Europa está 10 anos atrasada em IA, mas há “agora uma vontade política”, diz Daniela Braga
Fundadora e presidente executiva da DefinedCrowd destaca que a Europa "tem feito muito trabalho de investigação", mas "pouco trabalho de desenvolvimento".
A especialista em inteligência artificial (IA) Daniela Braga afirma que a Europa está “dez anos atrasada” em relação a esta tecnologia, destacando que agora há “uma vontade política”, mas o processo ainda vai “devagarinho”.
Em entrevista à Lusa, a fundadora e presidente executiva da DefinedCrowd salienta que a “Europa tem dois problemas neste momento” e um deles é que “está dez anos atrasada em relação à parte tecnológica de inteligência artificial”. Ou seja, “tem feito muito trabalho de investigação, pouco trabalho de desenvolvimento” e “não havendo desenvolvimento não há ‘mainstream applications’ para o público”, como também “não tem investido capital” necessário “em tudo o que é tecnologias de ponta”, refere.
“É uma das áreas em que ando a falar há muito tempo no centro de excelência em inteligência artificial, que pode estar sediado na Europa, pode estar sediado em Portugal, pode ter vários polos na Europa”, aponta, citando o Banco Europeu de Investimento que refere a Europa está “a cinco a 10 biliões por ano de atraso em relação aos Estados Unidos”. E o impacto disto é claro: “Dependência tecnológica dos Estados Unidos”, remata.
No entanto, “há realmente agora uma vontade política para começar a olhar não só a inteligência artificial, há uma série de áreas em que a Europa tem de ‘catch up'” e as áreas em que a IA precisa “mais urgentemente” são as de ‘cloud’, 5G e as de ‘big data‘, salienta Daniela Braga. “Enquanto essas áreas todas não estiverem também tratadas — são quase outras disciplinas ancilares ao lado da inteligência artificial, não se consegue fazer muito progresso”, considera.
“Dito isto, a Europa pode comprar tecnologia americana, só que com o GDPR [regulamento de proteção de dados] e com muita desconfiança, a Europa está a começar a ter a sua própria política de inteligência artificial e bem”, mas “só que devagarinho”. Mas a Europa tem de avançar agora, sob pena de perder completamente a corrida.
“Ou é agora ou esqueçam, mais vale depois então ficarem completamente submetidos à tecnologia estrangeira e que na área de inteligência artificial toca na questão da privacidade dos dados, que apesar de também ser uma preocupação obviamente na América, as coisas são tratadas sempre de maneiras diferentes entre os dois lados do Atlântico”, defende.
Daniela Braga considera que há “mais gente” a ouvir e “agora há mais dinheiro que nunca nos países para recuperação económica em relação à pandemia”. No que respeita ao efeito da pandemia, a especialista em IA refere que esta “ainda não atingiu o ‘rock bottom’ [fundo] na Europa, ainda vai atingir no próximo ano”. “Acho que começa a haver mais vontade política, agora a velocidade na Europa é sempre outra”, aponta.
A CEO da DefinedCrowed defende que problema na Europa não é dinheiro, mas dependência do Estado. “Não é um problema de dinheiro, há um problema de dependência do Estado e, portanto, o setor privado não se atravessa se o setor público não se atravessar primeiro, e não se pode fazer uma coisa sem a outra”.
A tendência económica, critica, é sempre: “Não, o Estado tem de pôr 80% e eu ponho 20% e ainda vou buscar mais uns subsídios. Não é assim que deveria ser, mas pronto”, os Estados Unidos não fazem isto. “A mentalidade na Europa é muito do deixa ver o que é os outros fazem primeiro, lá está (…), se o Estado me der algum dinheiro então eu talvez até faça qualquer”, acrescenta.
O mundo está a mudar e “quem conseguir ser o líder do seu setor vai basicamente ‘set up a new trend’ [estabelecer uma nova tendência] e trazer uma atração tecnológica e de talento completamente diferente” para si. “A Comissão Europeia atira jorros de dinheiro para os países, mas manda diretrizes”, prossegue, referindo-se aos apoios europeus. “Acho que cada país, como tem pouca tradição de praticalidade, continua a transformar aquilo em instrumentos muito tradicionais, que são os concursos de ideias”, diz.
Para a responsável, “não devia haver concursos ideias”, mas antes o Estado deveria reunir-se com o setor privado, público, com académicos e banqueiros, entre outros, e decidir “que o país precisa de investir nestas e nestas áreas”, mas num “investimento de 10 anos”.
Em vez disso, “muita da opinião é: ora bem, vamos salvar 99% das microempresas com menos de 10 pessoas para ver se elas se aguentam” e continuar “a sobreviver na crise (…), mas isto “não tira a Europa da dependência tecnológica”, insiste a especialista. Daniela Braga espera que um “bocadinho” do dinheiro alocado seja aplicado no futuro, leia-se tecnologia.
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