Costa sugou a esquerda e cilindrou a direita

Uma vitória clara de António Costa, uma derrota estrondosa da direita. Assim se resume a noite eleitoral de 30 de janeiro. Uma análise em dez pontos rápidos.

Inteligente, perspicaz, audaz, mas igualmente calculista, com rasgos de oportunismo e muito ambicioso. Assim defino um político que deixa marcas. Difícil de combater, com uma boa leitura política, um tático e estratega, desprendido de fortes matrizes ideológicas – ainda que as promova, por necessidade – que lhe permitem moldar-se a qualquer contexto. Ideologias e decisões políticas à parte, António Costa é o líder que uma parte da direita gostaria de ter e que, até hoje, ainda não conseguiu encontrar uma fórmula para o enfrentar, quanto mais para o derrotar”. Assim caracterizei o primeiro-ministro, que agora revalida – de forma bastante reforçada – a confiança junto dos eleitores, no artigo “António Costa, a simbiose entre o calculismo e o instinto de sobrevivência”, a 26 de julho de 2020.

Uma vitória clara de António Costa, uma derrota estrondosa da direita. Assim se resume a noite eleitoral de 30 de janeiro. Sei que podemos realçar algumas vitórias parcelares, mas não há forma de fugir a esta evidência: foi uma enorme derrota para a direita (ou para o “espaço político não socialista”, para aqueles que preferem evitar a categorização esquerda-direita), sobretudo a direita que interessa – a direita responsável, coerente, não populista e fiel aos valores da democracia liberal.

Vale a pena destacar dez ilações rápidas sobre estes resultados:

  1. Os eleitores deram um claro voto de confiança ao Partido Socialista. O PS conquistou 86 mandatos em 2015, obteve +22 mandatos em 2019 (108), e agora alcança a maioria absoluta, ultrapassando a barreira dos 115 deputados.
  2. O discurso ao centro e centro-esquerda de Rui Rio falhou. Aliás, foram os partidos que marcaram mais a oposição ao PS (IL e Chega) que cresceram mais. É difícil esperar que a mesma receita do PSD no futuro venha a dar resultados diferentes. Já foi testada por mais do que uma vez, e não resultou.
  3. A direita conquistou 86 lugares no parlamento em 2019. Pouco mais de dois anos depois, com uma pandemia pelo meio que causou vários danos económicos e sociais, com um governo desgastado e com polémicas à mistura, a direita só consegue roubar à esquerda pouco mais de uma dúzia de lugares. Muito, muito aquém.
  4. O crescimento da IL e Chega são bastante evidentes, mas devem ser encaradas como meias-vitórias por estes partidos. Qualquer partido de oposição trabalha para crescer, mas também para enfraquecer a solução de governo quando estes partidos se afirmam ferozmente anti-socialismo. Ora, se a primeira parte foi aparentemente conseguida, a segunda não só não se concretizou, como o PS ainda sai mais reforçado. Nesta perspetiva, é uma derrota. A mensagem foi eficaz para crescerem, mas não foi eficaz para derrotar o socialismo.
  5. O CDS eclipsou-se. As guerras internas tão mal geridas por Francisco Rodrigues dos Santos e o afunilamento ideológico resultaram neste desfecho. A agenda conservadora será representada pelo Chega, num formato populista e com derivas iliberais. É, por isso, uma péssima notícia para a direita e para qualquer democrata a perda do CDS no parlamento, um partido histórico e que tantos contributos deu para a consolidação da nossa democracia.
  6. O Chega passa a terceira força política, e segunda à direita. Uma má notícia para o país, e para a direita que fica mais refém deste partido.
  7. À esquerda, não prevaleceu apenas o mero voto útil (muito notório no resultado do PAN). Prevaleceu também o castigo ao BE e CDU por terem deixado cair a geringonça, pelo que houve transferência e concentração de voto no PS.
  8. O Livre (re)entrou no parlamento. Em 2019 teve uma entrada em falso, com uma deputada claramente deslocada do partido. Entra agora mais reforçado, com uma votação superior. Rui Tavares faz mais falta ao parlamento do que faria mais um deputado do BE, PCP ou PS. Curiosamente, enquanto um partido ecologista entra, sai o PEV, um apêndice do PCP. Entre um e outro, é evidente quem pode contribuir mais no parlamento e para a discussão pública.
  9. As sondagens falharam, uma vez mais.
  10. Resta uma dúvida: Poderá o PS, agora, não refém da extrema-esquerda, desempenhar uma melhor governação que permita finalmente colocar o país a crescer de forma sustentada sem obsessões ideológicas, sem radicalismos de esquerda, sem derivas anti-capitalistas, anti-economia de mercado e anti-privados? Veremos. Tenho as minhas dúvidas, mas esperemos que sim. Terá todas as condições para constituir uma equipa governativa mais forte (é mais fácil convencer bons nomes para um contexto de maioria absoluta, do que num contexto de dependência de partidos mais à esquerda). Votos de muitos sucessos, para o bem de Portugal!

Termino, relembrando o que alertei no dia 28 de outubro, no artigo “Ao espaço político não socialista sugere-se mais prudência”, após o chumbo do Orçamento do Estado 2022: “É cedo para declarar o óbito à governação socialista e é ainda mais precipitado começar a festejar o regresso da direita ao Governo”. A direita guardou o espumante e António Costa festejou, uma vez mais.

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