Subida das Euribor para 1% custaria às famílias 61 milhões/mês
A eventual subida das Euribor agravaria o crédito à habitação, quando as famílias ainda recuperam da crise pandémica e enfrentam o aumento generalizado dos preços. Confira as contas dos economistas.
Caso a Euribor passasse dos valores atuais de cerca de -0,5% para 1% — tendo em conta o número de contratos ativos, o saldo médio em dívida do crédito à habitação e os prazos médios — a Deco/Dinheiro&Direitos estimou que todos os meses as famílias portuguesas pagariam mais 61 milhões de euros pelas prestações dos créditos à habitação.
Já olhando para a simulação de um empréstimo específico, um cliente com um crédito à habitação no valor de 150 mil euros a 30 anos, indexado à Euribor a seis meses e com um spread de 1% paga este mês de prestação 445,83 euros (tendo em conta as Euribor atuais, em terreno negativo). Já se a Euribor subir um ponto percentual passaria a pagar 514,45 euros e se a subida for de dois pontos percentuais a prestação passaria a 589,18 euros.
Em novembro passado, segundo os últimos dados do Banco de Portugal, havia 2,09 milhões de devedores de crédito à habitação. Em Portugal, a maioria dos créditos à habitação estão indexados às taxas de juro Euribor, pelo que a subida ou descida destas tem grande impacto no valor pago mensalmente pelos clientes.
Desde 2015, as taxas Euribor estão em terreno negativo, o que fez baixar de forma significativa as prestações pagas ao banco. Em 2018, o parlamento criou mesmo uma lei que obriga os bancos a compensar os clientes com crédito à habitação sempre que as taxas de juro negativas anulem o spread margem de lucro do banco).
Até então, quando a Euribor somada ao spread resultava numa taxa negativa, os bancos aplicavam uma taxa de 0%, pelo que essa legislação veio obrigar os bancos a usar o valor negativo apurado, podendo reduzir o montante apurado em favor do cliente ao capital em dívida ou criar um crédito de juros a favor dos clientes.
A Lusa questionou os principais bancos sobre quanto já devolveram aos clientes desde então, mas a maioria não indica os montantes devolvidos por conta das taxas negativas. Também o Banco de Portugal diz que não disponibiliza estes dados.
O que dizem os economistas?
Num momento em que se fala numa possível mudança da política monetária do Banco Central Europeu (BCE), com subida de juros para evitar maior inflação, apesar de para já a instituição sediada em Frankfurt afastar esse cenário, há receios de que nos próximos meses as Euribor comecem a subir, agravando os créditos (de empresas e famílias).
Se acontecer, a subida deverá ser paulatina e estão afastados os cenários de as Euribor chegarem aos níveis de 5% que tiveram em 2008, quando a política do banco central as levou a esses patamares, mas uma subida de um ou dois pontos percentuais poderá já ser difícil de gerir no orçamento de muitas famílias.
“Os consumidores portugueses e quem procura crédito ainda não interiorizou [este risco] e isto leva-nos a alguma preocupação. Hoje em dia, até devido ao incentivo dos bancos para o crédito, à procura junta-se o preço elevado do imobiliário”, pelo que uma subida de taxas Euribor pode ter “um impacto significativo no futuro”, disse à Lusa o economista Nuno Rico, da Deco Proteste.
Atualmente, afirmou, apesar de as famílias estarem a contratar novos créditos com taxas de juro baixas, os valores dos créditos são elevados, de quase 120 mil euros na média dos novos contratos em 2020 (o saldo médio em dívida em 2020 era de cerca de 62 mil euros) e também com durações médias dos contratos elevadas, de 33 anos em 2020 (nos contratos em vigor a média era de 21 anos).
As famílias devem acautelar, pois taxas de juro baixas e negativas é normal que não se mantenham, pelo menos ao longo de todo o prazo do empréstimo.
Tal coloca problemas, pois além do financiamento ser mais elevado, logo, prestações mais caras (até no limite da taxa de esforço de muitas famílias) não acautela subida das taxas de juro. A isto soma-se a duração do montante ser logo tão longa que torna mais difícil ou impede mesmo reestruturações de créditos por aumento da duração do crédito, caso tal fosse necessário por famílias em dificuldades.
Por isso, teme que mesmo num cenário de ligeira subida das taxas de juros tal coloque dificuldades a muitas famílias. “As famílias devem acautelar, pois taxas de juro baixas e negativas é normal que não se mantenham, pelo menos ao longo de todo o prazo do empréstimo”, afirmou Nuno Rico.
Para João Duque, professor catedrático de gestão e finanças no ISEG, se os bancos cumprirem as instruções das autoridades de taxas de esforço adequadas e empréstimos conservadores, então não deverá haver um problema de incumprimento generalizado.
Contudo, “se as famílias começam a contrair dívida logo com a corda no pescoço, aí qualquer subida da água sufoca”, disse. João Duque afirma que a pressão sobre os clientes também “dependerá da velocidade a que taxas de juro sobem”, ainda que admita que essa subida seja gradual.
Se as famílias começam a contrair dívida logo com a corda no pescoço, aí qualquer subida da água sufoca.
Segundo o economista-chefe do Montepio, Rui Serra, só a partir de 2023 deverá suscitar impactos mais relevantes a subida das taxas de referência do BCE e as Euribor e sobretudo “se a dimensão de tal subida for superior aos valores atualmente implícitos nas cotações dos contratos de futuros”.
Contudo, apesar de ainda faltar algum tempo, aí as famílias assistirão a um aumento dos custos das suas dívidas, isto quando – recorda – Portugal é “o país da OCDE que apresenta níveis de endividamento das famílias mais elevados face aos respetivos rendimentos“.
Atualmente, nos contratos de crédito à habitação é obrigatório os bancos informarem os clientes na documentação sobre qual seria a prestação do crédito caso as taxas de juro chegassem ao valor máximo dos últimos 20 anos. Além de olharem para este dado, o economista Nuno Rico aconselha também os clientes a fazerem uma conta simples: “Se o meu crédito aumentar em 50% será que consigo continuar a cumprir com facilidade?”. Por exemplo, um crédito com uma prestação de 300 euros por mês passar a 450 euros ou uma prestação de 500 euros passar a custar 750 euros.
Tanto Nuno Rico como João Duque afirmam que o problema não são só as taxas de juro, mas vários fatores que juntos significam um grande peso sobre os orçamentos familiares. É que à subida das taxas de juro soma-se o aumento do custo de vida (energia, bens alimentares, transportes), uma economia ainda incerta e salários baixos.
No ano passado grande parte dos contratos de crédito estiveram em moratória (suspensão de juros e/ou capital que durou até setembro/dezembro) e até agora os bancos dizem que há situações de incumprimentos, mas que não são generalizadas. Contudo, os primeiros meses deste ano é que servirão para se perceber efetivamente a capacidade de as famílias suportarem este encargo, quando ainda há muitas que não recuperaram na totalidade rendimentos e haverá ainda empresas a encerrar ressentidas da crise.
Segundo a Deco, atualmente, nos casos de dificuldades, o que os bancos estão a propor às famílias é criar períodos de carência, alargar o prazo dos empréstimos nos contratos em que isso é possível ou mesmo sugerir a venda do imóvel para saldar a dívida.
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