Sara Blanco de Morais e João Pinheiro da Silva, sócios da CMS Rui Pena & Arnaut, fazem um balanço do mercado imobiliário e antecipam os próximos meses.
O mercado imobiliário continua a escapar aos impactos dos vários acontecimentos, desde a invasão russa à Ucrânia, à pandemia e até ao aumento da inflação. Os players mais conservadores do setor estão hoje “expectantes”, dizem os advogados da CMS, Sara Blanco de Morais, sócia de Urbanismo, e João Pinheiro da Silva, sócio de Imobiliário, em entrevista ao ECO. O perfil dos investidores imobiliários tem mudado e hoje há “novos investidores estrangeiros que revelam um elevadíssimo grau de conhecimento do mercado imobiliário português”, afirmam. Apesar disso, Portugal precisa de trabalhar na parte fiscal e trazer mais estabilidade ao setor imobiliário.
Depois de uma pandemia, uma guerra e a elevada inflação, como está a reagir o setor imobiliário?
JPS: No que ao setor do imobiliário diz respeito, os efeitos dos últimos acontecimentos ainda não se fizeram sentir de forma acentuada, nem é certo que assim vá acontecer em Portugal. De facto, já é possível verificar algum abrandamento nalguns setores, sendo que, apesar de tudo, tal reação é normal considerando a incerteza indissociável de uma guerra e da inflação, pelo que os players mais conservadores do mercado estão, ao dia de hoje, a adotar uma postura expectante, adiando algumas decisões.
Ainda assim, e atendendo às projeções económicas relativamente ao PIB do Banco de Portugal, atualizadas ao mês de março de 2022, Portugal, numa análise comparativa com a Zona Euro, apresenta um cenário menos negativo, estimando-se a manutenção da taxa de variação anual do PIB em 4,9% para 2022, face a uma queda de 5,4% para 3,7% do PIB da Área Euro. Apesar de alguns aspetos terem que ser melhorados, nomeadamente ao nível da política fiscal aplicável ao imobiliário, temos boas razões para continuar a considerar o mercado imobiliário português como seguro e atrativo.
Como vai estar o mercado imobiliário nacional depois de terminado este período?
JPS: O mercado imobiliário português tem dado, e continua a dar, provas da sua robustez. Exemplo disso foi a extraordinária resistência à crise pandémica que assolou o mundo nos últimos dois anos. A capacidade de adaptação e de reinvenção foram características que sobressaíram, pelo que não será nenhuma surpresa se voltarmos a assistir a uma nova adaptação dos investidores, sobretudo no setor residencial que se adivinha ser dos que mais irá sentir os efeitos da guerra e da inflação.
É igualmente expectável que o setor do turismo — setor que mais sofreu os efeitos da pandemia — volte a animar e a recuperar em força já este ano, ainda que o impacto da decisão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) em relação ao alojamento local possa, neste setor específico, possa vir a revelar-se um passo atrás. Ainda assim, assistimos a taxas de ocupação turística, durante o recente período da Páscoa, que são um sinal extremamente positivo para este setor onde, até ao final do ano, são expectáveis oportunidades transacionais relevantes.
O perfil do investidor imobiliário tem mudado ao longo dos anos?
JPS: O mercado imobiliário pauta-se por um dinamismo constante pelo que é natural, e positivo, constatar uma evolução dos seus intervenientes. Ainda assim, e em resultado da diversa oferta do mercado imobiliário português, é possível identificar vários perfis de investidores, pelo que o nosso desafio permanente passa por preparar a estrutura das operações imobiliárias o mais tailor made possível face aos objetivos de cada cliente. Deparamo-nos, cada vez mais, com novos investidores estrangeiros que revelam um elevadíssimo grau de conhecimento do mercado imobiliário português e com objetivos muito bem definidos sobre a rentabilidade pretendida para cada investimento, independentemente do setor em causa.
Portugal é ainda um mercado atrativo?
JPS: Sem qualquer dúvida, Portugal continua a ser um mercado atrativo para os investidores, quanto mais não seja pelo excelente clima, nível de segurança e posição geográfica que beneficia. No entanto, não podemos confiar apenas nas características endógenas que Portugal apresenta e é necessário continuar a preservar e desenvolver o nosso mercado, apostando, cada vez mais, em medidas que potenciem a captação de investimento estrangeiro.
A título exemplificativo, note-se que o enquadramento fiscal português, com pontuais exceções, apresenta-se ainda como um dos campos onde existe uma significativa margem de melhoria para otimizar o estímulo dos investidores, designadamente estrangeiros, pelo que a política fiscal nacional e, consequentemente, os impactos que esta tem no setor imobiliário será um dos aspetos a revisitar o quanto antes.
Que impacto pode ter a decisão do Supremo Tribunal de Justiça, que impede alojamento local em prédio para habitação permanente?
SBM: Em geral, os edifícios ou frações autónomas para habitação permanente e para serviços podem ser afetos a alojamento local. Para este efeito, é necessário que a licença de utilização, a existir, e o uso previsto no título constitutivo da propriedade horizontal o permitam. A decisão vem limitar aquilo que pode estar previsto neste título: se for prevista habitação, não será admissível alojamento local. Esta interpretação é, por isso, restritiva e restringe com efeitos retroativos, afetando as propriedades horizontais já constituídas e os alojamentos locais atualmente em funcionamento.
Antecipa-se, desde logo, um crescimento dos litígios: os condomínios que se opõem ao alojamento local poderão instaurar ações para que esta atividade cesse, fundamentando-se na circunstância de o uso habitacional até então previsto no título constitutivo deixar de o habilitar. Antecipa-se também a oposição concertada a eventuais alterações ao título constitutivo para admitir atividades de alojamento local. Os efeitos serão transversais: desde o grande investidor, que explora um conjunto vasto de ativos, à pessoa de classe média, que obtinha rendimentos extra na exploração de um seu apartamento, das grandes às pequenas cidades, dos condomínios com dezenas de frações autónomas aos pequenos edifícios, todos eles enfrentarão dificuldades em virtude desta interpretação. Na sequência de uma pandemia e na entrada da época balnear, não antecipamos, por isso, que estas sejam boas notícias.
No Urbanismo, quais são os grandes desafios e oportunidades com que Portugal se depara hoje?
SBM: Há dois blocos de problemas que entendemos cruciais no que se depara ao Urbanismo nos dias de hoje. Em primeiro lugar, a duração dos procedimentos administrativos. Os prazos legalmente previstos não são irrealistas e, em geral, apresentam-se razoáveis face à instrução neste tipo de procedimentos. Contudo, estes raramente são cumpridos, o que muitas vezes decorre da imprecisão ou porosidade das normas aplicáveis e, por isso, da dúvida no que em concreto seja aplicável.
É necessário promover uma cultura de maior agilização procedimental, evitando que procedimentos legalmente mais simples, como os de informação prévia, acabem por durar tanto ou mais que um procedimento de licenciamento em abstrato duraria. O segundo leque de problemas e desafios está relacionado com a posição em que o Urbanismo se encontra. O Urbanismo é, sobretudo, um direito de restrições – públicas e privadas. Estas não podem ser levadas longe de mais: não se deve restringir, quer em plano, quer nos próprios loteamentos, quando não se verifique, com propriedade, um valor digno de proteção.
Mas mais do que isso: esta decisão recente do STJ veio trazer à colação a circunstância de as restrições públicas e privadas muitas vezes serem incompatíveis entre si, não sendo possível o projeto cumprir simultaneamente ambas. Uma vez mais, é necessária uma clarificação nas normas aplicáveis, pois só assim se garante a necessária segurança para investir e executar projetos.
Recentemente, o município de Lisboa criou uma Comissão de Concertação Municipal do Urbanismo para dar resposta ao volume de processos de licenciamento. Como avaliam a criação desta Comissão?
SBM: Surgiu recentemente uma notícia no qual se dava nota que Lisboa era um dos municípios com mais atrasos no que respeita a procedimentos de licenciamento. Naturalmente, que esta deve ser lida com o devido enquadramento e na devida proporção: Lisboa é, por natureza, um local atrativo para investimento, tendo certamente a correr um número substancial (e muitas vezes esmagador) de processos. A adoção de medidas que procurem agilizar procedimentos e que, no fundo, conduzam a decisões mais rápidas e legalmente balizadas é, por isso, uma prospetiva positiva. Cabe aguardar e ver os resultados que esta Comissão terá.
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Antecipa-se um “crescimento dos litígios” com decisão do Supremo sobre alojamento local
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