“Cinismo” ou “chavismo”? Costa sob fogo após dar “lição” à Galp
O líder do PS é atacado da esquerda à direita pelas críticas feitas à Galp em plena campanha e nem sequer é poupado pelos sindicatos. Por que fala agora e que destino terão os terrenos em Matosinhos?
Depois da mudança do Tribunal Constitucional para Coimbra, o fecho da refinaria da Galp em Matosinhos. Poucos dias após a proposta de descentralização apresentada do PSD no Parlamento marcar o debate nas autárquicas, com acusações de eleitoralismo pela proximidade das autárquicas, foi a vez de o secretário-geral do PS puxar de um tema sensível a nível local para criticar a petrolífera e prometer dar-lhe uma “lição exemplar”.
A decisão de encerrar a atividade de refinação em Matosinhos foi anunciada em dezembro do ano passado, a última unidade de produção já foi desligada no final de abril e as cartas do despedimento coletivo foram chegando ao longo dos últimos meses. Mas foi na semana passada, já em plena campanha eleitoral, que foi consumado o despedimento da maioria dos funcionários, por via de uma decisão que se estima que vá destruir um total de 5 mil empregos na Área Metropolitana do Porto.
O que terá levado António Costa a desferir um ataque tão forte à empresa de energia, que até tem o Estado como acionista – tem uma participação de 7%, através da Parpública -, dizendo ser “difícil imaginar tanto disparate, tanta asneira, tanta insensibilidade, tanta irresponsabilidade, tanta falta de solidariedade” como neste caso? Os partidos e os representantes dos trabalhadores não têm dúvidas em falar de aproveitamento político, num município em que a socialista Luísa Salgueiro tenta a recondução no próximo domingo.
À esquerda, Jerónimo de Sousa (PCP) vê o primeiro-ministro “carpir mágoas sobre os trabalhadores”, que “não passam de lágrimas de crocodilo” porque os despedimentos em grupos monopolistas “encontram na passividade e cooperação do Governo o estímulo” para avançarem. E Catarina Martins (BE) concorda que “a política não pode ser um exercício de cinismo”, mas “sobre decisões para a vida das pessoas”.
“Eu questionei diretamente António Costa em debates quinzenais, quando eles ainda existiam. Questionei-o sobre a Galp e sobre o que iria fazer o Governo e Costa disse que não iria fazer absolutamente nada. É estranho que quem recusou utilizar até a capacidade que tinha como acionista e representante do Estado, para travar os despedimentos, agora esteja chocado com eles”, resumiu a líder bloquista.
À direita, coube primeiro à Iniciativa Liberal proferir a mesma acusação de que “para o PS e para o primeiro-ministro, em campanha eleitoral vale tudo”, ainda que se socorrendo de argumentos opostos. “Prometer a uma empresa privada que lhe vão dar uma lição de moral já está à beira daquilo que são as ameaças que nos habituámos a ver em regimes como o chavismo na Venezuela e outros regimes desse teor”, resumiu João Cotrim de Figueiredo.
O líder do CDS-PP, Francisco Rodrigues dos Santos, recordou igualmente ao primeiro-ministro “que o seu papel não é ser um papão na vida dos empresários, nem dar-lhes conselhos sobre a forma de gerir os seus negócios”. Contrapondo que deve antes “facilitar-lhes a vida, baixando impostos, diminuindo a burocracia e permitindo que tenham poupança para reinvestir nos seus negócios e gerar postos de trabalho”.
Trabalhadores apontam contradição
A Galp, que esta manhã decidiu ficar em silêncio perante as acusações do líder socialista, justificou na altura a “decisão complexa” de encerramento desta refinaria e de concentrar as operações em Sines numa avaliação do contexto europeu e mundial da refinação, bem como nos desafios de sustentabilidade, a que se juntaram as características das próprias instalações.
E o próprio António Costa, a 6 de maio, apontou o fecho da refinaria de Matosinhos como um exemplo dos desafios que se colocam no domínio ambiental e que exigem um pilar social forte na Europa para a criação de oportunidades de emprego. O governante defendeu esta posição no encerramento de uma conferência promovida pelo Grupo dos Socialistas e Democratas no Parlamento Europeu, em Matosinhos, intitulada de “Gotemburgo ao Porto – o caminho para uma Europa Social.
É esta aparente contradição na tese e no tom que os representantes dos trabalhadores mais criticam. “Agora, vem o primeiro-ministro dizer que realmente aquilo prejudica muito a economia nacional, quando disse o seu contrário, não há muitos meses atrás. É vergonhoso e o Governo devia ter vergonha de fazer afirmações destas quando não fez nada para impedir que a refinaria de Matosinhos encerrasse”, sublinhou a secretária-geral da CGTP.
Também o coordenador da Comissão de Trabalhadores, Hélder Guerreiro, disse à TSF que “o primeiro-ministro andou sempre de mãos dadas com a Galp em todo este processo e agora, depois do despedimento coletivo, vem fazer este triste espetáculo no âmbito de uma campanha eleitoral”. “É um aproveitamento político de um assunto que é um drama social, que é um crime económico e o primeiro-ministro ainda tenta tirar dividendos de uma posição para a qual ele contribui decisivamente. É profundamente lamentável”, acrescentou.
Ao final do dia, Rui Rio insistiu nessa mesma contradição, ironizando que Costa “veio na qualidade de secretário-geral do PS desmentir formalmente o primeiro-ministro”, dizendo não saber “qual a lição exemplar que o líder do PS quer dar à Galp, que o primeiro-ministro António Costa em maio não deu”.
Segundo um estudo encomendado pela Câmara de Matosinhos à Universidade do Porto para avaliar os impactos socioeconómicos do fecho do complexo petroquímico no concelho, o encerramento da refinaria representa perdas de 5% do PIB em Matosinhos e de 1% na Área Metropolitana do Porto. Citado pela Lusa, o estudo traça um “cenário particularmente grave” para a região Norte e para o país, caso não seja dado qualquer destino àquela instalação industrial.
Que destino para os terrenos?
Além da questão laboral e económica, o destino a dar àqueles terrenos em Leça da Palmeira é outro elemento-chave neste debate. Este domingo, Costa foi igualmente enfático neste ponto, prometendo trabalhar com o município para garantir que o território antes ocupado pela refinaria não será agora utilizado pela Galp como “lhe der na real gana”, mas antes para desenvolver “a economia e para o progresso do território de Matosinhos”.
Dirigindo-se diretamente à cabeça de lista socialista naquele concelho, que o ouvia na plateia, António Costa apelou para que Luísa Salgueiro utilize “todos os mecanismos legais que as leis do ordenamento do território colocam nas mãos do município para garantir que naqueles terrenos só se fará o que o município de Matosinhos autorizar e só autorizará o que for para bem do progresso desta região”.
No entanto, ainda há menos de dois meses, numa call com investidores e analistas para apresentar os resultados do primeiro semestre de 2021, o CEO da Galp dizia estar “em contacto com as autoridades locais e a falar sobre o futuro daquele excelente ativo imobiliário, no coração de uma cidade vibrante”. “Vamos ter lá um parque logístico, uma fábrica de lubrificantes, mas estamos em diálogo com as autoridades para ver o que vai nascer ali”, resumiu Andy Brown.
Na mesma ocasião, a 26 de julho, o CFO da Galp, Filipe Silva, deu conta que a Galp registou provisões no valor de 200 milhões de euros quando anunciou o fecho de Matosinhos, “o que inclui a descontaminação, o descomissionamento da refinaria”, mas não o valor do terreno, “porque está em aberto, para discussão, para que fim será usado”. “É um exercício delicado descomissionar a refinaria, mas tudo está a correr conforme planeado”, assegurava Filipe Silva.
Outras das hipóteses sugeridas para aquele local era a transformação numa refinaria de lítio, por via de um acordo com a empresa sueca Northvolt para o fornecimento de lítio refinado em Portugal e expedido por navio a partir do porto de Leixões. Porém, a petrolífera acabou por afastar essa ideia e poucas semanas depois anunciou a aquisição de 10% do projeto de exploração de lítio da Mina do Barroso, em Boticas, por 6,4 milhões de dólares (5,26 milhões de euros), segundo um acordo assinado com a Savannah Resources, empresa que tem o contrato de prospeção.
A petrolífera já anunciou a criação de um grupo de trabalho que vai estudar a criação de uma plataforma para endereçar os desafios da transição energética em Matosinhos. Este grupo, que terá a coordenação de Rodrigo Tavares, integra vários quadros da Galp, peritos nacionais e internacionais – como Ana Lehmann, Adélio Mendes ou Falk Uebernickel –, e prevê a colaboração de stakeholders de âmbito local, nacional e internacional. “Reforçamos que a Galp vai continuar a sua presença em Matosinhos, presença essa já assegurada com a manutenção de um parque logístico”, assegurou a Galp em comunicado.
(Notícia atualizada com declarações de Rui Rio)
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