Gigante alemão garante que vai continuar a investir a um ritmo anual de 100 milhões de euros e a aumentar o número de trabalhadores, não afastando a realização de novas aquisições em Portugal.

Depois de ter fechado o ano passado com um volume de vendas recorde, a Bosch Portugal, que emprega cerca de 6.800 pessoas e é o 5.º maior grupo exportador do país, prevê continuar a crescer em faturação e em número de postos de trabalho, afiança o CEO da multinacional no país, que não fecha a porta a aquisições no país.
Javier González Pareja reconhece que temas como as tarifas podem afetar o negócio e a confiança dos clientes, mas diz que as políticas comerciais mais restritivas de Washington podem abrir oportunidades para Portugal, com o país a passar a fornecer regiões onde antes não estava.
Com cerca de 6.800 trabalhadores em Portugal, o líder da atividade no país garante que, ao contrário do que está a acontecer com o grupo a nível global, o número de colaboradores “vai aumentar“, especialmente na área de software e na contratação de engenheiros. E o grupo prevê continuar a investir mais de 100 milhões de euros por ano em Portugal. Em Lisboa, onde já emprega 600 pessoas, a Bosch continua a crescer em serviços e colaboradores.
Com fábricas em Braga, Aveiro e alguns serviços em Ovar – o grosso do negócio foi vendido – e ainda um centro de serviços em Lisboa, o grupo alemão vai deixar de contabilizar este ano a atividade gerada em Ovar, levando à saída do “balanço” de 1.000 trabalhadores, cujos postos de trabalho passaram para a private equity Triton.
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A Bosch fechou o ano passado com uma faturação acima dos dois mil milhões de euros. A política comercial dos EUA vai ter impacto nas contas em 2025?
2024 foi o melhor ano em faturação da Bosch em Portugal. Atingimos mais de 2.400 milhões de euros, o que foi um crescimento de mais de 14%. O grupo Bosch, a nível global, manteve-se mais ou menos estagnado e Portugal conseguiu esses 2.400 milhões, que são já quase 0,9% do PIB português. No ano de 2025, a economia global tem alguns desafios e, claro, o tema das restrições no comércio vai ter impacto nos negócios também. Temos de diferenciar impacto para a Bosch em Portugal: 97% da nossa faturação é exportada. Quase 2% das exportações portuguesas vêm do grupo Bosch.
Exportamos para mais de 50 países, também para os Estados Unidos, mas a maior parte é dentro da Europa. Por isso, por um lado, poderá haver um impacto. Mas nós temos de ver o tema das possíveis repercussões das tarifas de um ponto de vista abrangente. É que também pode haver restrições de fluxos de mercadorias entre outros países. E aí é que a Bosch pode entrar a fornecer desde Portugal em fluxos em que anteriormente não estava.

Por exemplo, estamos a pensar em restrições entre a China e os Estados Unidos, exportações da China para o Japão, por exemplo. Isso pode tornar-se em exportações de outros países, por exemplo, de Portugal para o Japão, para a Coreia. Mas claro que qualquer restrição ao comércio mundial não é boa para ninguém e temos estabelecido um grupo de trabalho, uma task force, para poder avaliar o efeito, mas também as medidas que podemos tomar.
E já chegaram a alguma conclusão?
Sim. Por um lado, a Bosch tem quase 250 fábricas no mundo. Tentamos estar perto dos nossos clientes. Também temos produção nos Estados Unidos. Também fornecemos dos Estados Unidos para os Estados Unidos. Estamos à espera para ver o que vai acontecer [nas negociações entre os EUA e a Europa].
Também temos de ter atenção aos efeitos cambiais. O euro apreciou mais de 14% em relação ao dólar. A maior parte das exportações da Bosch em Portugal vão para a Europa. Então, temos de avaliar a nível global.
Se o grupo for afetado, as exportações de Portugal também o serão?
Claro, e também [temos de ver] qual é a reação dos nossos clientes. Mais de metade do negócio da Bosch está na área da mobilidade. Nós não gostamos do [termo] automóvel, porque é automóvel e camiões, mas também são bicicletas elétricas, motas, barcos, são todos os tipos de motor. Mas também depende de como vão ser os movimentos, se os nossos clientes vão mudar de um país para outro. No nosso tipo de negócio, na indústria, não é como um serviço que se possa de hoje para amanhã dizer ‘eu tenho uma fábrica aqui, levo daqui para lá’. O planeamento é uma coisa feita com muitos anos. Temos a esperança de que a situação das tarifas vá acalmar, o que não quer dizer que haja outras situações de tensão no mundo, que nós sabemos que, no final, acabam por impactar na confiança dos consumidores e também as vendas dos nossos produtos.

Portanto, o cenário central da Bosch Portugal neste momento aponta ainda para um crescimento em 2025?
Esperamos um crescimento, esperamos um crescimento mais moderado, mas a Bosch continua a apostar fortemente em Portugal. No ano passado investimos mais de 100 milhões de euros em Portugal. Este ano vai ser [um investimento] similar. Temos o centro de desenvolvimento e fábrica de Aveiro, que vai expandir a produção das bombas de calor. E continuamos a crescer lá.
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A fábrica de Braga, em serviços de mobilidade, está nessa transformação dos sistemas de infotainment, os displays para câmaras, para sensores, para radares, ou seja, para a condução autónoma. E continuamos a crescer. Claro que não podemos crescer 14% todos os anos, mas consideramos que vai continuar a ser positivo.
Mas talvez um crescimento de um dígito?
De um dígito, um dígito baixo.
Referiu que este ano vão investir mais 100 milhões de euros. Além dos 100 milhões que já tinham sido anunciados para a fábrica de Aveiro?
Claro, todos os anos. Se nós virmos os investimentos da Bosch nos últimos anos, podemos dizer que, num período de 5 a 6 anos, investimos 500 milhões de euros. Portugal, em relação ao tamanho da economia, aos 10 milhões da população, é um país muito importante para a Bosch. É um dos países mais relevantes na Europa Ocidental. E a Bosch tem uma vantagem importante em Portugal. Em todas as localizações temos não só fabrico, mas também desenvolvimento. A Bosch tem mais de 1.200 engenheiros e engenheiras de desenvolvimento a trabalhar em Portugal, daqui para o mundo. Então, o facto de o desenvolvimento estar perto da fábrica faz com que a competitividade dessa fábrica seja muito maior.
Em Lisboa, onde temos um centro onde está a nossa sede e também temos um centro de serviços partilhados, estamos a ter engenheiros a trabalhar em áreas como a inteligência artificial.
O centro de Lisboa tem crescido tanto em serviços como em trabalhadores?
Sim, já somos mais de 600 pessoas em Lisboa.
Espera continuar a ganhar novas competências?
Sim, em duas vertentes. Uma, serviços para fora do grupo na nossa área de negócios, e serviços dentro do grupo. Por exemplo, o Centro de Serviços Partilhados dos Recursos Humanos da Europa Ocidental está em Lisboa. E desde aí fazemos, entre outras coisas, a nossa Informática de Recursos Humanos, também fazemos os payrolls [folhas de pagamentos] para muitos países dentro da Bosch.
A gestão do talento é um dos fatores mais significativos no negócio. A relação com as universidades também. A Bosch tem uma ligação muito forte com universidades do Norte de Portugal, seja a Universidade do Minho, a Universidade de Aveiro, a Universidade do Porto, mas também queremos aproveitar o talento, por exemplo, do Instituto Superior Técnico, em Lisboa. É por isso que temos uma parte dos nossos engenheiros que trabalham, por exemplo, para projetos em Braga, que querem viver em Lisboa e trabalham desde Lisboa, em parte nos nossos escritórios, em parte em home office e, de vez em quando, vão a Braga. É muito importante desenvolvermos modelos flexíveis de trabalho para poder estar onde o talento está.
Vou dar um exemplo concreto. Imaginemos que temos uma pessoa nos Açores, na Madeira, um informático que quer trabalhar, mas dizemos que tem de vir a Lisboa, tem de ir a Braga para trabalhar. Não vai fazer isso porque provavelmente não vai mudar a sua vida. Mas se conseguimos arranjar um modelo onde possamos… Temos em Lisboa já quase 10% das pessoas a trabalhar remotamente para nós.
Claro que fazemos reuniões e é muito importante ter esse contacto pessoal, mas assim acedemos a um mercado de trabalho que não existe e também damos oportunidades a pessoas noutras regiões mais longínquas de Portugal para trabalharem connosco.
Essa flexibilidade é importante para reter talento?
Sim, é muito importante. Eu também usufruo do teletrabalho. Num ambiente internacional, hoje tive a primeira reunião às nove da manhã, e tive três reuniões. Dessas três, duas eram com pessoas que não estavam cá. Se estou no escritório, se estou na minha casa ou… é indiferente, mas temos de fomentar o intercâmbio entre as pessoas e esse contacto pessoal.
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Voltando à questão do investimento, já tinha sido anunciado um investimento de 100 milhões para a fábrica de Aveiro.
Sim, em vários anos.
Estes 100 milhões serão direcionados para que projetos?
Em Aveiro para as bombas de calor. Em Braga continuamos a inventar e a expandir nessa transformação da mobilidade. Em Lisboa também renovámos e ampliámos os escritórios, e aí fizemos investimentos em ativos. Outro aspeto importante são os nossos investimentos em investigação e desenvolvimento, que também são um valor importante, superior a 30 milhões de euros.
A Bosch é uma das empresas mais inovadoras da Europa. No ano passado registou 6.700 patentes. É uma das empresas europeias com maior número de patentes. Na área da inteligência artificial já temos mais de mil patentes, com o qual somos uma das empresas na Europa mais inovadoras.
Em que projetos é que estão a trabalhar na área da inteligência artificial?
Em muitos. Na área dos eletrodomésticos, já temos fornos que analisam o que está lá dentro e fazem até 80 propostas de cozinhar com o que lá está. Estamos a trabalhar para monitorizar, por exemplo para os pais, os meninos no berço, qual é a sua frequência cardíaca, será que ele está nervoso? Nas fábricas, por exemplo, o controle de qualidade. Como disse o nosso presidente Stefan Hartung, as máquinas não ficam cansadas. Nós, seres humanos, sim. Então, fazer, com a ajuda da inteligência artificial um controle de qualidade mais abrangente, que sejam as máquinas, que não só vejam a qualidade, mas prevejam quais podem ser os erros que estejam lá. Na área da manutenção, estamos na área do automóvel — e espero que toda a gente conheça os Bosch Service — quando um carro entra numa oficina, ajuda a ver que tipo de carro é, o modelo, o ano e quais são os problemas que este carro, com uma antiguidade de 8,5 anos, pode ter, analisando milhares e milhares de casos que lá estão.
A partir deste ano já não vão contar com a parte do negócio que foi vendido em Ovar. Qual será o impacto nos resultados?
Na unidade de Ovar, onde existem mais de mil pessoas, a Bosch decidiu vender a área de security systems, exceto os sistemas de detenção de incêndio, que ficam [no grupo] e continua a produzir. E depois Ovar também tem desenvolvimento para outras áreas da Bosch, como as bicicletas elétricas, as ferramentas elétricas. Essa parte fica na Bosch. A parte do centro de desenvolvimento e a produção.
Claro que não vamos, a curto prazo, poder compensar [os resultados gerados pelo negócio vendido na fábrica de Ovar]. A curto prazo, neste ano, com certeza que não. Mas Aveiro está a expandir, especialmente na área das bombas de calor e a médio prazo, sim, vamos poder compensar uma coisa com outra. O número de pessoas também.
A Bosch também fez uma aquisição na área da termotecnologia, na área do ar condicionado, comprou o negócio de ar condicionado da Hitachi Johnson Controls. É uma adquisição nova, onde também vamos a crescer. A tecnologia Bosch é muito forte na parte da água quente, da parte dos esquentadores, das caldeiras, das bombas de calor também. Na parte do ar condicionado não é ainda tanto e por isso compramos uma empresa que é um dos grandes líderes do ar condicionado no mundo.
Dentro da estratégia da Bosch, o grupo quer crescer a longo prazo 8% por ano. 5% é crescimento orgânico, mais 3% com empresas que sejam adquiridas. Não sei se amanhã a Bosch vai comprar uma empresa que, por acaso, já tem uma fábrica em Portugal. 3% quer dizer que a cada ano temos de comprar empresas com uma faturação de 2.000 a 2.200 milhões de euros a nível mundial.
E têm em vista algum negócio em Portugal, neste momento?
Poderia falar nisso, mas não vou falar. Porque não devo. Mas a Bosch tem uma empresa que é a Bosch Venture Capital, que é como um fundo de investimento de startups, e está sempre a ver onde há oportunidades adicionais.
A Bosch fechou o último ano com menos trabalhadores. Essa descida está relacionada com a fábrica de Ovar?
Não. A queda [no número de trabalhadores] foi de 2%, à volta de 100 e poucas pessoas, em 6.800, também por causa da automatização em Braga. Temos produtos com um grau de automatização maior e o número de pessoas necessárias infelizmente não é o mesmo. Mas a redução no ano passado não teve nada a ver com Ovar.
E quantas pessoas de Ovar é que saem do grupo?
Mais ou menos mil pessoas.
E esses mil postos de trabalho vão manter-se?
A Bosch quando faz negócios de venda, uma das maiores preocupações é o que vai acontecer com os colaboradores. E isso, também sem poder dar detalhes, já está nas condições: devem manter as condições de trabalho e manter um número mínimo.

Portanto, esses postos de trabalho não estão em risco?
Não, não estão. Já fizemos a transação e eles continuaram. A partir de 1 de julho, como já muitos disseram, ‘já não sou Bosch, passo a ser Keenfinity ‘, que é o nome da empresa.
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E em relação aos restantes colaboradores da Bosch em Portugal, referiu que saíram mais de uma centena devido à maior automatização. Pode esperar-se que venham a sair mais?
Pelo contrário. Porque nos produtos de mão-de-obra mais intensiva, o maior crescimento está previsto em Aveiro, com as bombas de calor. E vamos precisar de mais pessoas. Por outro, estamos a falar da necessidade de engenheiros que vai continuar a aumentar. A Bosch Portugal já tem 1.200 engenheiros de desenvolvimento. Dentro da Bosch, a nível mundial, há mais de 80.000 engenheiros no desenvolvimento. À medida que conseguimos consolidar mais, mais projetos podem vir para nós. Porque um investimento na Bosch em Portugal não é uma coisa nova. A Bosch já sabe o que a Bosch em Portugal é capaz de fazer.
Vão contratar em 2025?
Vamos, vamos. O número vai aumentar, especialmente em pessoas na área de software, em engenheiros e mais [categorias]. Vamos continuar a contratar.
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Contrariando aquilo que está a acontecer com o grupo a nível global?
O grupo a nível global, especialmente na área da mobilidade, na área mais associada aos sistemas de combustão. Porque, pelo menos na União Europeia, ainda não está claro se em 2035 [vamos ter] emissões zero. Quando falava antes de neutralidade tecnológica, que às vezes não falamos muito, são os IFU, os combustíveis sintéticos. Podemos ter um motor de combustão, que não tem gasolina, que não tem gasóleo, mas tem um combustível 100% renovável.
Já temos algumas empresas de gasóleo e de gasolina que já têm combustíveis HVO (Hydrotreated Vegetable Oil), que são feitos com o caroço da azeitona. É um resíduo. E com a grande produção aqui na Península Ibérica, que é de azeitonas, tem que ser reciclado. E a partir disso pode fazer-se um combustível 100% sem emissões de CO2.
E há, pelo menos, duas empresas na Península Ibérica que já estão a vender. É um bocadinho mais caro do que o diesel convencional, mas a antiguidade média dos carros em Portugal é superior a 14 anos. Então, podem acontecer duas coisas: uma é a proibição para a frota atual — não sei quantos políticos iriam tomar uma medida tão drástica; ou dizer: como podemos fazer essa parte sem pegada de carbono. E isto são motores atuais que podem ser alimentados por combustíveis sintéticos.
E os motores atuais podem ser adaptados para usar este combustível?
Podem. A ideia é que o combustível possa, sem transformação nenhuma, ser utilizado, como já está a utilizar com estes combustíveis HVO de caroço de azeitona. Ou que, através de hidrogénio, consigamos mexer no motor diesel. Isso resolvia o problema dos carros com mais de 14 anos.
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