Taxa sobre lucros extraordinários das energéticas fósseis dita carga fiscal acima de 50%
- Ana Batalha Oliveira
- 28 Outubro 2022
A taxa sobre os lucros extraordinários que foi acordada a nível europeu deverá ditar que as empresas portuguesas abrangidas – à partida, a Galp – terão uma carga fiscal acima de 50% em 2022.
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O que é o windfall tax ou a contribuição de solidariedade?
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A que empresas se aplica a contribuição de solidariedade?
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Que lucros vão ser taxados e são considerados “extraordinários”?
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Que receitas se esperam obter com a aplicação desta taxa?
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Para que fins vai ser usada a receita?
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Como se conjuga esta contribuição com as já existentes em Portugal?
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Qual a carga fiscal que vai incidir sobre as empresas afetadas?
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Como veem as petrolíferas esta taxa?
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Há questões de constitucionalidade?
Taxa sobre lucros extraordinários das energéticas fósseis dita carga fiscal acima de 50%
- Ana Batalha Oliveira
- 28 Outubro 2022
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O que é o windfall tax ou a contribuição de solidariedade?
O “windfall tax”, expressão que pode ser traduzida como taxa sobre os lucros extraordinários, inesperados ou “caídos do céu”, tem sido uma das designações dadas a uma nova taxa que a Comissão Europeia propôs que fosse criada, e que foi aprovada em Conselho Europeu, pelo que agora deverá ser desenhada e aplicada em cada Estado-membro até 31 de dezembro de 2022. A Comissão designa-a como “contribuição de solidariedade”, entendendo que esta incide sobre lucros que “não correspondem aos lucros habituais” das visadas, neste caso, empresas do setor fóssil, tal como explicado nas questões seguintes.
Proxima Pergunta: A que empresas se aplica a contribuição de solidariedade?
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A que empresas se aplica a contribuição de solidariedade?
No regulamento, lê-se que a taxa é aplicável às empresas e aos estabelecimentos permanentes da União, (…) com atividades nos setores do petróleo bruto, do gás natural, do carvão e da refinação, mas apenas aquelas “que gerem, pelo menos, 75 % do seu volume de negócios resultante de atividades económicas no domínio da extração, exploração mineira, refinação de petróleo ou fabrico de produtos de coqueria”.
Neste sentido, fontes do setor apontam que, em Portugal, a taxa deve aplicar-se apenas à Galp. Também a Associação Portuguesa de Empresas Petrolíferas (Apetro) diz ao ECO/Capital Verde que espera que esta seja a única empresa, a nível nacional, a ser contemplada com a nova taxa. Questionado, o ministério das Finanças não esclareceu.
Proxima Pergunta: Que lucros vão ser taxados e são considerados “extraordinários”?
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Que lucros vão ser taxados e são considerados “extraordinários”?
A contribuição incide sobre os lucros tributáveis gerados nos anos 2022 e/ou 2023 e que sejam considerados extraordinários. A Comissão define como extraordinários os lucros que se situem 20% acima da média de lucros obtidos no conjunto dos últimos quatro anos, isto é, entre 2018 e 2021.
Assim, o texto final difere da proposta inicial da Comissão, que considerava apenas os últimos três anos como base de comparação. Na altura, as petrolíferas consideraram uma comparação injusta, já que este período incluía “dois anos atípicos” por ocasião da pandemia, e em 2020 as petrolíferas viveram quebras “dramáticas”, defendeu a Associação Portuguesa de Empresas Petrolíferas (Apetro).
Perante o Parlamento português, esta quarta-feira, o primeiro-ministro António Costa adiantou que “é para aplicar aos lucros de 2022, e não aos lucros de 2023″ a proposta de lei que será apresentada para a tributação de lucros não esperados.
Proxima Pergunta: Que receitas se esperam obter com a aplicação desta taxa?
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Que receitas se esperam obter com a aplicação desta taxa?
A Comissão Europeia prevê que a taxa angarie um total de 25 mil milhões de euros a nível europeu.
Proxima Pergunta: Para que fins vai ser usada a receita?
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Para que fins vai ser usada a receita?
No regulamento, a Comissão Europeia fala de cinco possíveis destinos para as receitas obtidas com a contribuição solidária, com a ressalva de que “a aplicação da contribuição de solidariedade a todo o exercício fiscal deverá permitir utilizar os lucros excedentários durante o período em causa”, ou seja, os anos de 2022 e 2023.
Em primeiro lugar, para ajudar os clientes finais de energia, em particular as famílias vulneráveis, a lidar com os atuais preços da energia, considerados “elevados”. Em segundo lugar, estas receitas podem financiar medidas de apoio para ajudar a reduzir o consumo de energia, por exemplo, promovendo o investimento de consumidores finais em energias renováveis, ou reduzindo o custo de aquisição de energia para determinados consumos.
Mais dirigida às empresas está a terceira opção, de apoiar firmas que usem intensivamente energia, “desde que estejam subordinadas a investimentos em energias renováveis, eficiência energética ou outras tecnologias de descarbonização”.
Na quarta alínea, abre-se a porta a apoiar medidas “para desenvolver a autonomia energética”, “nomeadamente projetos com uma dimensão transfronteiras”. De acordo com Filipe de Vasconcelos Fernandes, consultor sénior na sociedade de advogados Vieira de Almeida e especialista em fiscalidade da energia, a referência a projetos transfronteiras não se coaduna, à partida, com o novo projeto de gasoduto que liga a Península Ibérica a França, o “corredor verde”, cujo financiamento está por definir, mas deverá passar por fundos europeus. Isto porque o período de construção do gasoduto à partida não encaixa no período em que vigora esta contribuição, e dentro do qual devem ser dispendidas as receitas angariadas.
Por último, propõe-se que “num espírito de solidariedade entre Estados-Membros, estes podem afetar uma parte das receitas da contribuição de solidariedade temporária ao financiamento comum de medidas destinadas a reduzir os efeitos prejudiciais da crise energética”, considerando por exemplo apoios ao emprego e requalificação de trabalhadores à luz da economia verde, ou novamente investimentos em eficiência energética, energias renováveis ou projetos transfronteiras.
Proxima Pergunta: Como se conjuga esta contribuição com as já existentes em Portugal?
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Como se conjuga esta contribuição com as já existentes em Portugal?
O regulamento europeu diz que “esta contribuição deverá ser aplicada paralelamente aos impostos normais sobre as sociedades cobrados por cada Estado-membro às empresas em causa”, “exceto se tiverem adotado medidas nacionais equivalentes”. “Equivalentes” significa neste caso que os fins a que se destinam as medidas nacionais, as regras que as regem e o respetivo destinatário deverão ser semelhantes àqueles previstos para a contribuição solidária.
Em Portugal, as petrolíferas estão sujeitas ao Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), que tem uma taxa máxima de 21%, a qual passa a um máximo de 31,5% se incluídas a derrama estadual e a derrama municipal, o que é aplicável a empresas que tenham um lucro tributável superior a 35 milhões de euros. Existe ainda a Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético (CESE), criada como uma contribuição temporária em 2014 e que tem vindo a ser prorrogada desde então. A taxa geral da CESE é de 0,85%, e incide sobre certos ativos detidos pelas entidades sujeitas à mesma, e não sobre a sua faturação ou lucro, mas pode ser inferior (mínimo 0,285%) ou superior (máximo 1,77%).
Nenhuma das taxas que já existem em Portugal será equivalente à contribuição solidária, entendem Mafalda Alfaiate, consultora na Miranda e Associados, e Filipe de Vasconcelos Fernandes.
A CESE “é devida independentemente de haver lucros excedentários”, pelo que, na opinião de Mafalda Alfaiate, será difícil sustentar que seja equivalente à contribuição solidária tanto nos objetivos como na receita gerada. “A ‘contribuição de solidariedade temporária’ será possivelmente adicional à CESE”, afirma. O impedimento está não só no desenho da medida, que incide sobre os ativos em vez de sobre os lucros, mas também no facto de já estar prevista no Orçamento do Estado de 2023 nos mesmos moldes que em anos anteriores, sublinha Filipe de Vasconcelos Fernandes.
Já no que diz respeito à derrama estadual, esta incide sobre a parte dos lucros tributáveis das empresas que ultrapassa os 1,5 milhões de euros, e não sobre os lucros excedentários que resultam de circunstâncias imprevistas, indica a consultora da Miranda e Associados. Desta forma, mais uma vez, “o preenchimento do requisito de equivalência nos seus objetivos pode ser de difícil sustentação”, defende.
Proxima Pergunta: Qual a carga fiscal que vai incidir sobre as empresas afetadas?
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Qual a carga fiscal que vai incidir sobre as empresas afetadas?
A contribuição solidária deve ascender a uma taxa de, pelo menos, 33%, a ser aplicada sobre os considerados lucros extraordinários.
“Seguramente que uma empresa que pague IRC, CESE e esta contribuição vai ter uma taxa efetiva sobre lucros claramente superior a 50%”, estima Filipe de Vasconcelos Fernandes. No entanto, explica Mafalda Alfaiate, a taxa de tributação efetiva que as empresas contempladas vão acarretar só poderá ser calculada com precisão pelas próprias.
Uma questão relevante para medir os encargos para as empresas é se a contribuição de solidariedade temporária poderá ser um custo dedutível em IRC – a CESE, por exemplo, não o é, aponta Vasconcelos Fernandes. Se for, os ‘lucros excedentários’ reduzirão em conformidade, ajustando a base de cálculo da contribuição, dado que a métrica refere aos lucros tributáveis, elabora Mafalda Alfaiate.
De acordo com as previsões de Pedro Alves, analista do Caixabank BPI Equity Research, a taxa sobre lucros excessivos poderá ter um impacto entre 220 milhões e 330 milhões de euros sobre os lucros da Galp, consoante a taxa de imposto aplicada seja de 33%, o mínimo imposto no regulamento europeu, ou 50%.
Proxima Pergunta: Como veem as petrolíferas esta taxa?
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Como veem as petrolíferas esta taxa?
Numa primeira reação, quando uma taxa sobre as energéticas já tinha sido implementada em Espanha mas em Portugal e na Comissão Europeia ainda não existiam planos concretos, as petrolíferas contestaram essa hipótese, com base em essencialmente três argumentos: o risco de minar a confiança dos investidores no setor, a necessidade de as petrolíferas terem margem para investir na transformação do seu negócio em consonância com a transição energética, e, finalmente, argumentaram que durante a pandemia, quando registaram “avultados prejuízos”, estas empresas “não solicitaram quaisquer ajudas”.
Mais tarde, quando o Governo português começou a assumir a possibilidade de avançar com uma nova taxa sobre as energéticas, o secretário-geral da Associação Portuguesa de Empresas Petrolíferas (Apetro), António Comprido, afirmou que as empresas do setor entendem a “bondade social” da solução de criar uma taxa que incida sobre os lucros extraordinários das petrolíferas, “desde que não seja posta em causa a competitividade das empresas”.
Proxima Pergunta: Há questões de constitucionalidade?
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Há questões de constitucionalidade?
Ainda pouco ou nada se sabia sobre esta taxa e vários advogados identificavam possíveis problemas de constitucionalidade ligados a uma nova contribuição. Agora que o texto está completo e lançado, os dois especialistas ouvidos pelo ECO/Capital Verde apontam que, uma vez que estamos perante um Regulamento da União Europeia, não há dúvida que este é diretamente aplicável em Portugal. “Hoje em dia quase todo o catálogo de direitos fundamentais está protegido pelo direito da União Europeia. Mas naturalmente que pode ser contestado, como qualquer tributo. Questão distinta será o sucesso da causa”, avalia Mafalda Alfaiate.
Filipe de Vasconcelos Fernandes aponta, ainda assim alguns “aspetos de duvidosa conformidade constitucional”. Primeiro, o facto de a medida ser aprovada já no último trimestre de 2022 mas aplicar-se ao ano inteiro. Em segundo lugar, questiona o critério que define o que são lucros excessivos, que considera “claramente enviesado” pois “era impossível tecnicamente com este critério não existirem lucros excessivos”, e não consta da lei nem de qualquer regra de mercado, diz.
“Várias contribuições nacionais já levantaram problemas de constitucionalidade” mas o Tribunal Constitucional “tem sustentado a constitucionalidade de tais contribuições devido a vários motivos, entre eles, o seu caráter extraordinário”, uma característica da contribuição de solidariedade, observa, por fim, Mafalda Alfaiate.