O DN vai passar a ter apenas uma edição semanal em papel a partir de 1 de julho, ao domingo. Quer ser mais digital, estar mais próximo dos leitores e "ligeiramente à esquerda e mais independente".
No momento em que celebra 154 anos, o DN vai passar a ser Diário de Notícias (assim, por extenso, na capa da edição em papel). Tem uma nova direção, com Ferreira Fernandes como diretor e Catarina Carvalho como diretora executiva, e estará nas bancas apenas ao domingo, com uma edição de fim de semana. À semana, garante Catarina Carvalho em entrevista ao ECO no dia da apresentação da nova estratégia da Global Media para o jornal centenário, haverá uma capa digital com conteúdos exclusivos. E que leitores quer o novo DN? “Leitores interessados e que estejam disponíveis para pensar, ou seja, para não pensar alinhados com uma corrente política”. E isto leva-nos a outra pergunta: Onde quer estar o novo DN? “Eu acho que faz falta um jornal com um alinhamento ligeiramente à esquerda e mais independente”. A partir de 1 de julho, estará nas bancas para a escolha dos leitores.
O que vai ser o novo Diário de Notícias?
O novo Diário de Notícias (DN), ou o que o DN vai tentar ser, é mais próximo das pessoas, menos institucional. O jornal teve várias derivas ao longo dos anos e uma das coisas que o afastou dos leitores foi preocupar-se menos com a vidas das pessoas e demais com as instituições…
Estava muto próximo do poder?
Eu não posso avaliar o que estava antes da nossa entrada na direção. Aquilo que eu noto, agora, é que os jornalistas estão muito mais preocupados em fazer títulos que as pessoas percebam, em serem mais independentes, em dirigirem-se mais aos leitores e menos aos outros stakeholders da sociedade. Isso é uma coisa que eu vejo, vejo a redação mais viva do que no primeiro dia. E o facto de os jornalistas perceberem que há um projeto para o jornal também ajuda, porque nos tempos difíceis que estamos a passar, toda a gente sabe que estamos sempre todos em risco.
Essa proximidade tem a ver também com a maneira como se escreve. Uma coisa que aconteceu foi o facto de os jornalistas estarem, anteriormente, 80% focados no jornal em papel, e agora 80% ou 99% focados em fazer digital e online, fez com que tenham uma pressão muito forte das próprias audiências, que são medidas ao minuto, fê-los perceber do que é que as pessoas estão a falar, quais são os temas que estão a preocupar os leitores e dirigirem-se a esses temas com muito mais acuidade do que fariam se tivessem de publicar um jornal apenas no dia seguinte. O papel, neste momento, pode ser bom ou mau, consoante a maneira como as redações olham para ele.
A mudança do papel para o digital resulta de uma necessidade ou de uma avaliação estratégica?
A decisão não foi da responsabilidade desta direção, foi da responsabilidade da administração que estava a trabalhar com a direção anterior. Pode dizer-se que foi resultado das duas coisas. Ou seja, em função do modelo de negócio que existia, do projeto que existia, foi necessário perceber se fazia ou não sentido fazer uma edição em papel, que estava a vender pouco, abaixo da relevância das audiências, e perceber se, por causa dessa edição, tínhamos uma redação que não estava focada naquilo que era essencial, precisamente o online, isto é, a forma digital de chegar às pessoas.
A semana passada, na conferência da Wan-Ifra, estive a conversar com os jornalistas da Gazeta do Povo [jornal brasileiro] e disseram-me que foram os próprios editores e diretores do jornal a pedir para se seguir uma estratégia focada no online, que era no online que tinham tudo para chegar às pessoas. Ou seja, o meio condiciona a mensagem também. Portanto, a decisão foi tomada por razões que são do negócio, económicas também, mas a verdade é que tem um efeito super rejuvenescedor e revigorante da própria redação. E isso foi bom.
O DN tem uma estrutura de organização pensada para responder às necessidades da edição no papel. O que é que está a mudar na organização?
Mudou tudo, fizemos novos turnos e as pessoas começaram a trabalhar em modo ‘live’, das 07h00 da manhã até à meia-noite. A própria chefia é 360º, está de manhã à noite, e mudamos as áreas em que as pessoas trabalham. Deixaram de haver algumas secções como Portugal e a Cultura e os jornalistas passaram a ser individualmente muito mais responsáveis pelas áreas em que trabalham. Aliás, o próprio jornal em papel vai ter essa estrutura também, depois, mais tarde, vamos mudar também a estrutura do jornal online. Um exemplo? Não havia área de ambiente, vai haver essa área. Estava uma pessoa a cobrir educação, vão passar a haver duas. Vai haver também uma área de Lisboa. Não havia temas de atualidade como o feminismo, as migrações, também vai haver duas pessoas com essas áreas, e também vai haver redatores com outras áreas, como a religião, que cruzam com interesses diversos.
Os leitores do DN diário, em papel, são muito diferentes dos leitores do DN online…
A verdade é que não sei isso. Eu posso dizer quem são os leitores no DN online, mas não posso dizer quem são os leitores do DN em papel, porque há muito tempo não é feita uma análise demográfica a esses dados.
O jornalismo faz-se em qualquer lado. Não é preciso ser em papel, às vezes, os jornalistas parece que vivem numa bolha, que é “eu não leio papel, mas quero escrever para o papel”. Isso fomos mudando e já se está a sentir essa transição.
O DN tem menos leitores em papel, mais no online. O tempo de visita por leitor no site do DN é mais baixo do que o dos seus concorrentes…
Os números relevam uma coisa terrível: A degradação que o site do DN teve ao longo dos últimos anos. Esse é o grande desafio. As pessoas vão ao site do DN, o grau de dependência do Facebook é bastante elevado também, e isso foi o que foi conseguido com este modelo de guerrilha, que foi mesmo para pôr o DN num campeonato em que, simplesmente, não estava. O online do DN, por incrível que pareça, começou em 1996, ou seja, é dos mais antigos do país e, no entanto, passou por direções que o foram passando para segundo plano. O que é que aconteceu? Aconteceu que há três ou quatro anos, acho que foi na direção de André Macedo, resolveu-se voltar a investir no online, até se fez um novo site. Hoje em dia, esse site ainda existe, mas foi seguido um modelo de guerrilha para conquistar leitores.
Portanto, o grau de confiança que existe hoje no DN é menor do que nos outros meios. O grande desafio é fazer coisas importantes e interessantes nesse online. O que é que aconteceu desde que assumimos a direção? O tempo de leitura está a crescer bastante, só por estarmos a fazer coisas interessantes para esse online. O jornalismo faz-se em qualquer lado. Não é preciso ser em papel, às vezes, os jornalistas parece que vivem numa bolha, que é “eu não leio papel, mas quero escrever para o papel”. Isso fomos mudando e já se está a sentir essa transição. Há cada vez mais textos com maior tempo de leitura, mas é um desafio. Vamos mudar o site, a própria visualização do site, o novo site tem coerência e, sobretudo, uma hierarquia. Existe uma manchete clara, existe uma sub manchete, existem temas destacados. É um site muito mais sóbrio. Esperamos que as pessoas acreditem nesses cuidados.
Mas que leitores é que o DN quer ter?
Queremos leitores de classe média, média-alta, e leitores interessados e que estejam disponíveis para pensar, ou seja, para não pensar alinhados com uma corrente política. O pluralismo leva à evolução do mundo. Aquela visão de que as pessoas só leem aquilo que lhes interessa, as pessoas só falam com pessoas que concordam com elas, não é o que nós queremos fazer.
Quem são os concorrentes do DN?
Eu acho que, hoje em dia, na internet, sabemos que é toda a gente. As pessoas, em Portugal, acreditam bastante nos jornalistas e no jornalismo. Nós somos dos países onde há uma maior confiança, dos maiores índice da Europa, mas ainda não conseguimos capitalizar essa confiança, por isso é que em Portugal não se paga pelo acesso a notícias. É muito estranho que em Portugal, que é o país onde as pessoas mais confiam nas notícias, é o país em que as pessoas estão menos disponíveis para pagar por elas no online.
O DN vai ser pago online?
O DN online há de ser pago. O caminho será esse, à medida que se fizer a requalificação do jornal.
Porque não já?
Porque precisamos de habituar as pessoas ao nosso produto e porque as pessoas não estão disponíveis para pagar já. Nós estamos num caminho e esse caminho tem de ser feito, temos de mostrar ao leitor o que conseguimos fazer. Vamos fazer uma capa diária online, que será distribuída também na newsletter matinal, não assinada, e notícias e outros conteúdos exclusivos.
…ainda vai a tempo? Onde é que se pode encaixar o DN para ter sucesso?
Eu espero que sim. Há uma coisa interessante que tenho visto no último mês: A redação do DN faz muitas notícias, tem muitas novidades, tem histórias que são só nossas, tem informação que não vem dos outros sítios. Não é um modelo de jornalismo engraçadinho, tem jornalistas muito diferentes, de muitas áreas diferentes. O que temos verificado é que o facto de os jornalistas não estarem a produzir notícias só para o jornal em papel permite que as escrevam ao longo do dia e nós temos várias manchetes, coisa que não teríamos no papel. O tempo de leitura pode ser mais pequeno porque nós damos mais notícias e os outros dão coisas mais longas de ler. Esse caminho tem de ser feito, obviamente, e a redação tem de fazer isso, só que a redação do DN é uma redação muito ‘noticiarista’. É uma redação que liga muito à novidade, àquilo que os outros jornais ainda não deram.
A redação é o principal problema desta mudança?
Não, o principal problema nesta mudança é o mercado, um mercado que não está disponível para pagar aquilo que lê. A informação não é um negócio, não tem lucros, não tem resultados positivos. Só o JN, o Correio da Manhã e o Expresso. Esse é o principal problema em Portugal.
Quanto vai custar a edição em papel, ao domingo?
Ainda não está decidido. O formato será berliner, e com três cadernos, o principal, o 1864 (data da fundação do jornal) e o Dinheiro Vivo, um suplemento de economia.
Mas onde é que o DN quer estar? Isto é, não há jornais a mais em Portugal?
Também podíamos dizer isso quando o ECO apareceu, por exemplo. Já havia o Jornal de Negócios, o Dinheiro Vivo e apareceu o ECO. Eu acho que faz falta um jornal com um alinhamento ligeiramente à esquerda e mais independente. Eu não digo que seja completamente à esquerda, mas digo que não seja completamente virado para a direita, como são a maior parte dos jornais.
À direita?
É incrível verificar isso, por acaso. Porque antes havia a ideia de que os jornais e jornalistas eram todos de esquerda. Como os jornalistas estão muito próximos do poder, nas relações que têm na vida normais, porque é daí que vêm as notícias, as decisões que são tomadas, os jornalistas tendem a tomar muito a visão do grupo a que pertencem, e que no fundo é uma elite. Há muito pouco quem pense de outra forma.
Mas porque é que diz que os jornais são todos de direita?
Porque quando o Expresso escreve uma manchete, quando foi a discussão do Orçamento, que diz “Cedências ao PCP custam não sei quantos milhões ao Orçamento”, isso é um pensamento que lá no fundo tem uma ideia de que subir as reformas, deixar de haver congelamento de salários e tudo mais, é uma coisa que custa. Mas, porque é que usam a palavra “custa”? Podia ser “não sei quantos milhões vão para… ”. Essa visão de que o poder está de um lado e o que é feito de acordo com esse poder está certo… Há outra coisa que é importante, por exemplo, a visão do mundo fechado e do mundo aberto. O BE, neste momento, tem uma visão do mundo muito fechada, ou seja, não é essa a visão que o DN quer ter, por isso é que abre estas parcerias com os jornais em Angola ou no Brasil, como a Folha de São Paulo, com quem fizemos este novo acordo. Portanto, esta visão do mundo que é aberta, que é contra o fechamento do país em si próprio e contra uma visão do mundo única. O DN, por exemplo, nas páginas de política, vai ter a Margarida Balseiro Lopes, a Marisa Matias, mas vai ter também o Adolfo Mesquita Nunes. E vamos ter a nova porta-voz do PS. A ideia é abrir a redação do DN ao mundo, que é um bocadinho fechada. Há aqui uma abertura e um fechamento sem preconceitos, acho que isso vai notar-se mais no dia-a-dia.
Qual é a primeira preocupação desse modelo?
A primeira preocupação é produzir informação que se note a diferença no que estamos a fazer. Isso é um desafio bastante forte e esse trabalho com a redação, de ajustamento, de estar no meio deles e trabalhar, de os formar e dar ideias, é um trabalho de uma direção que já não é uma direção à antiga. Lembro-me que quando cheguei ao DN, o Mário Bettencourt Resendes vivia fechado no seu gabinete e não ia sequer à redação. O Ferreira Fernandes ainda ontem [segunda-feira] passou o dia ao lado de pessoas na redação, a falar com os jornalistas. Ter uma pessoa experiente naquele lugar e que sabe enquadrar as pessoas é uma mais-valia. Como é que vamos fazer informação relevante para as pessoas? Esse é o maior desafio. Eu disse que a redação não é o maior problema, porque a redação tem imensa experiência. Neste caso, estamos a dar formação aos jornalistas, estamos a falar com eles… Fizemos um acordo em parceria com a UNL, para aproveitar ferramentas de inteligência artificial, o que é que existe no mundo… As redações em Portugal estão muito afastadas deste mundo, é bom saber o que se passa, mas também é bom transmiti-lo aos jornalistas. Os jornalistas são sempre pessoas que acham que sabem muita coisa.
A estrutura acionista da Global Media, com um acionista chinês, bancos e investidores portugueses, traz alguma limitação à direção editorial do DN?
Nós temos uma relação excelente com a administração, tínhamos uma relação excelente com a anterior e temos uma relação excelente com esta, agora. Têm-nos apoiado em todos os projetos, ajudado a facilitar pequenos engulhos, por causa das diferenças do formato… A mim assusta-me órgãos de comunicação social que não tenham que prestar contas. Ou seja, para mim não faz sentido que o DN não se torne um projeto estruturalmente saudável do ponto de vista financeiro. Faremos tudo para que isso aconteça, mas se não acontecer, também saberemos tirar as suas ilações. Não faz sentido uma direção de um jornal que se está nas tintas para o modelo de negócio, para a sua viabilidade, e acho que isso ainda existe um bocado hoje em dia.
(Correção: A afirmação sobre o objetivo de vender 25 mil exemplares foi proferida pelo diretor geral comercial da Global Media, Luís Ferreira, na apresentação do novo DN, e não por Catarina Carvalho, diretora-executiva do DN).
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