Em resposta à "iberização" da banca em Portugal, partner da Deloitte considera que bancos nacionais deviam ambicionar expandir-se para outros mercados: "É uma ambição muito lícita."
Face à “iberização” do setor da banca em Portugal, os grandes grupos bancários nacionais deviam ambicionar expandir-se para outros mercados internacionais com o objetivo de ganharem escala. “Têm muito capital”, observa o partner da Deloitte, Vítor Viana Lopes. “O capital serve para ser distribuído pelos acionistas ou para ser investido. Essa ambição de crescimento é muito lícita“, defende em entrevista ao ECO.
Sobre a venda do Novobanco, considera que a entrada em bolsa será a “solução possível”, não descarta um processo de consolidação posteriormente, mas recusa-se a dar uma avaliação ao banco da Lone Star.
A consolidação vai marcar o setor nos próximos anos, mas não só. Estamos a assistir a “alguma fragmentação regulatória, o que significa que alguma menor cooperação entre agentes globais regulatórios. (…) É uma variável absolutamente nova que está a preocupar o sistema financeiro do ponto de vista global”, explica o responsável da Deloitte para a área bancária.
Temos cinco grandes bancos que controlam entre 75, 80% do mercado. Há espaço para mais movimentos de consolidação entre os principais bancos?
Há uma tendência de consolidação na Europa. Isso foi muito bem identificado pelo relatório Mario Draghi. A Europa precisa de mais consolidação bancária, tornou-se num negócio de escala e a nossa escala é muito baixa do ponto de vista global. O movimento de M&A na Europa está a borbulhar por todo o lado. Consolidação em Portugal, sim, pode acontecer. O Novobanco terá de se resolver, o acionista é claro em relação a isso.
A pergunta não foi inocente. Temos um Novobanco que está em processo de venda pelo seu acionista principal. Partilha da opinião de que seria estranho se a Caixa Geral de Depósitos Avançados para a compra do Novobanco e tivéssemos um super banco público com uma quota de mercado a rondar os 40%?
Não vou responder diretamente à pergunta.
Mas seria admissível ter um mercado bancário em que um banco público controlasse 40% do mercado?
Todos os players, licitamente, ambicionam mais escala, ambicionam melhorar as suas quotas de mercado e equilibrar os seus negócios para diversificar a sua atividade. Isto é sempre um equilíbrio entre esta procura de escala de cada player e os equilíbrios de concorrência. Os equilíbrios de concorrência não é uma questão opinativa, nós temos órgãos para esse efeito.

Além da questão de termos um mercado mais público, também temos outra questão de espanholização da banca portuguesa caso o caminho a seguir para o Novobanco passasse pela via de um banco espanhol, o CaixaBank, nomeadamente. A questão da espanholização da banca é mesmo um tema?
Nós temos, e isso é muito discutido, alguma iberização económica. Isso tem acontecido em muitos setores. Não vou responder à pergunta. Acho que todos os bancos que operam no mercado europeu, nomeadamente os que cá estão e que já são de capital estrangeiro, têm a mesma ambição que eu que eu citei há pouco. Procuram equilibrar os seus negócios e procuram diversificar o seu portfólio e melhorar as suas quotas de mercado.
O repto pode-se por de outra forma e isso é claramente uma ambição que devia estar na agenda da economia portuguesa e no setor bancário em concreto que é: como é que fazemos grupos bancários nacionais sólidos? Remete-se essa discussão não unicamente para este nosso retângulo da nossa economia, mas para um horizonte mais largo sobre investimentos e estratégia de crescimento em outros mercados.
Já tivemos bancos portugueses com presença em Espanha e não correu propriamente bem.
Não posso comentar sobre isso. Eu acho que cada um tem a sua história. Também já tivemos operações portuguesas com presença na Grécia, nos EUA, no Brasil, operações mais fortes em Angola e Moçambique. Os portefólios vão-se equilibrando. A gestão foi como foi. Temos de olhar para o futuro.
Nos últimos anos, assistimos a uma retração da banca portuguesa em termos internacionais. Podemos assistir a uma inversão desse caminho que foi feito?
Nos últimos anos, tivemos uma reestruturação muito séria da banca portuguesa por debilidades muito sérias. Passaram se dez anos e a banca portuguesa hoje é outro sistema financeiro. Neste momento tem muito capital. O capital da banca portuguesa, em média, compara mais uma vez de forma superior à média europeia. Temos 18% de rácio CET1 contra a média europeia de 16% e temos players muito bem capitalizados. E o capital serve para ser distribuído pelos acionistas ou para ser investido. Acho que essa ambição de crescimento é muito lícita para os grupos bancários portugueses.
Passaram se dez anos e a banca portuguesa hoje é outro sistema financeiro. Neste momento tem muito capital. (…) E o capital serve para ser distribuído pelos acionistas ou para ser investido. Acho que essa ambição de crescimento é muito lícita para os grupos bancários portugueses.
Voltando ao Novobanco, vai a caminho de um IPO. Será a melhor solução do ponto de vista do mercado, como defendeu o governador Mário Centeno?
É a solução possível. Não sei se é a melhor ou pior, é solução possível. Pode passar por um IPO, mas se um processo de fusões e aquisições acontecer, provavelmente seria mais à frente.
Não se descarta que possa haver um processo de consolidação numa fase seguinte ao IPO?
Não se descarta.
Neste momento, quais são os maiores riscos que podem obstaculizar uma operação de ida para a bolsa de um banco. Estou a falar do Novobanco, mas sei que não quer falar sobre o Novobanco. São as tarifas do presidente americano Trump, foi agora esta queda recente do governo de Portugal?
O grande perigo do setor bancário cotado tem a ver com o mercado achar ou ter achado até hoje que o setor bancário já não é um setor tão interessante e, portanto, valorizar abaixo dos registos contabilísticos, o que quer dizer que uma saída em bolsa é inviável. Eu só saio em bolsa se, de facto, o mercado e os investidores reconhecerem potencial no meu negócio pagarem um prémio para isso. Esse é o grande risco. A questão da guerra tarifas é uma questão muito séria para o sistema financeiro, mas acho que é para grupos bancários com posicionamentos globais. Para posicionamentos domésticos, não vejo isso.
Quanto é que o Novobanco pode valer em bolsa?
Não vou responder.
Cinco mil milhões tem sido o valor de referência mais discutido. É um valor razoável?
Não posso responder.
Olhando um pouco lá para fora e para terminar. Quais vão ser as principais tendências que vão marcar o setor bancário e ano e no próximo?
A consolidação é incontornável. Foco em gerar valor, foco em gerar rentabilidade, porque é preciso atrair capital. Depois, vai ser um setor onde se vai observar muita inovação porque a guerra pelo cliente é muito séria.
Do ponto de vista de risco, alguma fragmentação regulatória, o que significa que alguma menor cooperação entre agentes globais regulatórios e, portanto, fragmentação entre os blocos económicos é uma variável absolutamente nova que está a preocupar o sistema financeiro do ponto de vista global.
A agenda de simplificação regulatória que se prevê vai ajudar a otimizar as operações dos bancos ou vai desprotegê-los e criar mais riscos para o sistema?
O valor até agora, do ponto de vista global regulatório, era estabilidade financeira. Isso era o que tinha de ser salvaguardado porque vínhamos de uma crise financeira global. Hoje em dia já está temperado e temos crescimento económico e competitividade sem destruir a estabilidade financeira.
O que se discute hoje é se eventualmente estamos a alocar capital demasiado e se esse capital poder ser liberto para ativar mais empréstimos, mais financiamento na economia. Mas é um processo longo e é um processo onde a fragmentação não ajuda. O bloco do Reino Unido seguirá um caminho, o bloco da União Europeia seguirá outro caminho, o bloco americano seguirá outro caminho. A velocidade com que se faz isso, o contorno com que se faz isso, o balanço entre estabilidade e libertar mais capital para a economia vai depender de cada bloco e também vai depender da competição entre os blocos. Estamos muito curiosos para ver como é que isto vai decorrer nos próximos anos. Mas que é uma tendência incontornável, sem dúvida.
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Expansão internacional? “É uma ambição muito lícita para os bancos portugueses”
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