• Especial por:
  • Diogo Almeida Alves

As 5 lições de Soul para todas as idades

A sintonia e o timing das decisões, os exemplos, o medo de falhar e o experimentar, o equilíbrio entre o corpo e a mente e a "faísca" de viver.

No rescaldo dos Óscares, trago-vos a história do vencedor das categorias de melhor filme de animação e de melhor banda sonora deste ano. Num mês de abril que celebrou o dia mundial do autismo (dia 2), da saúde (dia 7), da criatividade e inovação (21), do livro (23) e vai ter o dia internacional do jazz (30), vamos debruçar-nos sobre as principais lições de “Soul – Uma aventura com alma”.

1. A sintonia, o timing e as decisões

Joe Gardner é um professor de música do ensino básico que adora jazz. A procura de sintonia é uma constante ao longo do filme, desde a primeira cena onde Joe ensina os seus alunos a encontrar o ritmo e a melodia entre os vários instrumentos musicais, até à sintonia que ele procura encontrar para si próprio e para a sua vida. A verdade é que a vida é feita de paradoxos, em que o timing é uma variável essencial para a tomada de decisão em cada momento.

Joe enfrenta um dilema constante que poderia ser o de qualquer um de nós: a estabilidade ao tornar-se professor a tempo inteiro, com um seguro de saúde e uma reforma estável; ou a luta por algo que sente e acredita ser a sua “faísca”, a música, e em particular, o jazz.

2. A importância dos exemplos

Joe pretende ser um exemplo para os seus alunos tal como o seu pai o foi para ele. É essa inspiração que o leva a ficar ainda mais entusiasmado a tocar com a banda de Dorothea Williams. A banda conta com o baterista Curly, ex-aluno de Joe que refere que “ele era a única razão pela qual ia às aulas”, simbolizando a importância da valorização do papel dos professores na nossa educação: das crianças aos adolescentes, dos jovens aos adultos.

Joe cai na rua e é levado para outra dimensão (a “Ante-Vida” ou o “Seminário Tu”) e conhece Jerry. Esta indica a Joe que ele agora será um mentor de “jovens almas”, nas quais se conseguem identificar alguns traços de personalidade, sendo o seu papel ajudá-las e inspirá-las. A alma 22* é então atribuída a Joe para que ele a possa encaminhar na procura da sua “faísca”, antes de esta passar para o “portal terrestre” e ter uma vida.

Durante o processo, Joe é confundido com o Dr. Bjorn Borgenssön (um psicólogo infantil que ganhou um prémio nobel), tendo agora a tarefa de lidar com a complexa alma 22, que lhe indica que já teve mentores como Lincoln, Gandhi ou a Madre Teresa, mas que nunca quis passar o portal terrestre.

A credibilidade do nome dos mentores aqui trazidos funciona como uma metáfora de que é importante conhecermo-nos a nós próprios, às nossas qualidades e limitações, e rodearmo-nos de mentores adequados que nos possam ajudar a construir o nosso caminho, e não nos deixarmos levar pelas lições do “Seminário Tu” que “só tem esse nome por uma questão de marketing”, uma alusão irónica e de crítica clara aos gurus de auto-ajuda.

*Curiosidade: O número da alma 22 simboliza o número de filmes lançados pela Disney Pixar antes de Soul.

3. Do medo de falhar à curiosidade em experimentar

Apesar de ter contactado com várias profissões e carreiras através dos vários mentores que foi tendo, a alma 22 prefere queixar-se e identificar os seus aspectos negativos, como o exemplo da bibliotecária que “tem um emprego ingrato sujeito a cortes orçamentais, mas no qual lhe fascina a ideia de dizer “xxiiuu” às pessoas”. Por outro lado, demonstra curiosidade em perceber o que vai acontecer a Joe, sobre o qual diz ter uma vida “triste e patética”. É uma metáfora dura, poderosa e tão actual sobre a crítica constante e a procura de falhas nos outros (lembremo-nos dos reality shows e das redes sociais), sem auto-reflexão sobre nós próprios.

Este “medo de falhar” é explorado magistralmente em Soul, não só nas suas duas personagens centrais (Joe e 22) mas também em Vento Lunar, um malabarista de rua que refere que “ninguém compreende a sua arte”, e ainda em Connie, uma aluna de música de Joe, que quer desistir da escola mas que pergunta se “a podem ouvir para ela poder desistir depois”. Enquanto que o primeiro exemplo é um importante ensinamento sobre a valorização da arte que nos rodeia, seja ela expressada de que forma for; o segundo exemplo mostra a importância e responsabilidade que temos em estimular a curiosidade uns dos outros, para procurarmos aprender sempre mais.

Numa das cenas mais marcantes de Soul, ao atravessarem o “portal terrestre” juntos e aterrarem no hospital onde Joe está internado, Joe e a alma 22 trocam de corpos. 22 assume o corpo de Joe, ficando este com o corpo do gato Sr. Mittens, um significado duplo de que os gatos (à semelhança dos cães) têm um efeito terapêutico em situações de doenças como o autismo, a depressão ou a ansiedade, mas também de que os gatos têm várias vidas (7 na Idade Média ou 9 segundo a mitologia Egípcia).

É já nos seus novos corpos que ambos vão ao barbeiro Des, com o qual Joe costuma falar muito de jazz, enquanto este lhe corta o cabelo. 22 começa a falar com Des e este assume que queria ser veterinário em vez de barbeiro, mas como a sua filha ficou doente e precisava de cuidados médicos, ele foi para a escola de barbeiro por ser mais barata e porque poderia começar a trabalhar mais rapidamente. Joe diz a 22 para questionar Des sobre o porquê de nunca terem falado sobre a sua vida antes, ao que Des responde: “Nunca perguntaste!”. É mais uma metáfora de que a nossa história é feita de várias viragens e de que é importante não julgarmos e sim questionarmos, praticando uma curiosidade genuína como forma de conhecermos o que nos rodeia.

4. O equilíbrio entre o corpo e a mente

A “troca de corpos” entre 22 e Joe traz uma dimensão complexa e interessante. Dado que 22 é uma alma e nunca viveu, começa agora a perceber o que pode fazer com o corpo de Joe e os seus vários sentidos: desde o paladar de uma pizza, ao cheiro e cores de uma flor, até ao som de uma música. 22 começa então a experimentar tudo, improvisando e testando várias coisas para aprender mais sobre a vida. Tal tem um paralelo com Joe, com o mundo a “parar à sua volta”, quando este se senta ao piano a tocar jazz. A vida, à semelhança do jazz, é uma arte em que improvisar é de facto um luxo para quem está preparado para testar vários cenários, tanto física como mentalmente.

Este equilíbrio entre o corpo e a mente é também bastante patente na viagem que 22 e Joe fazem no navio de Vento Lunar, que em conjunto com a sua equipa ajuda as “almas perdidas” a voltarem para casa. Este define “almas perdidas” como as almas que estão em êxtase ou que estão obcecadas com algo que pode ser catastrófico para as suas vidas. No filme Soul é referido o exemplo de uma alma de “mais um gestor de fundos de investimento”, apresentando um panorama tão realista que podia ser facilmente transportável para uma sala da Goldman Sachs. Segundo estudos recentes, os jovens analistas deste banco de investimento trabalham quase 100 horas por semana, prática que pode vir a ter consequências negativas, e até mesmo irreversíveis, para a vida destes jovens.

5. Aproveitar as oportunidades e a “faísca” de viver

Joe considera que a sua mãe, dona de uma bonita alfaiataria, não o apoia no seu sonho de ser músico profissional. Contudo, esta traz-lhe uma dose de realismo dizendo que a vida do seu pai tinha sido dura mas que ele contava sempre com ela, e que era a sua loja “que pagava as contas”. A preocupação e proteção da mãe de Joe é natural, mas esta também percebe que não pode ser o obstáculo da felicidade que o seu filho procura alcançar e que acredita estar na música. Como tal, entrega-lhe o fato que o seu pai costumava utilizar quando tocava e coloca-se na primeira fila do concerto de Joe com a banda de Dorothea Williams.

Se a história começa com Joe a aproveitar a oportunidade de tocar com a banda da famosa artista de jazz, este entende ao longo do filme que a vida é uma sucessão de oportunidades e que é importante agarrá-las. Logo após o concerto, a verdade é que depois de tanto tempo à procura da sua oportunidade, Joe não se sentiu completo e “achou que ia ser diferente”, expressando esse sentimento a Dorothea Williams.

Esta refere-lhe uma fábula sobre um jovem peixe que transmite a um peixe mais velho que está “a tentar encontrar uma coisa chamada oceano”. O peixe mais velho responde-lhe: “oceano? É onde estás agora”; ao que o jovem peixe refere “isto aqui é água, o que eu quero é o oceano!”. Ao experienciar o mundo com a alma 22, Joe começa a entender que a felicidade que pensa que vai encontrar na música, está afinal, apenas e só, em viver. Sentimento este que podemos também verificar em 22, que depois de ter conhecido tantos mentores e contactado com tantas profissões, percebe que a sua “faísca” está nas pequenas coisas, como admirar a natureza ou comer um chupa-chupa pela primeira vez, porque foi capaz de as sentir, “colocando-se nos sapatos” e no corpo de Joe.

Há um reconhecimento de que a “faísca” não é o propósito, e de que a nossa felicidade não advém apenas de uma conquista profissional. Nunca nos podemos esquecer de que a felicidade não é um estado, mas sim, um conjunto de momentos onde valorizamos coisas extraordinárias. E a nossa inspiração individual e coletiva passa pela forma como vivemos e partilhamos cada um desses momentos.

  • Diogo Almeida Alves

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