Portugal pode perder fundos europeus? Saiba como funciona a regra da guilhotina
- Mónica Silvares
- 26 Setembro 2017
O orçamento de cada ano tem de ser gasto nos três anos seguintes. A Portugal faltam executar 132 milhões até ao final de 2017, para não ter de devolver um euro a Bruxelas. É o segundo melhor na UE.
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Como funciona a regra da guilhotina?
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Como se calcula o valor a executar?
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Isto significa que Portugal tem uma folga?
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Mas o Governo disse que faltava executar 132 milhões. Falta?
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Quem é que está atrasado?
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Há razões para alarme e temer que Portugal venha a devolver verbas as Bruxelas?
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E como é a situação nos restantes Estados-membros?
Portugal pode perder fundos europeus? Saiba como funciona a regra da guilhotina
- Mónica Silvares
- 26 Setembro 2017
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Como funciona a regra da guilhotina?
De acordo com as regras comunitárias, os países têm de gastar o correspondente ao orçamento de cada ano nos três anos seguintes. Se não o fizerem, o montante remanescente tem de ser devolvido a Bruxelas. Esta determinação é referente ao atual quadro comunitário de apoio — o Portugal 2020 — porque durante o QREN os Estados-membros eram obrigados a executar as verbas dois anos anos depois.
Ou seja, em cada programa operacional é necessário dividir a dotação por sete (correspondente ao número de anos do quadro) e é esse o valor que é necessário executar três anos depois. É a chamada regra do N+3, ou da guilhotina. Portugal nunca teve de devolver dinheiro a Bruxelas a não ser ao nível das pescas e da agricultura.
Esta regra existe desde sempre, embora, no caso do QREN tenha sido aberta uma exceção no primeiro ano da sua aplicação devido à crise financeira. Ou seja, o orçamento de 2007 tinha de ser executado até 2010, em plena crise financeira e das dívidas soberanos, por isso a Comissão Europeia decidiu não aplicar a regra e distribuir o dinheiro desse ano pelos seis anos seguintes, o que tornou, naturalmente a execução mais exigente.
Proxima Pergunta: Como se calcula o valor a executar?
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Como se calcula o valor a executar?
O primeiro passo é, em cada programa operacional, dividir a dotação por sete (correspondente ao número de anos do quadro). Ao montante apurado é necessário retirar o valor correspondente à reserva de desempenho, mas também os pré-financiamentos atribuídos por Bruxelas a cada Estado-membro.
A reserva de desempenho corresponde a 6% do valor de cada programa operacional (no QREN eram 5%) e tem por objetivo premiar aqueles que têm melhor desempenho. O dinheiro do programa operacional é retido até ao final de 2018 altura em que são feitas as contas e, a partir do ano seguinte, é distribuído pelos promotores com melhor desempenho em termos de execução. Este é um ato de gestão interna e que não implica qualquer risco de devolução de dinheiro para Bruxelas.
Por outro lado, os pré-financiamentos são as verbas que Bruxelas adianta a cada Estado-membro para ajudar a executar os fundos comunitários. É por isso que estes montantes são contabilizados no cálculo para aplicar a regra da guilhotina, porque na lógica de Bruxelas as verbas são contabilizadas como realizado.
Assim, por exemplo, no caso do Portugal 2020, os 21 mil milhões (excluindo as verbas da agricultura e das pescas) divididos pelos sete anos, fazem com que anualmente seja necessário executar 2,95 mil milhões de euros. Mas a este montante é necessário subtrair os 6% da reserva de desempenho — o valor baixa para 2,78 mil milhões de euros — e ainda os adiantamentos da Comissão. O valor a executar até ao final deste ano é, assim, de 1,71 mil milhões de euros. Ou seja, é necessário apresentar a Bruxelas pedidos de pagamento neste valor. De acordo com os dados fornecidos pelo executivo, até ao final de agosto já tinham sido apresentados pedidos de reembolso, contra a apresentação de faturas, já certificadas pelos serviços no montante de 2,36 mil milhões de euros.
Proxima Pergunta: Isto significa que Portugal tem uma folga?
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Isto significa que Portugal tem uma folga?
Sim, a nível global. Ou seja, Portugal está 1,43 mil milhões de euros acima da meta mínima de execução do Portugal 2020.
Proxima Pergunta: Mas o Governo disse que faltava executar 132 milhões. Falta?
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Mas o Governo disse que faltava executar 132 milhões. Falta?
Sim falta, porque a regra da guilhotina não se aplica apenas do ponto de vista geral. O raciocínio do N+3 tem de ser aplicado a cada um dos programas operacionais individualmente e dentro destes a cada um dos fundos que os financiam.
Por exemplo, o Compete, o programa operacional das empresas, é financiado em grande medida pelo Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (Feder), mas também tem um pouco de Fundo Social Europeu (FSE), para pagar as ações de formação, etc, e o Fundo de Coesão para pagar ferrovias e outros projetos. Em cada uma destas três gavetas é necessário fazer o exercício já apresentado e garantir que a execução está em dia.
Ou seja, faltam executar 132 milhões de euros, para cumprir a meta mínima e não devolver sequer um euro.
Proxima Pergunta: Quem é que está atrasado?
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Quem é que está atrasado?
De acordo com os dados fornecidos pelo próprio Executivo, o programa operacional que está mais atrasado em termos de execução é mesmo o Compete, a quem falta executar 45,66 milhões de euros, seguido do Programa Operacional Regional do Norte, a quem falta apresentar a Bruxelas 27 milhões de euros em faturas. Em terceiro lugar surge o Programa Operacional Sustentabilidade e Eficiência no Uso dos Recursos (POSEUR) a que falta executar 18,79 milhões de euros. Valores que têm de ser conseguidos até ao final de dezembro.
Na tabela em baixo, a sétima coluna, que apresenta os valores negativos, é aquela que apresenta os montantes que ainda é necessário executar.
Proxima Pergunta: Há razões para alarme e temer que Portugal venha a devolver verbas as Bruxelas?
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Há razões para alarme e temer que Portugal venha a devolver verbas as Bruxelas?
A ameaça existe. Caso contrário o Governo não teria feito, após as férias de verão, uma reunião com todos os gestores de programas operacionais na qual o tema foi abordado, nem teria depois chamado individualmente os gestores dos programas operacionais mais problemáticos.
Contudo, os Pedidos de Pagamento Intercalares (PPI) que existem no pipeline dão alguma tranquilidade ao Executivo. Isto é os pedidos que já foram enviados para Bruxelas, mas que ainda não tiveram resposta.
Para se perceber o ciclo do dinheiro, os beneficiários realizam o investimento, depois têm de pagar aos seus fornecedores, organizar um dossiê com os pagamentos que é entregue à respetiva autoridade de gestão (IAPMEI, CCDR, Aicp, etc) que posteriormente levam três a quatro meses para validar a despesa, pagar ao beneficiário e enviar a documentação para a Agência da coesão que faz o processo de certificação final das faturas, prepara o Pedidos de Pagamento Intercalar e envia-o para Bruxelas. O Executivo garante ter neste circuito quatro a cinco vezes o valor necessário para cobrir os 132 milhões de euros que falta executar.
Proxima Pergunta: E como é a situação nos restantes Estados-membros?
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E como é a situação nos restantes Estados-membros?
Em termos absolutos só a Polónia tem um nível de execução dos fundos comunitários superior ao nacional. Mas o seu envelope financeiro também é quatro vezes o Portugal 2020, já que ronda os 80 mil milhões de euros.