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A NOS acredita que o cinema vai voltar a ser o que era antes da pandemia, apesar da massificação do "streaming" e da mudança dos hábitos de consumo. Os números sugerem que recuperar vai ser um filme.

Há quanto tempo não vai ao cinema? Faz um ano que não me sento em frente ao grande ecrã. Assisti a Nomadland, um filme que triunfou nos Óscares apesar das baixas receitas de bilheteira (mas, também, do orçamento reduzido). Não era permitido comer nem beber. E eu era o único presente na sala.

Nesse início de 2021, a vida era muito diferente. Desde então, com o surgimento da variante Ómicron, aceitámos a inevitabilidade de conviver com o vírus. Vacinados ou com anticorpos naturais, só por muito azar voltaremos a confinar da mesma maneira. Hoje, os dias são mais “normais”, pelo menos nos países ricos.

Mas a pandemia deixou marcas que não vão desaparecer tão cedo. O impacto da crise na cultura foi avassalador e a recuperação está a ser mais lenta do que noutros setores. No caso do cinema, já se assiste a alguma retoma, com o levantamento das restrições. Fica a dúvida se voltará, algum dia, a ser como era dantes.

Com uma quota bem acima dos 50% em Portugal, a NOS é líder de mercado e acredita que sim, mesmo com o crescimento muito acentuado do streaming em todo o mundo. Na semana passada, numa conferência de imprensa, Miguel Almeida, CEO, mostrou-se bastante otimista com a recuperação do setor.

“Não há como negar a penetração e massificação que os serviços de streaming tiveram no contexto da pandemia”, começou por dizer o gestor. Depois, reconheceu que os portugueses “aderiram e aumentaram muito o consumo” desses serviços. E mais: “Não acreditamos que isso vá recuar”, reiterou.

Todavia, a NOS está confiante que o setor vai acabar por regressar aos níveis pré-pandemia, ainda que, “provavelmente, não este ano”. O que nos dizem os números?

No ano passado, foram vendidos perto de 5,5 milhões de bilhetes de cinema em Portugal, dos quais 3,45 milhões foram comprados em cinemas geridos pela NOS. À primeira vista, parecem números elevados, mas como estamos a falar de cinema, há que ver a big picture. Em 2019, tinham-se vendido mais de 15,5 milhões de bilhetes nos cinemas, quase 9,27 milhões pela NOS.

Passando a percentagens, estamos a falar de uma queda superior a 60% em 2021 em comparação com 2019, o que representa uma recuperação de mais de 12 pontos percentuais face ao descalabro de 75% que se verificou entre 2019 e 2020 (que só não foi maior porque janeiro e fevereiro ainda foram meses “normais”).

Voltando aos números, a NOS teria de vender quase seis milhões de bilhetes a mais no ano passado para igualar os níveis pré-pandemia, mas com menos 11 salas abertas, pois foram encerradas com o surgimento da Covid-19. Já o conjunto do setor teria de vender dez milhões de bilhetes a mais do que vendeu em 2021, isto só para igualar os níveis de 2019.

Para comparação, a Netflix encerrou 2019 com pouco mais de 167 milhões de assinantes a nível mundial. No final do ano passado, eram já perto de 222 milhões, um crescimento acima dos 30%.

Dito isto, alguns fatores jogam a favor do negócio do cinema. Por um lado, o setor do streaming é hiper-fragmentado e começa a dar sinais de algum abrandamento. Depois, com a passagem da pandemia a endemia, mais portugueses vão perder o medo e regressar às salas de cinema, nem que seja pelo convívio. O próprio Miguel Almeida recordou que o streaming “não é incompatível com a experiência social de ir ao cinema”.

Os dados também nos dizem que a NOS tem conseguido espremer mais receita por cabeça. Em 2018, um espetador rendia, em média, 4,90 euros à empresa. Em 2021, a receita média por espetador subiu para 5,50 euros, um crescimento de mais de 12%. Com a inflação a acelerar, pode haver margem para subir os preços, aproximando os 67 milhões de euros obtidos com este negócio em 2021 dos quase 120 milhões conseguidos antes da pandemia.

Na conferência de imprensa, o presidente executivo da NOS argumentou ainda que a quebra no negócio nos dois últimos anos incorpora, também, o facto de os próprios estúdios terem lançado poucos blockbusters. Mas é igualmente verdade que os estúdios estão a optar cada vez mais por lançamentos simultâneos nos cinemas e no streaming, além de que não é todos os dias que sai um novo James Bond. Este ano, aliás, aluguei pela primeira vez um filme diretamente na televisão — o Dune.

Talvez o tempo venha a dar razão à NOS e o cinema volte mesmo a ser o que era “antigamente”. Era bom que assim fosse. Só que, pelo menos nos próximos dois ou três anos, parece-me improvável que o setor volte a assistir à golden age vivida até aos primeiros meses de 2020.

Após escrever este texto, fiquei com vontade de voltar ao cinema. Vemo-nos lá este fim de semana?

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