Carlos Silva está confiante quanto à aprovação do próximo Orçamento do Estado. Ao ECO, o secretário-geral da UGT diz que ninguém quer hoje uma crise política.
Já arrancam as negociações para o Orçamento do Estado 2022 (OE 2022), num ano que será marcado pelas eleições autárquicas, que podem mudar o xadrez político. Ao longo deste verão quente o ECO vai ouvir Governo, partidos, parceiros sociais e empresários sobre um Orçamento que ainda não tem aprovação garantida e que está a ser desenhado no meio de uma pandemia. Leia aqui todos os textos e as entrevistas, Rumo ao OE.
Os salários são uma das grandes prioridades identificadas pela UGT para o Orçamento do Estado para 2022, documento que o secretário-geral dessa central sindical acredita que será aprovado. “Ninguém quer, nas altas esferas do Estado, uma crise política, nesta altura”, diz Carlos Silva, em entrevista ao ECO.
No próximo OE, o sindicalista quer ver também verbas para a manutenção do lay-off, para as qualificações, para a luta contra a precariedade e para o alívio fiscal das famílias. Carlos Silva defende, por outro lado, que até ao final da década o salário mínimo tem de chegar aos mil euros.
Esta é uma de duas partes da entrevista do secretário-geral da UGT ao ECO. Na outra, o sindicalista fala sobre o acordo geral de rendimentos que a pandemia colocou na gaveta, sobre a taxa de rotatividade e sobre as alterações à lei laboral.
Quais são as prioridades da UGT para o Orçamento do Estado para 2022?
Começaria por pegar nas palavras do primeiro-ministro e secretário-geral do PS, no encerramento do congresso do Partido Socialista, para dar nota de que o país tem que efetivamente fazer um esforço para ultrapassar o nó górdio dos baixos salários. A política dos baixos salários é uma matéria que tem que ter uma contemplação orçamental. É evidente que passa pelas empresas, mas passa também pelo Governo, que tem de aplicar as questões do salário mínimo e as questões dos salários aos trabalhadores da Administração Pública.
O país está constrangido porque a negociação coletiva não evolui e, portanto, está constrangido nos salários médios, cada vez mais próximos do salário mínimo nacional. O Governo tem no seu programa atingir os 750 euros de salário mínimo em 2023. Vamos desafiar o Governo e o país para que o aumento do salário mínimo nacional possa ter uma métrica mais distante no tempo. Ou seja, aproveitando a bazuca europeia, que o nosso país possa atingir um valor de salário mínimo mais perto da realidade europeia. Gostaria que Portugal pudesse atingir os mil euros de salário mínimo no final da década.
O Orçamento do Estado deve contemplar um conjunto de recursos que mantenha o lay-off por mais algum tempo e que resolva e ajude o problema das moratórias para milhares de famílias.
Já vamos aos salários, mas que outras matérias gostaria de ver incluídas no próximo OE?
Outra matéria muito importante para o Orçamento é a questão das qualificações. É preciso mais formação. Assinamos um acordo com o Governo e com os patrões, no dia 28 de julho, para permitir que uma parte importante das verbas que vierem do PRR e dos fundos estruturais seja alocada à formação profissional, por via do IEFP. Não só queremos reforçar as dotações dos centros protocolares do IEFP, como também necessitamos de mais horas de formação, que não é apenas válida para trabalhadores. Temos de a estender também a empresários.
Depois, finalmente, temos de combater a precariedade. É um acordo que já vem de 2018. O Governo e o primeiro-ministro falam muito insistentemente no combate à precariedade e nós também estamos preocupados [até porque] subitamente muitas empresas portuguesas estão com despedimentos coletivos em cima da mesa. A UGT irá propor a alteração às indemnizações por despedimento para o nível pré-troika.
Defendemos [também] que o Orçamento do Estado deve contemplar um conjunto de recursos que mantenha o lay-off por mais algum tempo, que resolva e ajude o problema das moratórias para milhares de famílias e que, portanto, venha responder às necessidades da economia, mas também às questões sociais.
Disse que o lay-off deveria continuar por mais algum tempo. Não teme que isso possa levar a que as empresas fiquem mais tempo do que o estritamente necessário nesses apoios, com as consequências que isso tem para os trabalhadores?
Os trabalhadores e os sindicatos não controlam os fluxos contabilísticos dentro das empresas. O Governo sabe o que é que está a dar. A grande preocupação da UGT é manter o nível de emprego nas empresas que recebem apoios do Estado e evitar despedimentos. Quem recebe dinheiro do Estado, dos contribuintes portugueses, não pode despedir num momento difícil da economia. As empresas, ao receberem apoios do Estado, estão obrigadas a dar um contributo forte à economia e a garantir a sustentabilidade do emprego. Não temo que o lay-off se prolongue para sempre. Não vai. Há sempre abusos. Não existem só em Portugal. A UGT vai continuar a suscitar amiúde, nas reuniões da Concertação Social, o apelo ao Governo para que informe os parceiros sociais de qual é o tipo de apoio às empresas, para verificar se há empresas que estão a receber apoio sem necessitar, para não fazerem disto um parasitismo e uma “preguicite aguda”. A ACT tem de estar vigilante.
Quando alertei que o pior vinha aí, é precisamente nesse sentido: pedagogia e uma enorme fiscalização.
Em contraponto, no início do mês, alertou que a insolvência da Dielmar pode ser um sinal do pior que está por vir. O que é que quer dizer como esse pior? É uma vaga de despedimentos? Como pode ser evitada?
Não há nenhuma mezinha para dizer a uma empresa que não feche as portas. Agora, quando se pede uma insolvência, há um conjunto de critérios que presidem ao pedido e que têm de ser analisados pelo Governo. Até para que os trabalhadores possam receber, depois, o subsídio de desemprego. Ou o Estado aplica sanções fortes às empresas que se descubra que os pedidos de insolvência são máscaras para resolver problemas dos acionistas, despedir trabalhadores e abrir a empresa com outro nome noutro local… isso é uma postura que fere a democracia. O Governo tem de estar atento a isso.
Há empresários muito bons e muito maus. Cabe ao Governo, quando lhe é solicitado esta ou aquela empresa, que analise com olhos de ver e que não ceda à tentação de resolver tudo da mesma forma. As questões da insolvência são graves e têm de ser muito bem escrutinadas. Quando alertei que o pior vinha aí, é precisamente nesse sentido: pedagogia e uma enorme fiscalização. O Estado é que tem de fiscalizar as más atitudes e a desresponsabilização de muitas empresas perante os seus trabalhadores.
O primeiro-ministro sinalizou, numa entrevista recente, que o IRS deverá baixar no próximo ano. Está confiante de que será posta em cima da mesa uma medida suficientemente robusta?
A UGT tem lutado por uma alteração ao sistema da fiscalidade em Portugal. A fiscalidade é muito constrangedora para a generalidade dos trabalhadores da classe média, em Portugal. A classe média é quem ganha o salário médio, perto de mil euros, não é nenhuma fortuna. Os rendimentos do trabalho e das pensões têm de ser desonerados. A fiscalidade é fundamental. Quero acreditar que a mexida no IRS, com a reintrodução de mais escalões, pode criar algum desafogo para muitos milhares de famílias.
As empresas têm de se financiar com os seus meios de produção, com as exportações, com a venda para o mercado interno, nunca à custa de subvenções do Estado.
Falemos de salários, especificamente do salário mínimo nacional. O Governo desenhou uma compensação pela subida do salário mínimo, mas os empregadores dizem que acabou por vir desincentivar os empresários que pagavam um pouco acima desse nível. Concorda com a crítica? Que avaliação faz dessa medida?
Quando o ministro Siza Vieira afirmou que haveria uma compensação exclusivamente para os trabalhadores que auferiam o salário mínimo nacional, demos logo o nosso acordo. Percebemos o custo e o peso que isto [a atualização do SMN] tem na massa salarial da maior parte das empresas em Portugal. Mas também tudo o que é demais parece mal. Os empregadores ainda queriam que todos os trabalhadores que estavam no escalão abaixo do novo salário mínimo nacional fossem abrangidos. Desculpe, mas não estivemos de acordo com isso, porque isso, daqui a bocado, é estar a financiar as empresas. As empresas têm de se financiar com os seus meios de produção, com as exportações, com a venda para o mercado interno, nunca à custa de subvenções do Estado. Então para agora as empresas só vivem à mama do Estado? Não estamos de acordo e achamos que o Governo fez bem em não ir por essa via.
No ano passado, disse-se desiludido com o Orçamento do Estado. As suas expectativas são agora altas, porque espera que seja cumprido tudo o que foi adiado, ou baixas?
Estamos no último ano de mandato da atual legislatura do Governo. No ano passado, o BE chumbou o OE. Este ano, ninguém se coibiu de informar que há negociações à esquerda no Parlamento, no sentido de se tentar obter um consenso ou um compromisso para o Orçamento do Estado para 2022. Não sei o que vai acontecer. O que sei é que ninguém quer, nas altas esferas do Estado, uma crise política, nesta altura. Mas também já ouvi o primeiro-ministro bater com a porta por menos e ameaçar a demissão. Lembro-me da questão dos professores. A verdade é que o primeiro-ministro tem, neste momento, altos índices de popularidade. Faremos propostas que nos parecem sensatas. A UGT não dará um passo maior do que a perna e, portanto, as nossas reivindicações terão muito em conta o atual estado da economia, mas representamos trabalhadores e sentimos que há enormes necessidades em muitas franjas.
Acredito que o Orçamento do Estado deverá ser aprovado, tem de ser aprovado, porque acho que ninguém neste momento quer uma crise política.
Está otimista?
Não tenho baixas expectativas. Acho que há, neste momento, um índice de responsabilidade quer do Governo, quer dos partidos à esquerda para perceber que estamos num momento importante da vida do país. A pandemia ainda não passou, mas há sinais que nos permitem vislumbrar esperança e confiança no futuro. Uma crise política neste momento não era bem-vinda, sobretudo num momento em que o país tem de recuperar. Cada um assumirá as suas responsabilidades com os passos que der.
Acredita, pelo que diz, que o Orçamento do Estado vai ser aprovado.
Acredito que o Orçamento do Estado deverá ser aprovado, tem de ser aprovado, porque acho que ninguém neste momento quer uma crise política, no nosso país. Estou confiante que o Orçamento do Estado será aprovado.
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“Orçamento tem de ser aprovado. Ninguém quer uma crise política”, diz líder da UGT
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