas pela flora da região do Sicó. É um queijo artesanal curado, de pasta semidura a dura, apresenta um tom branco–mate. A sua crosta pode ser branca a amarelo-palha lisa, seca, deve ser ligeiramente untosa e sem revestimento. É obtido após a coagulação da mistura de leites de ovelha e cabra. O sabor distintivo deste queijo deve-se à planta “Santa Maria”. Trata-se de um tomilho espontâneo, com expressão no território, que serve de alimento às ovelhas e cabras que fornecem o leite para a produção deste queijo.
Em relação à retoma na campanha da Páscoa, a Serqueijos não está com grandes expectativas. “Vai ser igual à do ano passado. As pessoas não se podem movimentar é quase como se a pascoa não existisse”, afirma Tânia Oliveira, acrescentando que deposita a sua esperança na abertura dos mercados após a vacinação.
A grande distribuição está, neste momento, muito focada nas origens e todos querem trabalhar este nicho de mercados dos queijos DOP de Portugal. Essas grandes cadeias não querem deixar morrer estes produtos.
“Após este período lento de confinamento, as pessoas vão querer voltar a conviver e obviamente isso vai trazer uma retoma muito rápida deste tipo de produtos alimentares. As pessoas têm saudades de todas estas experiências”, destaca Tânia Oliveira.
Para amenizar o impacto nas vendas, a Queijaria Serqueijos marcou presença na feira online de queijos da Dott. Apesar de a experiência ter sigo “agradável”, Tânia Oliveira confessa que nunca conseguem o retorno de um ano “normal”.
Na Serra da Estrela, a quebra dos queijos DOP rondou os 20% a 30%
Na Queijaria de São Gião, o queijo Serra da Estrela DOP é produzido na Quinta do Tinte, em Santiago, em Seia. A Queijaria São Gião só produz queijo DOP da Serra da Estrela e requeijão. Em ano de pandemia, as quebras formam bastante significativas. Na Queijaria de São Gião, as quebras nos queijos DOP rondaram entre 20% a 30%. O gerente Pedro Freire destaca que, o ano passado, “o impacto foi bastante significativo” e que devido à crise sanitária “as pessoas colocaram os queijos DOP, que são mais dispendiosos, um pouco de parte. A situação foi bastante difícil no primeiro confinamento, as vendas praticamente pararam e depois retomaram, mas nada de muito significativo”, explica.
De acordo com dados da Estrelacoop, em 2020 foram produzidos menos 14% do Queijo Serra da Estrela DOP, comparativamente com 2019. Do queijo produzido, 6,7% não foi vendido e continua em conservação.
Pedro Freire, que pertence à segunda geração, deixou a consultadoria para se dedicar ao fabrico de queijos na empresa que já está na família há 40 anos. A propriedade da família, em Seia, sempre teve ovelhas a pastar. O leite das mais de 180 ovelhas da raça bordaleira Serra da Estrela que pastam num terreno de 70 hectares é o ingrediente de sucesso de todo o queijo com valorização DOP da Serra da Estrela. “Admissão de origem é que garante a genuinidade do produto”, garante Pedro Freire.
Os queijos DOP são para um segmento mais premium. “É um produto caro porque é de elevada qualidade e com elevados custos de mão-de-obra e de uma matéria-prima muito mais valorizada que as usadas noutros países”. O preço médio do queijo São Gião é 25 euros o quilo. Cerca de 10% da produção desta queijaria, que emprega 11 pessoas, são para exportação, principalmente para a Europa. “Esses mercados pararam”, lamenta Pedro Freire.
O gerente da Queijaria de São Gião explica que os DOP são queijos completamente artesanais. “O único ingrediente deste queijo é o leite tal como sai das tetas das ovelhas. Não tem nenhum tratamento químico, por isso é que se chama queijo de leite cru. Só tem como ingredientes a flor do Cardo e sal que faz o leite coagular. O queijo é tratado ao longo de 30 dias pelas mãos das queijeiras para que mature bem e demora cerca de 30 a 40 dias a chegar à prateleira”, explica.
Com a pandemia, as pessoas colocaram os queijos DOP, que são mais dispendiosos, um pouco de parte.
A Queijaria de São Gião prevê uma retoma no setor “assim que a pandemia começar a abrandar” e que “o turismo seja retomado”. “Temos alguns canais de distribuição onde havia muitos turistas, nomeadamente o El Corte Inglês — onde existia uma grande procura dos estrangeiros. Tudo isso parou”. No entanto, os impactos nas vendas foram mais significativos no primeiro confinamento o ano passado, garante.
Tal como a Serqueijos, a Queijaria de São Gião marcou presença na feira de queijos da Doot. Para o gerente foi uma “surpresa agradável”, mas “só foi possível” com o apoio logístico da Câmara Municipal de Seia”. Édifícil ter um canalonline direcionado a este produto, porque o queijo tem que ser transportado em frio, explica. “Não conseguimos vendar poucas quantidades de cada vez, tendo em conta que a questão de refrigeração que tem que ser assegurada”, refere.
Na Beira Baixa, os queijos DOP sofreram quebra de 40%
Na Queijaria Sabores da Soalheira, que produz queijos DOP da Beira Baixa, o cenário é semelhante. Em ano de pandemia, as vendas sofreram um tombo de 40%. O administrador Marco Pereira explica que com a crise, “os queijos DOP que são mais caros custaram mais a ser vendidos (…) Com a pandemia, o desemprego e os orçamentos familiares mais apertados, as pessoas optam por comprar queijos mais baratos”, explica. O preço médio por quilo dos queijos DOP da Queijaria Sabores da Soalheira ronda os 15 euros.
“Os meses de confinamento acentuaram a quebra, principalmente em abril e maio. Isto parou quase na totalidade: fecharam mercados, praças, feiras e na distribuição também houve um decréscimo de vendas. Está a ser difícil apanhar o barco”, explica o administrador da Queijaria Sabores da Soalheira.
A empresa produz, para além dos DOP, queijos da região da Beira Baixa e queijos biológicos. Neste caso, as vendas sofreram uma quebra de 15%. E apesar de ter aderido às vendas online, através de uma iniciativa da autarquia de Castelo Branco, o impacto não foi significativo. Marco Pereira antecipa a retoma a partir de setembro, isto se as feiras do queijo se realizarem. Acredita que no Natal, “as vendas vão voltaram ao normal e que 2022 será um ano melhor para os produtores de queijo”.
A Queijaria Sabores da Soalheira, que emprega dez pessoas, compra o leite a cerca de 30 produtores locais, entre eles o Monte da Ordinha. Por ano, em média, esta queijaria compra um milhão de litros de leite para produzir os queijos da região. A empresa familiar tem 12 anos de existência e começou pelas mãos dos pais de Marco Pereira.
O proprietário do Monte da Ordinha, Artur Lopes, tem cerca de 1.500 ovelhas da raça Assaf. O ano passado conseguiu escoar todo o leite, mas a um preço mais baixo. Conta ao ECO que de março a junho do ano passado vendeu cada litro de leite a 0,75 cêntimos, menos 0,25 cêntimos que o habitual. Normalmente, os produtores de queijo DOP da Região da Beira Baixa pagavam o litro de leite a um euro. Mesmo com a redução do preço, o Monte da Ordinha teve uma quebra de 25%.
Agora já houve uma retoma a nível de preço, mas Artur Lopes destaca que as “queijarias continuam com a alguma dificuldade na venda do queijo”, embora as vendas “não estejam tão más como no ano passado”. “O primeiro confinamento foi bastante mais drástico e penoso que este segundo em relação às queijarias de Castelo Branco”, garante.
À semelhança dos produtores da Serra da Estrela e do Rabaçal, o administrador da Queijaria Sabores da Soalheira não está expectante com as vendas da Páscoa. Marco Pereira adianta que antes da pandemia, tinham quatro picos de venda: Natal, Carnaval, Páscoa e o mês de agosto com o regresso dos emigrantes. Confirma que as “vendas no Carnaval foram muito fracas” e prevê que na “Páscoa aconteça o mesmo”.
Com a pandemia, o desemprego e os orçamentos familiares mais apertados, as pessoas optam por comprar queijos mais baratos.
A presidente da Associação do Cluster Agroindustrial do Centro (Inovcluster), Cláudia Domingues Soares, está mais otimista do que os produtores. Acredita que a partir da Páscoa existe uma “janela de oportunidade” e que a partir de maio, com a reabertura de alguns dos setores de atividade, como a restauração, hotelaria e turismo, haverá uma “recuperação faseada”. “É também necessário que os portugueses voltem a comprar e a valorizar o que é nosso“, acrescenta.
No caso do Queijo Beira Baixa DOP, a Associação de Produtores de Queijo do distrito de Castelo Branco (APQDCB) adianta que houve um decréscimo de vendas em 2020 na ordem de menos 14,2% face a 2019. No ano passado foram vendidos 131.460 quilos, ao passo que em 2019 foram comercializados 153.209 quilos. “Porém, é de esperar que esta retração tenha tendência a esbater-se à medida que os setores da restauração e da hotelaria comecem a retomar a atividade”, destaca a presidente da Inovcluster, com sede em Castelo Branco.
Autarquia albicastrense, juntou-se ao Dott, para organizar a Feira do Queijo de Alcains, em formato digital. A feira decorre de 27 de março a 9 de abril. Para o presidente da Câmara Municipal de Castelo Branco, apostar neste tipo de iniciativas online “é fundamental para encurtar distâncias com o consumidor e potenciar os negócios dos nossos produtores e comerciantes da região”.
Tendo em conta que o queijo assume particular importância no concelho, a autarquia pretende contribuir para o escoamento deste produto, apoiando os produtores e comerciantes locais para fazer frente às dificuldades económicas provocadas pela crise que enfrentamos.
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