“Isso das empresas estratégicas é uma treta. Vamos pagar caríssimo pela TAP e Efacec”

CEO da BA Glass frisa que a carga fiscal está a afastar investimentos e pessoas do país e denuncia fracasso dos mega projetos do PRR, criticando ainda a intervenção do Estado no setor empresarial.

É em Portugal que a gigante BA Glass, que depois das últimas aquisições no México e na Polónia soma 15 fábricas em oito países, suporta a maior carga fiscal, contabiliza a CEO, Sandra Santos, sublinhando que o peso dos impostos e contribuições está a afastar investimentos e profissionais qualificados do país. Perspetivando o futuro político, afirma que “a geringonça gerou compromissos que foram maus para o país”, mas “também não [viu] o PS fazer uma coisa fantástica só por ter tido maioria absoluta”.

A precisamente um mês de entregar a Tiago Moreira da Silva a liderança executiva do grupo que faturou mais de 1,5 mil milhões de euros em 2023, a gestora critica a intervenção do Estado na TAP e na Efacec – “o que têm de estratégico empresas que durante anos tiveram uma operação negativa? Nada. Absolutamente nada” – e denuncia o fracasso das Agendas Mobilizadoras do PRR, “demasiado complexos para implementar alguma coisa”. “Para tomar decisões de investimento não podemos ter muitas pessoas à mesa, pois não se toma decisão nenhuma”, ilustra.

O país atravessa um cenário de instabilidade política, à espera de eleições antecipadas, com a Assembleia da República dissolvida e o Governo está em gestão. Que impacto é que isto tem para os agentes económicos?

Para as empresas que vivem só para a economia portuguesa tem mais impacto do que para as que estão centradas noutras geografias. Os governos têm, obviamente, implicações positivas e negativas, mas a economia move-se independentemente dos governos. Pode é mover-se mais devagar ou mais depressa. É mais uma questão de ritmo.

Desde logo, são interrompidos uma série de dossiês legislativos.

Certo. Mas até me preocupa mais esta instabilidade noutras áreas que são estruturais para o país, como a Educação e a Saúde. Temos de criar boas condições para que as pessoas vivam em Portugal. Preocupa-me o impacto que isto tem no desenvolvimento de políticas de longo prazo. Esta coisa de estarmos sempre a mudar as regras é mau. Na economia também não vejo uma estratégia ou uma orientação de longo prazo.

Quais as medidas com que o próximo Ministério da Economia devia avançar nos primeiros 100 dias do mandato?

Pôr em marcha os planos de longo prazo. Ia-se ver muito pouco para fora, mas mais dentro a acontecer. Por exemplo, o projeto de eficiência dos serviços fiscais introduzido pelo Paulo Macedo foi um trabalho que ficou lá para muitas gerações. É esse tipo de trabalho que gostava de ver no resto dos organismos públicos.

Reportagem na Fábrica da BA Glass em Avintes - 17JAN24
Sandra Santos, CEO da BA GlassRicardo Castelo/ECO

Como compara o nível de carga fiscal em Portugal, face aos outros países em que a BA Glass está presente?

Dos oito países em que estamos é o pior. É onde temos uma maior carga fiscal. Falo do IRC e do IRS. Podíamos usar esse dinheiro para pagar melhores salários. Quando aumentamos salários, gostávamos que as pessoas pegassem naquele dinheiro e o levassem para casa. A carga fiscal nas pessoas é gigante e isso é algo que preocupa os empresários. Pelo menos, os empresários que estão preocupados com os salários.

Perdem quadros para o estrangeiro por causa disso?

Claro. É facílimo perder gente por razões fiscais. Mais: depois os que vão [para fora] e experimentam, já é mais difícil voltarem. Porque quando voltam têm de se ajustar à carga fiscal local. Então, o gap salarial é ainda maior. É preciso ter muito cuidado com a carga fiscal. Há um bom exemplo para os economistas: as receitas fiscais do IVA dispararam e não foi porque o Estado fez um grande trabalho, mas porque os preços aumentaram. Há um efeito multiplicador. Isto é, se aumentarem os lucros, mesmo sem mexer na taxa, a receita aumenta. Se aumentarem os salários, mesmo sem mexer na taxa, a receita aumenta.

A carga fiscal afasta [as pessoas e os investimentos]. Olham para a taxa a pensam: ‘espera aí, porque é que vou ter uma fábrica aqui? Porque é que eu vou trabalhar aqui?’ Preferem ir para outro sítio. Mas se dermos tempo para que a base fiscal aumente, então aí as receitas fiscais aumentam. Esse trabalho nunca ninguém quis fazer. Também é um trabalho de médio prazo.

A carga fiscal afasta [as pessoas e os investimentos]. Olham para a taxa a pensam: ‘espera aí, porque é que vou ter uma fábrica aqui? Porque é que eu vou trabalhar aqui?’ Preferem ir para outro sítio.

José Manuel Fernandes, um histórico industrial do Norte que lidera o Conselho Geral da AEP, disse ao ECO que “os empresários não querem uma nova geringonça de esquerda”. Assusta-a também essa possibilidade no pós-eleições?

Não sei se me assusta a geringonça. Sei que a geringonça gerou compromissos que foram maus para o país. Também não vi o PS fazer uma coisa fantástica só por ter tido maioria absoluta. Seja com maioria ou sem maioria, preocupa-me que quem lá vai estar a governar seja gente que tenha uma visão um bocadinho mais de médio prazo do que de curto prazo.

Já são conhecidos os candidatos a primeiro-ministro. Está confiante que podem fazê-lo?

Não. Não confio em muitos líderes de partidos, e não só em Portugal. A Europa está com um problema de falta de gente de Estado, que olhe para o longo prazo. Estamos muito populistas e não posso dizer que é só em Portugal.

Houve dois casos recentes em Portugal, a TAP e a Efacec, em que o Estado teve uma intervenção direta. Como olha para esses dossiês?

Foi uma má utilização de dinheiro. Mas o problema não é só quando o Estado mete dinheiro, mas quando intervém antes disso tudo acontecer. Depois quando põe o dinheiro é um problema complicado porque estamos todos a pagá-lo e vamos pagar caríssimo. Estou em desacordo total. Isso das empresas estratégicas é uma treta. Nem é um critério [para salvar empresas] nem é verdade. O que é que é estratégico?! Atrair investimento bom é que é estratégico. O que é que têm de estratégico empresas que durante anos tiveram uma operação negativa? Nada. Absolutamente nada.

Nem é sensível ao argumento do emprego, que foi utilizado nestes dois casos?

Há muitas empresas em Portugal a empregar muita gente, e ninguém olha para elas. Há muita gente na Efacec que, se quiser, consegue trabalhar noutra empresa qualquer. Não há falta de mão-de-obra em Portugal?

O Estado argumentou também com o risco da perda de competências.

Usem-nas noutras empresas. A Efacec foi uma magnífica empresa e um produtor espetacular, mas isso não era verdade nos últimos anos. Começou a dispersar-se um bocadinho. O meu pai trabalhou a vida toda na Efacec e tenho um grandessíssimo respeito pela marca, mas as empresas não se podem manter artificialmente. E as competências que estão lá serão usadas noutros lados. Muita gente já saiu e está a usar as suas boas competências noutros negócios. O Estado não deve ser acionista de empresas. Não deve intervir nos acionistas.

Isso das empresas estratégicas é uma treta. O que têm de estratégico empresas que durante anos tiveram uma operação negativa? Nada. Absolutamente nada.

Como é que as empresas nacionais podem ser mais produtivas e contribuir para o crescimento económico do país?

Crescendo elas próprias. De uma forma estruturada, obviamente. Vendendo para fora ou aumentando as suas operações fora de Portugal. Temos muitas empresas exportadoras e devíamos explorar mais essa competência. E o Estado deve criar condições para atrair mais investidores, portugueses ou estrangeiros, que criem valor para o país.

Nas suas viagens de trabalho vê esse trabalho de diplomacia económica a ser bem feito?

Depende. Por exemplo, na Europa, os embaixadores às vezes tentam fazer esse trabalho e há gente que o faz bem. Depois há quem não faça nada bem do ponto de vista económico – também tem de ter competências para o fazer. Acho a AICEP tenta fazer esse trabalho, mas é preciso intensificá-lo e mostrar as coisas boas que Portugal faz. E não complicar. Veja-se o caso dos consórcios do PRR [Agendas Mobilizadoras]. Como era óbvio e toda a gente já sabia, aquilo ia ser demasiado complexo para implementar alguma coisa. Qual é a novidade? E o Governo insistiu que aquilo era o formato certo. Obviamente que não é o formato certo.

Porquê? O que é que aconteceu nessa vossa participação?

Tentámos participar. A lógica era aglutinar empresas portuguesas no mesmo [projeto]. Mas para tomar decisões de investimento não podemos ter muitas pessoas à mesa, pois não se toma decisão nenhuma. O Governo achou que, obrigando os empresários a juntar-se para terem acesso a fundos, a coisa ia acontecer. Quem gere empresas percebeu desde o primeiro dia que não ia acontecer. Por uma razão muito simples: as empresas precisam de ter autonomia de decisão. Eu estou disponível para assumir um risco, o outro ali ao lado se calhar não. Os perfis de risco são diferentes. Claro que não aconteceu. Primeiro, porque as empresas que querem investir e atrair investimentos fazem-no com ou sem fundos, fazem-no na mesma. Segundo, porque as decisões de investimento têm a ver com determinados perfis de risco e estratégia. Quanto mais gente estiver à mesa para decidir, menos se faz.

Isso está a acontecer noutras Agendas Mobilizadoras? Vários consórcios formados para o PRR já perderam empresas.

Sim. Fomos convidados até para várias e se não nos juntámos não foi por não acreditar naquelas pessoas. Isto está a acontecer em várias e algumas Agendas Mobilizadoras não vão acontecer.

As Agendas Mobilizadoras do PRR são demasiado complexas para implementar alguma coisa. Obviamente que não é o formato certo. Para tomar decisões de investimento não podemos ter muitas pessoas à mesa, pois não se toma decisão nenhuma.

A ideia era juntar empresas e instituições do sistema científico para acumular competências e ganhar escala para esses projetos de maior dimensão.

Mas as empresas juntam-se naquilo que é possível. Há até regras de antitrust que não permitem fazer determinadas coisas. Mas aquilo que é o supply chain, junta-se. Quando queremos fazer um investimento, usamos primordialmente empresas que estão cá, como construtores e produtores de equipamentos. E há empresas magníficas em Portugal. Aliás, quando corre bem, pegamos nelas e levamo-las para a Roménia ou para a Bulgária. Temos uma série de empresas portuguesas a trabalhar nas nossas obras fora do país. Portanto, as empresas procuram o seu núcleo. Agora, em investimentos grandes, difíceis, com risco, tem de haver uma primeira empresa que o decida fazer, obviamente depois usando os fornecimentos de outros. Portanto, as Agendas Mobilizadoras são um conceito teórico muito bom, mas na prática, na realidade, nas práticas de investimento, não funciona.

Mas também não é só por isso. Também há Agendas Mobilizadoras com um objetivo muito complexo e algumas dependem do investimento do Estado. Mas não estou a falar dessas. Veja-se o caso dos investimentos no hidrogénio em Portugal. Claro que não serão feitos só com uma empresa porque não há dimensão empresarial no país para isso. As empresas juntam-se naturalmente. Claro que há muitas empresas mais pequenas que, sem aqueles fundos, o investimento não sai e entram num círculo negativo. Como não sai, também não investem. Acredito mais numa menor intervenção do Estado na área económica e nas decisões de investimento.

No caso da BA Glass, qual é atualmente o nível de utilização de fundos comunitários?

Tínhamos há uns anos os fundos de apoio ao investimento, que depois deixaram de ser aplicados particularmente à indústria. Hoje, Espanha é talvez o único país onde estamos em que os subsídios aos investimentos ainda são relevantes. O resto já não existe. Obviamente, usufruímos de benefícios fiscais. É uma coisa mínima, mas são importantes. Vou ser transparente nisso. Não acredito nada na subsidiação direta, zero. E, por isso, não estamos nada preocupados com isso. Acredito nos incentivos através da redução fiscal. Ou seja, se as empresas investem e são bem-sucedidas, há que lhes dar um benefício por isso. Porque às vezes os investimentos estão errados e, portanto, o Estado está a subsidiar uma empresa que ou não perdura ou gera prejuízos. Não faz sentido. Deve beneficiar-se aqueles que criam riqueza para pagar salários mais altos e para investirem.

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