Dez perguntas e respostas para perceber a oferta chinesa sobre a EDP
- Rafaela Burd Relvas
- 13 Maio 2018
A China Three Gorges, que já detém 23,27% da EDP, lançou uma oferta pública de aquisição sobre a totalidade do capital da elétrica portuguesa. O que está em causa?
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O que oferece a China Three Gorges?
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A contrapartida é alta ou baixa?
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Se não convencer todos os acionistas, a OPA falha?
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Passando a controlar o capital, a China também controlará a gestão?
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Qual o objetivo da operação?
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O que acontece à EDP Renováveis?
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Porquê agora?
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Quem se opõe?
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De quem depende a operação?
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Quais os próximos passos?
Dez perguntas e respostas para perceber a oferta chinesa sobre a EDP
- Rafaela Burd Relvas
- 13 Maio 2018
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O que oferece a China Three Gorges?
A China Three Gorges, maior acionista da EDP, com uma participação de 23,27%, lançou uma oferta pública de aquisição (OPA) sobre a totalidade do capital da elétrica portuguesa. Oferece uma contrapartida de 3,26 euros por ação. É também lançada uma OPA sobre a EDP Renováveis, que é controlada pela EDP. Nesse caso, a contrapartida oferecida é de 7,33 euros por ação. Para comprar a totalidade da EDP e da sua subsidiária, a China Three Gorges terá de desembolsar cerca de nove mil milhões de euros. O grupo chinês terá ainda de assumir o valor da dívida da EDP, avaliada em 13,8 mil milhões de euros no final do primeiro trimestre deste ano.
Proxima Pergunta: A contrapartida é alta ou baixa?
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A contrapartida é alta ou baixa?
Depende da perspetiva. A contrapartida de 3,26 euros por ação representa um prémio de apenas 4,8% face à cotação de fecho de sexta-feira, quando os títulos da EDP cotavam nos 3,11 euros. Se for considerado o preço médio ponderado das ações nos seis meses anteriores à data de lançamento da OPA, o prémio de 10,8%. E se for levado em conta o preço médio ajustado nos últimos seis meses — ou seja, descontando a remuneração acionista –, o prémio já é de 17,9%.
Alta ou baixa, por lei, a contrapartida pode sempre ser revista. Isso mesmo pediram já os pequenos acionistas, que consideram que o preço oferecido “não reflete as expectativas do que entendiam ser o justo valor para sair” da empresa. Assim, a ATM afirma que seria “ótimo que houvesse uma OPA concorrente” à da China Three Gorges, o que poderá vir a acontecer, considerando que todas as movimentações que se têm observado na Europa.
Proxima Pergunta: Se não convencer todos os acionistas, a OPA falha?
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Se não convencer todos os acionistas, a OPA falha?
Não. A OPA foi lançada sobre a totalidade do capital da EDP, mas o objetivo definido não é esse. No prospeto preliminar entregue à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), a China Three Gorges define como objetivo para o sucesso da operação a aquisição de ações que, somadas às que já detém (ou detidas por outras com quem esteja em relação de domínio), totalizem 50% do capital da EDP. A China Three Gorges é detida pelo Estado chinês, que detém a totalidade de outro acionista da EDP: a CNIC. Juntas, as duas empresas estatais chinesas controlam 28,25% da elétrica portuguesa. Assim, os chineses só têm de conseguir comprar o equivalente a 21,75% do capital da EDP para passarem a deter metade da empresa e para que a operação seja concretizada.
Proxima Pergunta: Passando a controlar o capital, a China também controlará a gestão?
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Passando a controlar o capital, a China também controlará a gestão?
“Não serão considerados os votos emitidos por um acionista, em nome próprio ou como representante de outro, que excedam 25% da totalidade dos votos correspondentes ao capital social”. Este é o número 3 do Artigo 14.º dos Estatutos da EDP. Significa que os votos dos acionistas estão limitados a 25% da totalidade, independentemente do capital que detenham, uma regra que a China Three Gorges quer mudar.
No anúncio preliminar da oferta, a China Three Gorges faz depender o lançamento da OPA da “alteração dos estatutos da sociedade visada [a EDP], ainda que condicionada ao sucesso da oferta, de forma a remover qualquer limite à contagem de votos emitidos por um só acionista, quer em nome próprio, quer atuando em nome de outro acionista”.
Ou seja, quer passar a votar com a totalidade do capital que passar a deter com a OPA, conseguindo com isso fazer aprovar a administração que entender para a elétrica nacional, atualmente liderada por António Mexia.
Proxima Pergunta: Qual o objetivo da operação?
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Qual o objetivo da operação?
A China Three Gorges quer usar a EDP como veículo para a sua expansão internacional, tornando-se líder global no setor das energias renováveis. Europa, Américas e países lusófonos são os alvos e, para chegarem ao topo nestes mercados, os chineses admitem três possibilidades: a racionalização de portefólios de negócio combinados, o fortalecimento do perfil de crédito da EDP, através da redução do seu rácio de alavancagem, e a criação de valor adicional, através da poupança de custos.
Leia-se: para tornar a EDP numa empresa líder no setor das energias renováveis, o grupo chinês pretende cortar custos e reduzir a dívida da elétrica portuguesa, que no final do primeiro trimestre deste ano ascendia a 13,8 mil milhões de euros.
Proxima Pergunta: O que acontece à EDP Renováveis?
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O que acontece à EDP Renováveis?
Se a EDP muda de mãos, a EDP Renováveis também. A casa-mãe detém 82,6% da subsidiária de energias limpas, o que obriga a China Three Gorges a lançar uma OPA também sobre a EDP Renováveis. Isto porque, se a operação for bem-sucedida, o grupo chinês, enquanto dono da EDP, passa a ser dono também da Renováveis, e qualquer acionista é obrigado a lançar uma OPA quando a participação ultrapassa um terço do capital da empresa.
Mas, ao contrário do que acontecerá na empresa liderada por António Mexia, na Renováveis poderá não haver grandes mudanças. Se, no caso da EDP, o objetivo é usá-la como plataforma para a expansão internacional do grupo chinês, quanto à Renováveis, a intenção passa por “manter” a sua atividade e das suas subsidiárias. Por outras palavras: “não são esperadas quaisquer alterações substanciais relativamente ao negócio e às atividades da sociedade visada“.
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Porquê agora?
Num artigo publicado no mês passado, o ECO escrevia que a convivência entre o acionista chinês e António Mexia tem sido conturbada, tendo até atingido um ponto de quase rutura quando a Gas Natural ensaiou uma operação de take over hostil, contra a vontade dos chineses, mas com o apoio de Mexia. António Costa vetou esta operação e o próprio Presidente da República apoiou o Governo e o Estado chinês contra esta operação espanhola.
Para por fim a rumores, a China Three Gorges acabou por emitir um comunicado no qual garantia estar “satisfeita” com a gestão da EDP.
Mas o desconforto no seio da administração ter-se-á mantido e a China Three Gorges acabou por ficar a braços com duas opções: ou apoiava a lista única que se apresentou nas últimas eleições para o conselho de administração da EDP, ou apresentava uma lista alternativa, o que abriria um confronto e uma contagem de votos entre acionistas, de consequências imprevisíveis. Para evitar conflitos, optou pelo primeiro caminho.
Pelo meio, há ainda que contar com a investigação aos chamados CMEC, que já levou António Mexia a ser constituído arguido.
É neste contexto que os chineses avançam com uma OPA para assumirem o controlo sobre a EDP.
Tudo apontava para que uma OPA demorasse mais tempo a ser lançada, até porque os chineses procuravam conquistar novos aliados neste conflito dentro da empresa, mas a iminência de outras possíveis ofertas à EDP levou a China Three Gorges a antecipar-se. Para além da Gas Natural, os responsáveis da francesa Engie e os da alemã E.On também terão avaliado uma possível compra da elétrica portuguesa, ainda que todos esses contactos, oficialmente, sejam negados.
Proxima Pergunta: Quem se opõe?
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Quem se opõe?
Da parte do Governo português, a posição já é clara: “O Governo não tem nada a opor“, garantiu já António Costa. O primeiro-ministro diz até que “os investidores chineses têm sido bons investidores em Portugal” e remete a decisão para os acionistas da empresa.
A oposição deverá ser interna, com a maior contestação a vir de António Mexia, o presidente executivo da EDP, pelas razões já explicadas na questão anterior.
Também os restantes acionistas, grandes ou pequenos, poderão opor-se à operação, sobretudo tendo em conta o preço, que poderá ser considerado baixo.
Proxima Pergunta: De quem depende a operação?
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De quem depende a operação?
Esta é uma lista extensa. A internacionalização da EDP, sobretudo a da EDP Renováveis, obriga a China Three Gorges a obter o aval de nove países, mais a aprovação da União Europeia. E, em cada um destes países, há mais do que uma autoridade que terá de aprovar a operação. São eles:
- China: necessita da aprovação por parte do Estado chinês;
- Portugal: é necessária a não oposição do Governo português — algo que António Costa já confirmou informalmente –; a dispensa por parte da CMVM de “lançar uma oferta pública de aquisição subsequente”; e a luz verde da Autoridade da Concorrência;
- Espanha: autorização da Autoridade Portuária de Gijón e da Autoridade Portuária de Avilés;
- França: documento escrito do ministro da Economia e das Finanças, confirmando que a oferta não está sujeita a aprovação de acordo com os regulamentos de investimento estrangeiro francês;
- Polónia: Departamento de Regulação Energética;
- Roménia: Conselho Supremo de Defesa Nacional;
- Brasil: Conselho Administrativo da Defesa Econômica do Brasil e Agência Nacional de Energia Elétrica Brasileira
- Estados Unidos: Comissão de Investimento Estrangeiro; Comissão Federal Reguladora de Energia;
- Canadá: Divisão de Análise de Investimentos do Canadá; Departamento de Concorrência Federal do Canadá; e Operador do Sistema Elétrico Independente Canadiano;
- União Europeia: Comissão Europeia.
Se obtiver o aval de todas estas entidades, a China Three Gorges tem pela frente oito acionistas qualificados da EDP.
- A Capital Group Companies, que é descrito pela EDP como “um consultor de investimentos sediado nos Estados Unidos da América, que administra fundos de investimento mútuo”. Direta e indiretamente, esta empresa controla pelo menos 12% da EDP;
- A terceira maior acionista da EDP é a Oppidum Capital. Detém 7,19% dos direitos de voto da empresa portuguesa, imputáveis ao empresário Fernando Masaveu Herrero, um dos homens mais ricos de Espanha;
- A BlackRock é a quarta maior acionista da EDP. Controla, direta e indiretamente, 5% da energética portuguesa, através de empresas com sede no Reino Unido, Luxemburgo, Holanda, entre muitas outras;
- O Governo de Abu Dhabi, através da empresa Mubadala Investment, controla 4,06% da EDP, o que faz dele o quinto maior acionista da EDP;
- O Fundo Soberano da Noruega, o Norges Bank, controla 2,75% da empresa de António Mexia e é o sexto maior acionista;
- O grupo BCP — sobretudo o fundo de pensões do banco português — controla 2,44% da energética portuguesa;
- Ainda no patamar dos 2% está a posição de 2,38% da Sonatrach (a “maior empresa de extração de petróleo e gás de África”, detida pelo Governo da Argélia);
- E a Qatar Investment Authority, com 2,27%.
Proxima Pergunta: Quais os próximos passos?
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Quais os próximos passos?
Para já, o que foi entregue à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) é um anúncio preliminar de lançamento de OPA. A China Three Gorges tem agora até ao final de maio para fazer o pedido de registo desta OPA junto da CMVM, segundo a lei. Depois desse momento, a CMVM terá oito dias para conceder ou recusar o pedido, podendo o prazo ser prorrogado caso haja pedidos de informação complementares, o que muitas vezes acontece. Já a EDP tem um prazo de oito dias após receber o projeto de prospeto para divulgar um documento sobre “a oportunidade e as condições da oferta”. A lei determina que o prazo da oferta pode variar entre as duas e as dez semanas.