UE vai lançar Gigafábricas de IA. Portugal entra na corrida?

- Flávio Nunes
- 12 Abril 2025
A Comissão está a desenhar subsídios para a construção de cinco Gigafábricas de inteligência artificial (IA) por privados. As localizações estão em aberto e Portugal pode ser destino.
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O que são Gigafábricas de IA?
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Como será financiada a sua construção?
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Quanto investimento vai ser necessário?
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Quem irá decidir as localizações?
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Portugal pode atrair uma Gigafábrica de IA?
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Qual a ligação com as Fábricas de IA?
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Há mais medidas para atrair 'data centers'?
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A IA vai acelerar na União Europeia?
UE vai lançar Gigafábricas de IA. Portugal entra na corrida?

- Flávio Nunes
- 12 Abril 2025
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O que são Gigafábricas de IA?
Bruxelas ambiciona que sejam construídos cinco grandes data centers para IA na Europa com o apoio de fundos europeusPixabay As Gigafábricas de IA são o nome escolhido pela Comissão Europeia para um projeto que visa construir na Europa até cinco grandes data centers para desenvolvimento e treino de novos modelos de inteligência artificial (IA).
A intenção da Comissão é que estes grandes data centers estejam equipados com mais de 100 mil “processadores avançados” de IA, o que exigirá uma grande capacidade energética, sem esquecer a eficiência e a sustentabilidade.
Resumidamente, serão como grandes ‘fábricas’ europeias de IA, desenvolvidas por consórcios privados com apoios públicos e perfeitamente alinhadas com a visão estratégica da Comissão Europeia para a IA.
Esta medida insere-se no esforço do bloco europeu para estar na dianteira da IA, tecnologia que é vista em Bruxelas como crítica para a competitividade da economia. Faz também parte de um dos pilares do Plano de Ação Continente IA, que foi publicado pela Comissão Europeia esta semana.
É importante não confundir as Gigafábricas de IA com as Fábricas de IA, outro projeto que a União Europeia tem em curso, e no qual Portugal participa enquanto membro de um consórcio que é liderado por Espanha. Explicaremos melhor a diferença mais adiante.
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Como será financiada a sua construção?
As Gigafábricas de IA serão desenvolvidas num regime de parceria público-privada, o que significa que parte do dinheiro virá de fundos públicos e outra parte ficará a cargo de consórcios compostos por empresas e outras instituições privadas.
No Plano de Ação Continente IA, apresentado esta semana, a Comissão Europeia não esconde que a ideia de construir estas Gigafábricas é bastante ambiciosa: “Estima-se que o estabelecimento de uma única Gigafábrica de IA requeira investimentos significativos, considerando quer as despesas de capital, quer as despesas operacionais.”
Assim, “tendo em conta a magnitude do investimento necessário, estas Gigafábricas de IA serão implementadas através de parcerias público-privadas e mecanismos inovadores de financiamento” público, acrescenta o documento.
Para tal, está já previsto o envolvimento do Banco Europeu de Investimento (BEI), que irá, em “colaboração” com a Comissão, “agregar investimento privado em combinação com subsídios e garantias atribuídas pelo orçamento da União e pelos Estados-membros”.
“Por exemplo, no enquadramento de uma destas parcerias público-privadas, a União Europeia e os Estados-membros contribuiriam com subsídios diretos, em linha com as regras aplicáveis das ajudas de Estado, enquanto os proponentes privados seriam responsáveis por financiar a restante quantia”, exemplifica o plano de ação.
Bruxelas acredita que esta estratégia também poderá atrair a participação de fundos de investimento e grandes empresas de consultoria financeira.
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Quanto investimento vai ser necessário?
As cinco Gigafábricas de IA que a Comissão Europeia pretende tornar realidade nos próximos anos poderão representar um investimento em torno dos 20 mil milhões de euros, de acordo com a instituição.
Esse é o valor que está previsto no programa InvestAI, que foi anunciado em fevereiro pela presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, durante a grande cimeira dedicada à IA que decorreu em Paris.
O montante será depois repartido entre investimento público e privado numa proporção que ainda não está definida.
O programa InvestAI prevê, no seu conjunto, a mobilização de 200 mil milhões de euros de investimento em IA nos próximos anos, mas, deste montante, apenas 50 mil milhões de euros correspondem a investimento proveniente de fundos europeus.
Os restantes 150 mil milhões dizem respeito à EU Champions AI Initiative, um compromisso privado anunciado na mesma altura por mais de 60 empresas europeias — entre as quais a portuguesa Sword, startup que é considerada um dos “unicórnios” nacionais por ter alcançado uma avaliação superior a mil milhões de dólares.
Entre os investidores que contribuem para esse montante estão fundos como Balderton, Blackstone, CVC, DST Global, EQT, General Catalyst, Insight, KKR, Lightspeed e Warburg Pincus.
No entanto, o prometido investimento está condicionado à Europa “conseguir criar um enquadramento transparente e direcionado e promotor da competitividade” que torne “viáveis as oportunidades de investimento”, alertou, desde logo, a própria iniciativa.
Importa notar que os 20 mil milhões de euros anunciados por Bruxelas correspondem, por alto, a quatro mil milhões de euros por cada uma destas Gigafábricas.
Apesar de ser um montante avultado, está longe de ser inédito neste tipo de projetos: para comparação, o data center que a Start Campus está a erguer em Sines, com 1,2 GW (gigawatts) de capacidade, representa um investimento direto de 8,5 mil milhões de euros de dois fundos de investimento estrangeiros.
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Quem irá decidir as localizações?
Numa primeira fase, o EuroHPC, o organismo europeu que coordena os esforços na área da supercomputação, vai consultar o mercado para aferir o interesse de potenciais consórcios e investidores, a título não vinculativo.
Esse processo já está em curso e irá decorrer até 20 de junho. Os consórcios interessados terão de preparar uma espécie de plano de negócios detalhado que responda a múltiplas questões, incluindo uma proposta de localização e a respetiva justificação.
O documento a submeter ao EuroHPC terá ainda de incluir um sumário do projeto, requisitos de energia, mecanismos de governação, o orçamento previsto, necessidades ao nível dos recursos humanos e perspetivas futuras de mercado, bem como uma análise a potenciais clientes-alvo, seguindo as linhas orientadoras já disponibilizadas.
Na fase seguinte, a Comissão Europeia irá discutir com os interessados de forma mais detalhada, enquanto fecha o mecanismo de financiamento público e clarifica todas as considerações necessárias ao nível das regras das ajudas de Estado, assegurando os recursos financeiros necessários “para apoiar uma ou mais Gigafábricas de IA”.
O calendário atual prevê o lançamento da call oficial para a instalação de Gigafábricas de IA no quarto trimestre de 2025 pelo EuroHPC. Nessa altura deverão ser dados mais detalhes sobre os passos seguintes.
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Portugal pode atrair uma Gigafábrica de IA?
Sim. Portugal é membro do EuroHPC e, como tal, é um possível candidato a receber uma Gigafábrica de IA. Tal representaria um investimento muito importante para posicionar o país no mapa internacional da IA.
Ademais, Portugal tem sido apontado na indústria como uma localização de excelência para novos data centers, graças a fatores como o acesso a energia renovável barata, a proximidade com o mar e com a rede de cabos submarinos e a baixa prevalência de fenómenos climáticos extremos.
Além disso, o treino de modelos de IA exige uma elevada capacidade energética, que começa a escassear em alguns dos maiores mercados europeus para data centers. A associação portuguesa do setor, a PortugalDC, já sinalizou que o país é uma das principais localizações alternativas para a instalação de centros de dados na Europa.
Essa informação é reforçada pelo crescente interesse de investidores internacionais no mercado nacional, conforme noticiou o ECO em março.
Contudo, Portugal enfrenta uma desvantagem em relação a outros países, incluindo a própria Espanha, pelo facto de ter sido alvo de restrições à compra de processadores de IA pelos EUA.
Em causa está o facto de, no início do ano, a anterior Administração liderada pelo Presidente Joe Biden não ter incluído o país numa lista de 18 “aliados e parceiros-chave” que não terão nenhuma restrição à compra deste tipo de componentes, incluindo os processadores mais avançados da marca Nvidia, uma decisão que surpreendeu a própria Comissão.
Em fevereiro, vários especialistas alertaram no ECO que a decisão dos EUA, que limita as compras de chips para IA em Portugal a 50 mil no espaço de dois anos, poderia causar um dano reputacional a Portugal, apesar de o mercado português estar longe de importar essas quantidades de chips.
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Qual a ligação com as Fábricas de IA?
Apesar de terem nomes parecidos, as Gigafábricas de IA e as Fábricas de IA não são a mesma coisa.
Enquanto as primeiras representam futuros data centers que serão criados na União Europeia por entidades privadas com recurso a financiamento público europeu, as Fábricas de IA são um projeto da Comissão que gira à volta da atual rede europeia de supercomputadores.
Existem atualmente 13 Fábricas de IA em desenvolvimento na União Europeia até ao final de 2025 e está em curso uma terceira call para aumentar este número, num investimento que deverá ascender a dez mil milhões de euros entre 2021 e 2027.
Portugal faz parte de um desses projetos enquanto membro de um consórcio liderado por Espanha, no qual participam também a Roménia e a Turquia. A Fábrica de IA em que o país participa pretende desenvolver novas capacidades de IA no supercomputador MareNostrum 5, localizado em Barcelona.
Esta infraestrutura “será melhorada para incorporar as últimas arquiteturas computacionais orientadas para IA, especialmente desenhadas” para o treino e inferência de grandes modelos de linguagem natural (mais conhecidos pela sigla LLM), de acordo com a Comissão.
Apesar de serem coisas diferentes, o Plano de Ação Continente IA da União Europeia prevê uma forte proximidade entre as Gigafábricas e as Fábricas de IA, “assegurando uma integração fluida e a partilha de conhecimento em todo o ecossistema europeu de IA”.
As Gigafábricas de IA pretendem, assim, ir além das Fábricas de IA já em desenvolvimento, podendo superar os 100 mil processadores de última geração, enquanto as segundas vão até aos 25 mil.
A necessidade de escalar estas ‘fábricas’ prende-se com o facto de, “ao longo dos últimos dois anos”, os modelos de IA terem crescido significativamente em complexidade, “evoluindo do processamento de texto para a o raciocínio, capacidades multimodais e comportamento de agente”, explica a Comissão.
De acordo com Bruxelas, “esta tendência vai continuar” até se alcançar a chamada Inteligência Artificial Geral (AGI), o momento teórico em que estes modelos igualam as capacidades humanas.
Proxima Pergunta: Há mais medidas para atrair 'data centers'?
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Há mais medidas para atrair 'data centers'?
O plano apresentado esta semana não versa só sobre as Gigafábricas com apoios públicos. A Comissão Europeia pretende “triplicar a capacidade” de data centers na União Europeia ao longo dos próximos cinco a sete anos.
Para tal, abriu uma consulta pública com vista à preparação de um novo regulamento para o desenvolvimento da cloud e da IA na Europa. O procedimento fecha no dia 4 de junho.
Esta lei irá “criar as condições certas na União Europeia para incentivar grandes investimentos em cloud e capacidade edge“, promete Bruxelas. Atualmente, licenciar um data center chega a demorar 48 meses, admite a instituição.
Sem o reforço da capacidade de computação em data centers instalados no continente europeu, não será possível dar resposta às crescentes necessidades das empresas nesta área.
De acordo com o Plano de Ação Continente IA, a União Europeia “atualmente está atrás dos EUA e da China em termos de capacidade disponível em data centers, dependendo fortemente da infraestrutura instalada e controlada por outras regiões”.
Proxima Pergunta: A IA vai acelerar na União Europeia?
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A IA vai acelerar na União Europeia?
O Plano de Ação Continente IA tem várias outras medidas para colocar a União Europeia na dianteira da inteligência artificial (IA).
O plano assenta em cinco pilares, cada um deles com ideias concretas para executar nos próximos anos. As Gigagábricas e as Fábricas de IA inserem-se no primeiro pilar, dedicado ao aumento da “infraestrutura computacional”.
O segundo aspeto é o acesso a dados de qualidade, sem os quais não é possível desenvolver IA. Sobre este ponto, a Comissão propõe medidas para instaurar o que chama de União dos Dados.
Não interessa ter ferramentas de IA se estas não chegam às pessoas e às empresas. Ciente de que ainda são poucos os negócios na União Europeia que usam estas tecnologias — menos de 13,5%, segundo o Eurostat, com Portugal muito abaixo da média –, Bruxelas promete apresentar em breve a estratégia Aplicar IA, para acelerar a adoção de ferramentas de IA, incluindo por Pequenas e Médias Empresas (PME).
O quarto pilar foca-se no talento, prevendo medidas do ponto de vista da educação, da formação e da atração de mais mulheres para esta área, ainda muito dominada por homens.
O quinto pilar diz respeito à regulamentação, com a Comissão Europeia a admitir que é necessário “facilitar” a vida das empresas no cumprimento do novo regulamento europeu da IA.