Mudanças climáticas, uma realidade onde todos temos de atuar
José Leão, diretor Resseguro Grupo Ageas Portugal, reforça o alerta para o atraso na criação de instrumentos para responder a grandes calamidades. O clima está em mudança e os sismos acontecem.
Estamos a viver três tipos de crises: uma crise sanitária intensa e prolongada no tempo, uma crise económica onde o papel dos governos e do financiamento da economia está no topo das prioridades e uma crise climática. Mas, das três crises, a maior de todas é sem dúvida a climática.
A última década foi a mais quente de que há registo. As recentes cheias ocorridas em Julho deste ano no centro da Europa, mostram-nos que estes eventos não são explicados apenas por fatores socioeconómicos (crescimento da população, maior concentração da população em grandes cidades e no litoral, maior concentração de capital em determinadas áreas), mas também se devem a mudanças climáticas.
Uma constatação destas mudanças climáticas é o facto de todos os anos batermos recordes na frequência do número de eventos catastróficos que são registados no mundo: temos assistido nos últimos anos a um aumento do peso dos riscos secundários (inundações, tempestades, incêndios) no total dos eventos extremos da natureza. Se a estes juntarmos os eventos relacionados com os riscos primários (menor frequência e maior intensidade, como por exemplo os fenómenos sísmicos e os ciclones tropicais) então temos todos os ingredientes para termos anos onde os impactos na economia mundial serão muito significativos.
Volto a reforçar a mensagem de que temos de ter consciência de que é expectável irmos assistir a um aumento de frequência e de intensidade deste tipo de eventos no futuro como resultado do aumento da temperatura na Terra. Vamos ter mais inundações, mais tempestades, mais ciclones, mais incêndios. Portugal já foi afetado e voltará a sê-lo no futuro: este tipo de fenómenos não acontece apenas aos outros.
De acordo com a Swiss Re, o aumento da temperatura na Terra, mesmo que seja abaixo do acordo de Paris (2o face ao nível pré-industrial) irá implicar perdas económicas que originarão uma queda no PIB mundial de 4.2%. Se o aumento da temperatura for de 3o a perca do PIB mundial será de 18%. Estes resultados resultam da comparação da situação de um aumento da temperatura na superfície da Terra face a uma situação onde a temperatura não teria aumentos.
Em Espanha temos a figura do Consórcio que cobre perdas resultantes de determinados riscos de fenómenos da natureza. Na Nova Zelândia e na Turquia temos pools para a gestão do risco sísmico, no Reino Unido temos a criação da Pool Re e Flood Re para a gestão do risco de Inundações e em Portugal continuamos a adiar a criação de soluções
Devemos assim apostar mais na prevenção, de forma a limitarmos ou minimizarmos as perdas que estes fenómenos irão trazer para as Pessoas e Empresas. Precisamos de uma mudança de comportamentos e de formas de estar e por isso que é tão importante uma Coligação Internacional para a Neutralidade Carbónica, zero emissões de gases de efeitos de estufa até 2050.
O tema das mudanças climáticas está relacionado com o princípio do Bem Comum. Se por um lado todos os cidadãos irão beneficiar no longo prazo por termos um planeta mais limpo e mais saudável, poucos são os cidadãos que mudam os seus comportamentos e formas de estar (foco excessivo no consumo, no ter e menos no ser). Muitas pessoas negam o problema, outras têm um comportamento de indiferença e outros têm uma confiança cega nas soluções técnicas. Há ainda os free riders que esperam ir à boleia do esforço de outrem.
Os riscos criados pelas mudanças climáticas podem ser globais e sistémicos por natureza, como por exemplo são os riscos de inundações, insegurança alimentar, mudanças na biodiversidade, saúde global, migrações forçadas, tensões sociais, etc.
O Green Deal (Pacto Ecológico Europeu) na União Europeia é uma notícia positiva: colocar o ambiente no centro da economia, alcançando a neutralidade carbónica até 2050, através da criação de um conjunto de metas que visam também alterar o comportamento das Pessoas e das Empresas no seu quotidiano.
A transição ecológica representa assim uma excelente oportunidade para as Empresas, pois criará mercados para produtos e tecnologias não poluentes.
A indústria seguradora e resseguradora deve assumir um papel relevante no impulso a dar para uma economia global mais sustentável. De acordo com a agência de rating Fitch, como investidores Institucionais, as Seguradoras podem encorajar e liderar investimentos que suportam e incentivam o alcance de emissões zero de carbono.
A Ageas Pensões e o Grupo Ageas Portugal foram a 1ª companhia no mercado a adoptar logo em 2018 os princípios para Investimento Responsável das Nações Unidas, reconhecendo a importância que os critérios ambientais, sociais e de governação têm na criação de valor acrescentado nos investimentos de longo prazo.
De acordo com a PwC e Accenture, na União Europeia, o tecido empresarial é composto em 99% por empresas de pequena e média dimensão e a taxa de penetração de seguros é de apenas 2.2%. Trata-se de uma taxa de penetração muito baixa. Cabe aqui ao sector segurador tomar iniciativas que visem aumentar a consciencialização para o impacto que as mudanças climáticas podem ter nos seus activos, contribuindo assim para a redução do protection gap.
Outros temas como por exemplo a mobilidade, a digitalização, as novas formas de trabalho e as novas formas de estar, são tudo temas onde a indústria seguradora pode induzir os seus Clientes a ter um comportamento mais “amigo” da nossa Terra, contribuindo assim para um Bem Comum.
A indústria seguradora, sempre com o apoio dos resseguradores, pode e deve ter um papel tanto a montante como a jusante. A montante, ou seja, no pré-sinistro: contribuir para a maior consciencialização da sociedade se proteger, maior literacia financeira, prevenção, risk management, na necessidade de desenvolvimento de novos produtos, de novas coberturas, na utilização da tecnologia para a subscrição e aceitação dos riscos, em suma, na necessidade de estar mais próximo do Cliente. A jusante, ou seja, depois do sinistro: com a capacidade financeira, própria e dos resseguradores, com uma solvência forte, com mecanismo de ressarcimento bem rodados, com a velocidade de processamento do pagamento dos sinistros, etc.
Contudo, de acordo com a EIOPA (European Insurance and Occupational Pensions Authority), se por um lado as seguradoras são um veículo muito relevante para financiar as economias após o acontecimento deste tipo de eventos, uma vez que financiam a reconstrução das áreas destruídas, por outro lado, com o aumento da frequência deste tipo de eventos, torna-se mais difícil de segurar a preços acessíveis este tipo de coberturas de fenómenos da natureza em determinadas zonas do mundo, como por exemplo, a cobertura de incêndio em determinadas áreas dos EUA e da Austrália. Na Alemanha, por exemplo, temos determinados Estados que só garantem ajuda estatal se o risco não for segurável no mercado segurador, com essa medida incentivam as pessoas a comprarem seguros e a reduzirem assim o protection gap.
Torna-se assim fundamental, criar soluções de resiliência partilhada, envolvendo não apenas o sector privado, mas também o Estado para a mitigação deste tipo de riscos, porque a capacidade de resseguro disponível no mercado é finita. Temos este tipo de soluções implementadas nalguns países no mundo. Em Espanha temos por exemplo a figura do Consórcio que cobre perdas resultantes de determinados riscos de fenómenos da natureza. Na Nova Zelândia e na Turquia temos pools para a gestão do risco sísmico, no Reino Unido temos a criação da Pool Re e Flood Re para a gestão do risco de Inundações e em Portugal continuamos a adiar a criação de soluções que nos permitiriam ter sem dúvida um País mais bem prevenido e protegido para responder a este tipo de eventos.
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