Editorial

Um Governo na “bolha”

O Governo voltou a falhar (qual é a novidade?) e tudo foi permitido aos ingleses na final da Champions. Quem é que se explica ao país?

“As pessoas que vierem à final da Liga dos Campeões virão e regressarão no mesmo dia, com teste feito e em situação de bolha, ou seja, em voo charter, deslocação para duas zonas de espera de adeptos, daí para o estádio e depois do jogo de volta para o aeroporto, estando em território nacional menos de 24 horas”.

Mariana Vieira da Silva, ministra da Presidência, 13 de maio

Já sabemos o que aconteceu na final da Champions no Porto, por isso esta afirmação da ministra Vieira da Silva deveria ter consequências. Antes, deveria obrigar a explicações, da ministra que as fez, do primeiro-ministro, do ministro-que-diz-que-é-da-administração-interna e da ministra da Saúde que tutela a direção-Geral de Saúde. O silêncio não é só ensurdecer, é ofensivo. O Estado entregue a um (des)governo que volta a falhar aos portugueses, a enganar de forma deliberada ou por incompetência.

Depois do que sucedeu nos festejos do Sporting, o Governo e a câmara de Lisboa entretiveram-se a passar culpas, a explicarem como não fizeram o que lhes era exigido. Durante uns dias, não se falou de outra coisa, dos festejos sem qualquer tipo de controlo e com riscos de saúde pública. O país estava em pandemia, em situação de calamidade, e pediram-se lições (consequências, com este governo, é que não vale a pena pedir). O Governo chegou a admitir público nos estádios nas duas últimas jornadas do campeonato nacional e na final da Taça de Portugal, mas na sequência dos festejos, recuou. Era necessário manter uma certa ordem, uma autoridade do Estado. Definitivamente, depois do que foi prometido e do que sucedeu este fim de semana, não há autoridade que resista, não é possível continuar a impedir os portugueses de assistirem a jogos de futebol, ou a concertos, não é possível impedir o consumo de bebidas alcoólicas no espaço público nem sequer obrigar à utilização de máscaras. Foi isto que o Governo permitiu a dezenas de milhares de ingleses que, durante dias, estiveram não só no Porto como em Lisboa e noutras cidades do Algarve.

Marcelo Rebelo de Sousa voltou a criticar o Governo, depois das palavras equívocas e até contraditórias na sequência dos festejos dos sportinguistas. Sem perceber que a sua palavra, sem consequências, está a perder força, a desligar-se, a tornar-se politicamente irrelevante. “Quando se comunica que se vem em bolha é porque se vem em bolha. Senão não se diz que se vem em bolha. Diz-se vêm tantos, uns vêm em bolha, outros não. E depois tem de se explicar porque foi diferente. E tem de se ter a noção do exemplo que se dá“, disse Marcelo. E? O que faria o Presidente se o primeiro-ministro fosse Santana Lopes depois de tantas falhas, tantos erros grosseiros, tanta incompetência? Marcelo poderia e deveria chamar o primeiro-ministro para uma audiência formal em Belém, sem esperar pela reunião. Ou, no mínimo, convocar a ministra da Presidência para se explicar ao Presidente da República.

A realização da final da Champions no Porto foi de duvidosa utilidade, para não dizer outra coisa. Terão existido vantagens para o comércio, mas provavelmente esses empresários dispensariam o negócio de dois ou três dias pelo sossego que deixaram de ter. Não serve para a imagem do país (lembra-se onde foi a final de 2019?) e só veio cá parar porque outros países não estavam interessados (e os que estavam não constam da lista verde do Reino Unido). Além disso, já tínhamos tido a ‘final eight’ de 2020 da Liga dos Campeões, cujos benefícios foram limitadíssimos.

Portugal está em estado de calamidade, mas o principal problema não resulta do risco de saúde pública (embora também esse seja efetivo, particularmente porque no Reino Unido a variante indiana está a ganhar força, como pode ler aqui). Há efetivamente duas ordens de problemas: Uma flagrante contradição entre as medidas impostas aos portugueses e as que não foram impostas aos ingleses, por um lado, e a incapacidade do Governo de fazer cumprir as leis que ele próprio aprovou.

Nestas duas dimensões, não há boas explicações, só a confirmação de que há um Governo em “bolha”, imune a tudo e, pelos vistos, a todos os erros políticos.

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