“Há muito a fazer em consolidação, quer em Portugal, quer em Itália”

O CEO Matteo Castelvetri explica por que a seguradora GamaLife está a construir sucursais na Europa a partir de Portugal. Já comprou um negócio da Zurich em Itália, mas os seus acionistas querem mais.

“Quando se está sediado em Portugal, as pessoas levam-nos a sério”

Quando a gestora de fundos de investimento APAX Partners comprou a GNB Vida ao Novobanco, em 2019, o italiano Matteo Castelvetri, veio de Londres para assumir a liderança da que é hoje a GamaLife, a 5ª maior seguradora do ramo Vida em Portugal. Chegou ao final do ano passado com ativos de 8,3 mil milhões de euros, uma produção de 339 milhões de euros em Portugal e de 167 milhões em Itália e um resultado líquido de 92 milhões de euros.

Com investidores internacionais e um CEO italiano, com vida semanalmente repartida entre Lisboa, Milão e Londres, a seguradora vai ter a base em Portugal no caminho para se tornar uma seguradora multinacional. Matteo Castelvetri explica o porquê da escolha e como pretende desenvolver os negócios.

Com a expansão dos negócios para a Europa, a sede da GamaLife continuará em Portugal?

Sim, escolhemos Portugal como centro e gostamos muito deste modelo. Por isso, a nossa ideia é replicá-lo por toda a Europa.

O que considera positivo em relação a Portugal?

Há muitas coisas boas em Portugal, é um país muito estável. Reconhece-se a estabilidade no spread das obrigações do Estado e pelas indicações de investment grade que se fala será melhorado. Portanto, é uma base muito estável na Europa, assim reconhecida por outros reguladores europeus, pela comunidade empresarial é considerada como um bom sítio para fazer negócios e por em toda a Europa existe respeito das autoridades financeiras portuguesas.

Por tudo isto, quando se diz que se está sediado em Portugal, as pessoas levam-nos a sério. Depois, é um bom local para se estar baseado de um ponto de vista externo, porque Portugal é bem percecionado. Ao trabalhar aqui, ao viver aqui parte da semana, vejo que há uma boa reserva de talentos. As pessoas falam inglês, bem melhor do que eu falo português, há uma boa educação matemática, e as pessoas em geral são bem educadas. Por isso, é possível atrair pessoas muito boas e, quando se trata de quadros internacionais, eles querem vir para cá. Também por isso é um bom sítio para localizar a sede.

A primeira expansão foi para Itália e tem falado da intenção da GamaLife em crescer não só organicamente, mas também fazendo algumas aquisições. Em Portugal há alguma coisa interessante para comprar?

Penso que sim, mas não tem havido muita atividade e provavelmente batemos em todas as portas que podíamos bater. A expansão através de fusões e aquisições faz parte da nossa estratégia principal com todo o apoio dos nossos acionistas. Trata-se agora de encontrar o parceiro que queira fazer a transação connosco. Pode nada acontecer durante alguns anos e, de repente, acontecem uma série de coisas, por esse motivo continuamos esperançados em conseguir fazer mais investimentos em Portugal. Quando começámos a estudar Itália, percebemos que também lá há mais oportunidades e continuamos a olhar para o resto da Europa. Penso que ainda há muito a fazer em consolidação, quer em Portugal, quer em Itália, há mais de 20 ou 25 companhias de seguros de vida a operar no mercado.

Qual a estratégia para expansão na Europa. Países da União, leste da Europa?

Não vamos estar em muitos países e o foco está nos mercados mais desenvolvidos do continente europeu, na parte oriental é improvável.

Em Itália o que está ser feito? Começou pela aquisição de uma carteira de seguros Vida da Zurich…

Era mais do que apenas uma carteira, era uma unidade de negócio, havia pessoas e existiam contratos. Era bastante embrionário, por isso tivemos de o desenvolver, duplicámos o número de empregados, tanto em Portugal, onde começámos com menos de 50 colaboradores e agora estamos acima dos 70, como em Itália, onde começámos com dez e agora temos mais de 30.

A próxima fase em Itália será o início de uma nova produção, no final do verão estaremos prontos para iniciar um novo negócio em Itália. Por isso, não temos estado apenas a trabalhar a partir de Zurich, mas também a prepararmo-nos para andar sozinhos. Já temos alguns acordos com alguns distribuidores para fazer negócio e avançaremos assim que estivermos operacionalmente prontos.

É um mercado muito semelhante, a maioria é bancassurance. Depois há o canal de corretores e os agentes, que não exploramos em Portugal.

Matteo Castelvetri, CEO da Gamalife, em entrevista ao ECO SEguros - 26JUN24
“A quota de mercado do Novo Banco no setor bancário banca está entre 9 e 10%, a nossa quota de mercado nos seguros de Vida é de 5 a 6%. Por isso, se quisermos chegar à mesma quota de mercado, temos um enorme potencial de crescimento”.Hugo Amaral/ECO

E como crescer em Portugal? O acordo com o Novobanco é suficiente?

Ainda há muitas oportunidades de crescimento no Novo Banco. A quota de mercado do Novobanco no setor bancário banca está entre 9 e 10%, a nossa quota de mercado nos seguros de Vida é de 5 a 6%. Por isso, se quisermos chegar à mesma quota de mercado, temos um enorme potencial de crescimento. Há ainda a segunda via, a de conseguirmos encontrar outros distribuidores que queiram fazer negócio connosco. É mais difícil de concretizar, mas continuamos à procura.

Estão apenas a olhar para o ramo Vida?

Sim, Vida, poupanças, pensões é a nossa área, seguros Não Vida não fazem parte da nossa estratégia. Acreditamos que há uma vantagem em estarmos focados, em sermos especializados. Começámos a GamaLife numa altura em que as pessoas estavam menos concentradas em seguros de vida. Ganhámos alguma quota de mercado, exatamente porque estávamos concentrados onde os concorrentes não estavam concentrados. Agora temos de capitalizar com isso, temos a base, uma organização, uma plataforma, um sistema e estamos a construir sobre estas fundações.

A GamaLife tem apresentado produção e lucros muito variáveis de ano para ano, parte explicável pela integração do negócio em Itália. Vai ser sempre um negócio instável?

Essa visão tem sido a razão pela qual muitas seguradoras não gostam do ramo Vida. O negócio de seguros de vida tem volatilidade, é da sua natureza, e tem volatilidade no negócio e volatilidade contabilística, agora acrescida com a introdução das normas IFRS17. Estamos satisfeitos, a empresa e os seus acionistas, em viver com esta volatilidade. Muitos outros grupos não gostam da volatilidade e por isso vendem o negócio Vida.

E o que veem outros investidores, como a Apax, no ramo Vida?

Que ser especializado ajuda, permite saber como navegar em águas turbulentas. Podemos separar o lado da produção e o lado do lucro. No que respeita à produção, há apenas duas áreas principais. A primeira é o negócio de Vida puro risco que são coberturas de vida para garantir hipotecas ou empréstimos diretos e, portanto, é um negócio muito estável, tanto em termos de produção como de lucros totais. Depois temos a poupança que está muito ligada às taxas de juro, os impostos têm alguma influência, mas não é o principal fator.

Quando se trabalha em banca-seguros, por vezes trabalha-se com os bancos e outras vezes concorre-se com eles

A fiscalidade não é importante para a venda de produtos Vida ao público?

O ambiente fiscal é uma razão para comprar, mas o enquadramento fiscal é geralmente muito estável durante períodos largos, talvez dez anos. As taxas de juro podem mudar todos os anos. E se olharmos para os últimos dois anos e meio, vimos que as taxas de juro subiram 300 pontos base e depois desceram 90 pontos base, num ambiente muito volátil.

O canal bancassurance não provoca concorrência de produtos na relação entre banco e seguradora?

É verdade que quando se trabalha em banca-seguros, por vezes trabalha-se com os bancos e outras vezes concorre-se com eles. Por isso é bom ter muitos ramos diferentes, talvez hoje uma linha tenha um desempenho pior, mas outra tem um desempenho melhor. É por isso que gostamos de ter as linhas produtos unit-linked e linhas produtos de rendimento garantido. Por exemplo, em 2021, estávamos a começar, e lançámos produtos unit linked. O ano de 2022 foi de transição porque, de repente, os bancos começaram a ganhar muito dinheiro com a subida das taxas de juro e favoreceram os depósitos. No ano passado as taxas de juro subiram e as pessoas estão a ajustar o seu comportamento. Nós fomos muito precoces no relançamento de produtos garantidos e por isso, 2023 foi um bom ano para nós, começámos muito cedo enquanto o resto do mercado demorou algum tempo a reagir. Nos primeiros seis meses do ano de 2023, a nossa quota de mercado era de quase 12% e muito superior à do ano anterior. O nosso foco permite sermos rápidos, ágeis e adaptáveis ao ambiente.

Como se adapta essa volatilidade com colocar ações em Bolsa?

Essa é uma questão do nosso acionista, mas acho que o mercado de ações valoriza os dividendos. Tradicionalmente, as companhias de seguros, podem ser estáveis em relação aos dividendos. E precisam de o demonstrar, por exemplo, se quiserem fazer uma IPO, de que podem pagar um fluxo estável de dividendos. A estabilidade dos dividendos é mais importante do que a estabilidade dos lucros.

O modelo básico é que ambos temos fábricas de produtos e o Novobanco detém o cliente. Esse é o modelo de negócio. O nosso trabalho para os banqueiros é oferecer o melhor produto, o produto mais competitivo

E quais os objetivos dos acionistas da GamaLife?

Os nossos investidores não se concentram nos dividendos, estão focados em construir um negócio que possa crescer. Pagámos dividendos, mas não tem sido o foco principal da nossa estratégia, até fizemos a aquisição em Itália utilizando capital excedentário. E utilizar capital excedentário, não para pagar dividendos, mas para fazer fusões e aquisições, é algo que vamos continuar a fazer.

Quais são as novas táticas e os objectivos para o negócio português? Nota-se algumas preocupações com o ranking, querem ser das maiores seguradoras em Vida.

Não somos os primeiros e não podemos ser sempre os primeiros. As classificações em Portugal são muito estáveis, pode haver um ano de subida ou descida, mas geralmente os cinco primeiros são sempre os cinco primeiros e, somos um deles.

E como está a parceria com o Novo Banco?

A forma como trabalhamos com eles é muito cooperativa. Temos reuniões mensais onde discutimos o desempenho e a estratégia. É interessante porque a empresa foi propriedade do Novo Banco. Sentimo-nos muito próximos e os nossos colaboradores trabalham com eles todos os dias. É uma verdadeira relação institucional.

A GamaLife tem acordo com o Novo Banco para o ramo Vida enquanto a Mudum, pertencente ao Crédit Agricole Assurances, tem acordo semelhante para os ramos Não Vida. Há relações entre as duas seguradoras?

Nenhuma em especial. O modelo básico é que ambos temos fábricas de produtos e o Novo Banco detém o cliente. Esse é o modelo de negócio. O nosso trabalho para os banqueiros é oferecer o melhor produto, o produto mais competitivo, para que, quando forem ter com os seus clientes, possam dizer: “Olha, eu tenho isto e mais ninguém no mercado o tem”. Ou “tenho um produto tão bom como o que o mercado tem”.

Fazer um projeto IFRS 17 custa mais ou menos o mesmo se for pequeno ou grande. Assim, se formos uma pequena empresa e tivermos de gastar milhões para realizar um projeto, o impacto será muito grande nos nossos resultados, na nossa posição de capital

A quem compete a proatividade na criação de produtos?

É um trabalho conjunto. Nós temos uma ideia do que se está a passar no mercado quanto a produtos, eles sabem que os seus clientes precisam, o que lhes está a passar pela cabeça. A combinação das necessidades, e da forma como as podemos satisfazer, cria as oportunidades e os produtos.

Tendo uma volumosa carteira de investimentos quem faz a gestão?

Antes de mais, temos uma estratégia muito conservadora, temos tendência para procurar muita liquidez. Temos alguns ativos que são geridos pelo GNB Gestão de Atvos, o mais massivo é gerido pelo JP Morgan. Alguns ativos gerimos diretamente e também fazemos também algum investimento privado através da Blackrock.

Considera que a adoção precoce das normas contabilísticas IFRS17 apenas pela supervisão de Portugal e Malta dentro da EU, foi precipitada?

Não sei sobre Malta, mas sei que na maioria dos outros países se não estiver listado em Bolsa, não tem de trabalhar para com a IFRS17, enquanto em Portugal, toda a gente tem de o fazer, o que tem colocado muitos constrangimentos no mercado e muitas despesas para cumprir esses requisitos. Fazer um projeto IFRS 17 custa mais ou menos o mesmo se for pequeno ou grande. Assim, se formos uma pequena empresa e tivermos de gastar milhões para realizar um projeto, o impacto será muito grande nos nossos resultados, na nossa posição de capital. Se tentarmos contornar problemas e cortar nos custos, vamos encontrar um problema mais tarde.

Reforça a ideia da necessidade de uma maior consolidação porque o impacto que a regulamentação tem nas suas despesas operacionais pode ser muito elevado. Por tudo é melhor ser um player maior do que mais pequeno.

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