Despedimento de Carlos Ribas? “Provavelmente houve irregularidades. Bosch pediu ao Ministério Público para investigar”

CEO da Bosch em Portugal confirmou que foi a própria empresa a informar o Ministério Público sobre eventuais irregularidades nos projetos por parte de Carlos Ribas e outros gestores despedidos.

Javier González Pareja, CEO da Bosch em Portugal, em entrevista ao ECOHugo Amaral/ECO

Prestes a completar um ano à frente da operação da Bosch em Portugal, após o afastamento compulsivo de Carlos Ribas, antigo CEO da multinacional alemã no país, assim como de outros gestores de topo da empresa, Javier González Pareja, que já antes liderava a nível ibérico, explica que o afastamento dos antigos quadros foi justificado por falhas graves de regras de compliance na área dos projetos de inovação.

Em entrevista ao ECO, o presidente da Bosch Portugal adianta que a gigante germânica identificou possíveis irregularidades na execução de fundos europeus, o que, além de avançar com os despedimentos de vários gestores de topo, levou a multinacional a entregar o caso ao Ministério Público para investigação.

Provavelmente houve irregularidades [na execução de fundos europeus] e é por isso que pedimos para [o caso] ser investigado por parte também do Ministério Público“, diz o líder da operação em Portugal e Espanha. Sem querer dar mais detalhes sobre o caso, alegando que o caso está em segredo de justiça — antigo CEO e outros gestores abriram um processo contra a Bosch –, reforça que as regras de compliance são para cumprir a 100%, o que diz não ter acontecido.

Quanto à atual gestão da fábrica de Braga, a maior do país e uma das mais importantes da gigante alemã, Javier González Pareja garante que o grupo vai continua a investir na capital minhota, assim como nas restantes operações que tem em Portugal.

Javier González Pareja, CEO da Bosch em Portugal, em entrevista ao ECOHugo Amaral/ECO

Está prestes a completar um ano à frente da Bosch Portugal, após o despedimento de Carlos Ribas. Como correu este período de transição?

Há sete anos, quase oito, que sou presidente da Bosch em Portugal e Espanha. Há quase dois anos e meio que moro em Portugal, em Lisboa. No ano passado houve uma saída de colaboradores da Bosch por causa de pesquisas internas. A Bosch, por causa da proteção de dados, não pode e não vai dar detalhes sobre o que aconteceu. Posso dizer que alguns antigos colaboradores estão em tribunal contra a Bosch e ali estaremos. Mas, para a Bosch, os princípios são cumprir 100% com as regras de compliance. É fundamental. E consideramos que isso não foi [cumprido], especialmente na área dos projetos de inovação. E foi isso que aconteceu.

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Está em causa a má utilização de fundos europeus? Foi isso que aconteceu?

Isso. Falei de proteção de dados e agora vou falar no segredo da justiça porque o tema está sob o segredo de justiça. Nós, Bosch, informamos o Ministério Público e agora o tema está sob segredo de justiça.

Mas foi algo suficientemente grave para…

Isso será a justiça que tem de dizer, mas podemos dizer que fomos nós próprios, após as nossas pesquisas internas, que informamos o Ministério Público. (…) Provavelmente houve irregularidades e é por isso que pedimos para ser investigado por parte também do Ministério Público.

Fomos nós próprios, após as nossas pesquisas internas, que informamos o Ministério Público (…) Provavelmente houve irregularidades e é por isso que pedimos para [o caso] ser investigado por parte do Ministério Público.

E sabem em que fase está esse processo?

Não sabemos e foi decretado o segredo da justiça e nós não sabemos. Claro que há trocas de informações, mas não temos nenhuma conclusão.

A transição, nomeadamente na fábrica de Braga, foi tranquila?

Foi tranquila. Nós temos agora à frente o meu colega Carlos Jardim, que já tem quase 24 anos de casa, que trabalhou em Braga, trabalhou na Alemanha, na Roménia. E está, juntamente com o seu colega Frank Burgsmüller [à frente da fábrica de Braga]. Nas fábricas da Bosch pode haver uma pessoa ou duas à frente, mas nas fábricas que são muito grandes como a de Braga, há uma parte técnica e uma parte financeira e administrativa. E lá estamos. A Bosch continua a investir em Braga e no resto de Portugal.

Braga representa mais de 60% da atividade em Portugal, é a maior fábrica do grupo Bosch na Península Ibérica. O volume de produção de Braga é similar ao volume de vendas do Grupo Bosch em toda a América Latina.

Na fábrica de Braga estão a promover uma transformação em termos de portefólio de produtos. O que está a mudar? Em que estão a investir?

Primeiro, vou fazer uma comparação de Braga com a América Latina. Para ver a importância [para o grupo], Braga representa mais de 60% da atividade em Portugal, é a maior fábrica do grupo Bosch na Península Ibérica. O volume de produção de Braga é similar ao volume de vendas do Grupo Bosch em toda a América Latina.

Os meus colegas gostam muito, com orgulho, de dizer ‘de Braga para o mundo’, mas é mesmo. Quando falamos de condução autónoma, estamos a pensar num carro que não tem volante. Isso é o nível 5. Mas até lá há muitos sistemas de ajuda à condução. A condução precisa de câmaras, precisa de radares e precisa de sensores. Os cockpits vemos que cada vez são maiores. Já temos — claro que obviamente não falamos de projetos concretos dos nossos clientes, porque podem ainda não estar no mercado –, cockpits que abrangem todo o carro. Quando diz: ‘isto não é um carro, é um cinema’… Uma das grandes vantagens da condução autónoma é que não só a segurança, mas também que a gente que não tem de conduzir pode fazer outras coisas.

E Braga está a trabalhar nesses sensores, câmaras e radares. Temos espaço, continuamos a construir e aumentamos a superfície de Braga. Temos lá mais de 500 engenheiros de desenvolvimento que estão a trabalhar nas áreas dos radares e estamos muito orgulhosos.

Há alguns anos, a chanceler [Angela] Merkel esteve em Portugal e só visitou duas empresas com o antigo primeiro-ministro António Costa – e ela queria ver o Centro de Desenvolvimento da Bosch em Braga. E como ela é física, insistiu em falar de temas técnicos com alguns engenheiros.

E pretendem continuar a expandir o espaço em Braga?

Quando eu digo espaço, não é só fora, é também dentro da fábrica. Expandimos já desde o ano de 2016. Continuamente estamos a expandir. A mobilidade está a ter uma grande transformação, principalmente nos sistemas de combustão, seja diesel, seja gasolina, seja elétrico, e aqui eu gostaria de fazer uma pergunta. Quando falamos de carro elétrico, toda a gente pensa que é um carro com uma bateria. A bateria é uma forma de propulsão do carro elétrico, mas um motor elétrico também pode ser propulsado por hidrogénio, que é outro dos pontos onde a Bosch está a apostar fortemente na economia. Nós falamos em soberania tecnológica.

Javier González Pareja, CEO da Bosch em Portugal, em entrevista ao ECOHugo Amaral/ECO

Claro que todos queremos eliminar as emissões, de CO2 e de outros, mas temos de ue ver quais são as soluções técnicas. E o carro elétrico pode ser movido por uma bateria, mas também pode ser mexido por hidrogénio. Aliás, quanto maior é o peso do veículo, como nos camiões, mais limitadora é uma bateria porque o peso da bateria é tal que vai tirar capacidade de carregar mercadorias. E aí estamos também a gerar hidrogénio, ou seja, eletrolis, mas também a ter motores que possam ser propulsados por hidrogénio.

O setor automóvel tem passado um período difícil na Europa. Com grandes empresas como a Volkswagen a despedir, como é que estão a olhar para toda esta situação no setor?

Primeiro, sobre a situação dos fabricantes de automóveis e também sobre a China. Comecemos provavelmente pela maior transformação, que são os sistemas de propulsão. Há um facto que é técnico, nós dizemos sempre, isso é a regra do 10-3-1. Num motor a diesel, a mão-de-obra associada a esse motor, em número de indústria, é 10. Num motor de gasolina são três. E num motor elétrico é 1. Ou seja, também a produção de automóveis nos últimos anos, de 2017, que atingiu seu máximo, não tem crescido mais. Há à volta de 90 milhões de carros. A quantidade de mão-de-obra associada é menor. E isso não tem nada a ver com a procura, mas sim com os métodos.

Quanto à China, a Bosch tem mais de 50 mil pessoas na China. Aliás, é o maior mercado. Historicamente, somos uma empresa com quase 140 anos. Durante mais de 130, o maior mercado era a Alemanha e agora o maior mercado é a China.

O maior mercado já é a China?

O maior mercado mundial, com mais de 17 mil milhões de euros de vendas, é a China. Os chineses têm uma velocidade a fazer as coisas e nós estamos a ver que quanto mais temos carros elétricos, maior a penetração dos chineses.

Só a classe média da China são mais habitantes que a Europa toda. Com o Trump nos Estados Unidos a colocar tantos entraves, a China pode ainda assumir maior relevância também como [mercado] alternativo.

Não vou falar aqui de marcas, mas quando estamos a pensar em marcas de carros elétricos, o maior produtor de carros elétricos é uma marca norte-americana [Tesla], mas há uma marca chinesa que faz três vezes mais carros. Também temos uma oportunidade. Eu não falo chinês, mas ouvi que a palavra ‘crise’ em chinês significa crise e oportunidade. É a mesma coisa. A China tem 1.400 milhões de pessoas, das quais quase 500 já são quase classe média. E só a classe média da China são mais habitantes que a Europa toda. Temos de pensar nisso. Portanto, com o Trump nos Estados Unidos a colocar tantos entraves, a China pode ainda assumir maior relevância também como [mercado] alternativo.

Sim, não estou a falar da Bosch, estou a falar da sociedade. Nós temos de aprender também. E ver as oportunidades que temos. Nós, como Bosch, estamos a preparar-nos para os fabricantes de automóveis chineses estarem na Europa, venderem na Europa, começarem a fazer fábricas na Europa.

Claro que queremos e já temos alguns projetos para fornecer a partir da Europa para fabricantes chineses que venham à Europa. Claro que vamos ter maior concorrência também dos fabricantes de componentes de peças automóveis chinesas que virão para a Europa. Mas não nos vamos lamentar. Temos de estar lá e continuar a ser o primeiro fabricante mundial de sistemas para automóveis.

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