Martins da Costa: “A Europa vai estar no meio deste pingue-pongue entre EUA e China”

Joe Biden quer uma Europa mais crítica e distante da China. O presidente da Câmara de Comércio Americana em Portugal diz que a UE terá de jogar nos dois tabuleiros.

O presidente da AmCham cita Marcelo Rebelo de Sousa para lembrar que a China é uma amiga e um parceiro comercial, mas os Estados Unidos são, além disso, um aliado. António Martins da Costa vê uma Europa a atravessar um dilema, forçada a encontrar um modelo algures entre o regresso aos Estados-nação, que seria negativo, e o caminho para o federalismo.

O antigo membro da comissão executiva da EDP, agora como consultor do mesmo órgão, garante que a elétrica não foi penalizada por ter um acionista chinês.

Há uma intenção clara da Administração norte-americana de puxar a UE e a NATO para posições de força contra a China. A UE não parece muito disponível para seguir este caminho. Quer Angela Merkel quer o seu provável sucessor, Armin Laschet, vieram lembrar que a China além de um rival sistémico é também um parceiro. A Europa vai manter aqui uma posição autónoma no relacionamento com a China?

Penso que será sempre assim. Os interesses económicos de vários países europeus na China são imensos. A China para a Alemanha representa um grande mercado, uma fatia de negócio muito importante. Há vários países europeus que estão na iniciativa “Uma Faixa, Uma Rota”. Há já aqui uma interligação entre os interesses da China e de vários países europeus, que só não avançaram mais por uma questão de falta de reciprocidade. Se a China quer investir na Europa, pode investir. O que se exige é reciprocidade. Nos setores onde a China investe na Europa, a Europa também tem de poder investir na China.

A Europa vai ter de jogar nos dois tabuleiros?

A Europa vai jogar nos dois tabuleiros. Recordo aqui uma frase do nosso Presidente da República que dizia que a China é amiga e um parceiro, enquanto os EUA são amigos, parceiros e aliados. Há um tema que está acima dos outros. Julgo que a Europa irá seguir muito este modelo. A China é um parceiro importante, não pode ser ignorado, tem de ser gerido com boas relações económicas e diplomáticas. Também não podemos esquecer que há uma relação histórica e íntima com os Estados Unidos. E que, para além dessa relação histórica e íntima, eles são o nosso principal aliado. São o pilar da NATO.

A Europa terá de viver neste dilema?

A Europa terá de encontrar um caminho entre o modelo totalmente fragmentado de Estados-nação, que levou às guerras, e o federalista, de uns Estados Unidos da Europa. Em que ponto intermédio é que quer estar? Há visões diferentes dentro do Continente. A Europa vai viver permanentemente neste dilema nos tempos mais próximos. Os EUA não vão ter esse problema, porque têm uma visão nacional muito forte. A China muito menos. A Europa vai estar no meio deste pingue-pongue.

Se formos a gabinetes oficiais na China, como eu já estive, os mapas mostram a China no centro do mundo e a Europa é uma pequena ponta do continente euroasiático.

E tem de ter relações com ambos.

A Europa vai ter de conviver com esses dois parceiros. Obviamente, dando uma atenção muito forte àquele que é o seu parceiro histórico, com quem tem laços culturais, históricos e civilizacionais. Não descurando as relações com a China, que é um parceiro que merece todo o respeito e não pode ser descurado. Quando olhamos para um planisfério, a Europa está no centro, a oeste estão as Américas e a leste está a Ásia, com a Austrália lá num cantinho. Se formos a gabinetes oficiais na China, como eu já estive, os mapas mostram a China no centro do mundo e a Europa é uma pequena ponta do continente euroasiático. O centro do mundo é diferente conforme o sítio onde estamos.

É de esperar que empresas europeias com uma forte posição do Estado chinês no capital enfrentem entraves para investir nos EUA? A EDP, por exemplo, tem uma empresa estatal chinesa como principal acionista, ainda que minoritário.

Os EUA têm sido bastante claros e transparentes nessa matéria. É pública a lista das empresas que os EUA consideram uma preocupação para eles em termos de segurança nacional, nomeadamente as que intervêm nos chamados setores de infraestruturas críticas. Agora, não vejo obstáculos a que empresas de capital chinês, de setores que não sejam dessa natureza, invistam nos EUA. Há muitas empresas de capital privado chinês nos EUA. Vejo sim que os EUA têm definida uma linha vermelha naquilo que consideram ser investimentos em empresas de setores críticos, onde tem a tal lista, que não aceita. A relação económica entre os EUA e a China continua a funcionar, em volumes de negócio imensos.

Quando esteve na comissão executiva da EDP alguma vez sentiu um travão dos EUA aos investimentos na China por a empresa ter capital chinês?

Não, nunca senti isso. O acionista chinês teve sempre uma posição limitada. Hoje são 19%. Nunca foi uma preocupação, para além das preocupações normais que os americanos têm em relação a qualquer empresa que gere infraestruturas críticas nos EUA. E aí, quer seja chinesa, quer seja “chinamarquesa”, passo a expressão. Há regras muito claras e um grande escrutínio.

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