Editorial

Teletrabalho à força

O Governo impôs o teletrabalho à força até ao fim do ano, mas se a pandemia vai continuar por cá e não haverá imunidade de grupo, também pode já agora estender os outros apoios às famílias e empresas

O setor privado foi surpreendido com uma medida impositiva, extemporânea e prematura tendo em conta o que se sabe hoje e sobretudo o que não se sabe da evolução e resposta à pandemia e também da prometida nova legislação sobre o teletrabalho. O Governo aprovou a adoção obrigatória do teletrabalho sem necessidade de acordo entre as partes até ao final do ano. E o Presidente promulgou o diploma.

Estamos em estado de emergência, o 14º, e o Governo já se habitou a legislar como se pudesse fazer tudo sem discussão nem escrutínio, como se se tivesse viciado na suspensão da democracia e na liberdade para nos retirar a liberdade. E sem estado de emergência. Isto está nos livros, é assim que começa. Estamos ainda no início do processo de vacinação, e não se percebeu ainda como vai decorrer nos próximos meses a testagem, o rastreio e isolamento, mas o Governo, pelos vistos, não confia muito nestes processos e já decidiu, por todos nós, que o teletrabalho será obrigatório até ao final do ano sem qualquer acordo entre as empresas e os trabalhadores. E Marcelo também.

Aliás, a justificação para prolongar esta medida restritiva é no mínimo surpreendente: Às segundas, quartas e sextas, temos de acelerar a vacinação e tentar aproveitar o verão e o turismo, às terças, quintas e sábados é preciso manter as restrições nos próximos meses porque se “perspetivam circunstâncias que originam necessariamente um maior contacto e um maior número de interações sociais, bem como um aumento de pessoas em circulação“. Sim, isso é o regresso à normalidade, à atividade, logo que haja imunidade de grupo.

O que é que o Governo decidiu, comunicou sem qualquer discussão, e ainda sem qualquer reação dos parceiros sociais? O Governo decidiu prorrogar o diploma que determina que é obrigatório adotar o teletrabalho e o desfasamento dos horários de trabalho nas áreas territoriais mais castigadas pela pandemia. Quais áreas? Logo se saberá… E no caso do teletrabalho, a obrigação aplica-se às empresas “com estabelecimento nas áreas territoriais em que a situação epidemiológica o justifique”, bem como nos concelhos considerados pela DGS como sendo de risco elevado, muito elevado e extremo, independentemente do número de trabalhadores. Portanto, para decidir semana a semana, certo? Atrás da bússola, presume-se. E, repito, sem estado de emergência, o Governo pode fechar um concelho e abrir outro ao lado? Lisboa em teletrabalho obrigatório, e em Cascais não? É no mínimo duvidoso.

Será que o Governo percebe o impacto de uma medida destas, que cria uma enorme imprevisibilidade nas decisões empresariais e na vida dos próprios trabalhadores, criando espaço e os incentivos para situações de conflito social dentro das próprias empresas? António Costa anda há meses a dizer-nos que Portugal terá imunidade de grupo até ao final de agosto (já houve aqui derrapagem, mas devido à ausência de vacinas). Não seria normal limitar esta obrigatoriedade do teletrabalho até esse período, que pode até coincidir com a nova legislação sobre as novas formas de organização do trabalho?

Sabe-se quais são os impactos do teletrabalho? E os custos para as empresas e trabalhadores? Os efeitos na produtividade? A possibilidade até de abusos de empregadores com a imposição de uma jornada longa? Não, não, não e não. Mas o Governo entende que deve substituir-se aos gestores e trabalhadores e decidir por eles, quando as empresas portuguesas precisam do contrário, de flexibilidade para encontrarem respostas à sua organização neste dito novo normal.

A situação económica e social já é suficientemente difícil para o Governo acrescentar medidas administrativas e burocráticas que contrariam tudo o que nos andam a dizer sobre a resposta à pandemia até ao verão. Mas se o Governo antecipa a necessidade de teletrabalho obrigatório até ao final do ano, poderá também anunciar já o lay-off simplificado até ao final do ano, a isenção de TSU nos termos em que está agora em vigor e todos os outros apoios anunciados. Isso é que seria coerente.

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