“Linha de Trás-os-Montes permite escoar mercadorias de todo o Norte”

Repor comboio nos distritos de Vila Real e Bragança permite fortalecer coesão territorial em vez de "rasgar o território", como fez a autoestrada da região transmontana, frisa Associação Vale d'Ouro.

O comboio pode voltar a parar em Vila Real, Bragança e Mirandela com a construção da Linha de Trás-os-Montes. A proposta é da Associação Vale d’Ouro e conta com o apoio dos municípios desta região. Além de pôr a cidade do Porto a 2 horas e 45 minutos da capital espanhola, a nova ligação ferroviária pode pôr a cidade Invicta a menos de 1 hora e 15 minutos de Bragança.

As empresas também podem ficar a ganhar com a nova linha. “É uma oportunidade de escoar as cargas do Porto de Leixões e todo o tecido industrial do Norte”, referem ao ECO os autores do estudo. A nível territorial, o trajeto sobre carris também servir como um “fator de coesão” em vez “rasgar o território”, como aconteceu com a autoestrada A4.

Autores do estudo da Linha de Trás-os-Montes: Kátia Rocha, Cláudio Pereira, Alberto Aroso e Luís Almeida, com um comboio japonês de alta velocidade (Shinkansen) junto à locomotiva em exposição em Vila Real.

Qual é a utilidade da Linha de Trás-os-Montes para passageiros e para mercadorias?

Luís Almeida (LA): Significa a revolução de toda a mobilidade de Trás-os-Montes e do país. Trata-se de uma linha de altas prestações que corta a diagonal entre Porto e Bragança e que depois consegue a ligação, de 40 quilómetros, da fronteira até Zamora, com tempos de viagem que rondam as 2h45 até Madrid.

Ainda no outro dia, em Miranda do Douro, ouvia a população a queixar-se da falta de médicos que pudessem estar nos centros de saúde. Com a nova linha, um médico do Porto pode ir para Miranda do Douro de manhã, dar as consultas e regressar a casa à noite – e vice-versa. Nenhuma das novas linhas propostas para o país pode provocar um impacto tão grande como esta.

Para as mercadorias, trata-se de ligar diretamente à Europa a segunda maior área metropolitana do país sem estar dependente do centralismo de Madrid e é uma oportunidade de escoar o Porto de Leixões e todo o tecido industrial do Norte – que está sobretudo acima do Douro.

Porquê apostar nesta linha quando há um projeto de modernização da Linha da Beira Alta, que é muito defendido pela indústria em Portugal?

Alberto Aroso (AA): Só em 2021 uma associação resolveu desmistificar a Linha de Trás-os-Montes. Se isso tivesse acontecido mais cedo, a postura de quem defende outro corredor iria mudar. É à volta do Porto de Leixões e do aeroporto Francisco Sá Carneiro que estão os principais operadores logísticos, como a Tertir e a Cosco. É nesta zona que estão muitos contentores. À volta do Porto de Aveiro não há nenhum operador logístico. A linha tem de se adaptar ao contexto e ao centro de atividade económica. O que faz sentido é a linha ser construída no norte do país. A Linha do Minho serve o fluxo de mercadorias da fachada atlântica, que passa pelo transporte de produtos siderúrgicos e de madeira. Pode-se pensar que esta linha pode transportar contentores até Monforte de Lemos, em Espanha, e seguir para a Europa.

Podemos colocar Trás-os-Montes no mapa da Península Ibérica, o que dará uma nova dinâmica na procura da região, atraindo mais pessoas.

Associação Vale d'Ouro

Qual a ligação da nova linha com a restante rede ferroviária nacional?

LA: A linha arranca junto ao aeroporto Francisco Sá Carneiro, onde se espera que passe a nova linha de alta velocidade até Vigo. Os comboios da Linha do Minho também poderão entrar nesta linha. Em Vila Meã, haverá ligação à Linha do Douro, que passará a estar acessível ao aeroporto Francisco Sá Carneiro, o que é muito importante para o turismo.

Também propomos uma ligação a Chaves, com a reformulação do canal da Linha do Corgo, que passará da bitola métrica para a bitola ibérica e permitir velocidades de até 160 km/h, permitindo a continuidade de serviços.

Na chegada a Zamora, além da ligação à linha convencional, permitirá aceder à linha de alta velocidade até Madrid.

As autoestradas para o interior são criticadas porque servem sobretudo para retirar a população mais depressa dos locais do que as povoar. O comboio terá um efeito diferente a nível de coesão?

LA: A Kátia [Rocha] é de perto da região de Chaves e quanto a A24 foi aberta verificou-se que a maternidade teve menos atividade. Nas áreas metropolitanas do Porto e de Lisboa, nota-se que a população concentra-se em torno da linha do comboio. As autoestradas rasgam o território; o comboio promove a coesão. Espanha faz isto há 30 anos.

AA: As políticas atuais de coesão dão um claro enfoque à utilização do caminho-de-ferro como espinha dorsal de todo o sistema de mobilidade e à utilização de todas as vias existentes. Daí a integração da Linha do Douro com a Linha de Trás-os-Montes.

LA: Com a Linha de Trás-os-Montes e a Linha do Douro, estamos a cobrir dois terços do norte do país com uma estação de comboios a 30 minutos de distância, no máximo.

A nova linha não pode pôr a Linha do Douro como um serviço cada vez mais restrito a turistas? Ou isso não é necessariamente mau?

LA: O turismo é o futuro da Linha do Douro mas há movimentos casa – trabalho diários que só não são mais frequentes porque houve um esquecimento total do que acontecia nesta linha. Se não fosse assim, o Pinhão poderia estar a hora e meia do Porto – em vez das atuais 2h30. Se reduzirmos os tempos de viagem, ainda assim, poderemos ter mais pessoas a morar na Régua, São João da Pesqueira e no Pinhão, pois as sedes de concelho estão a menos de 10 minutos da linha de comboio. A Régua pode mesmo ser uma cidade-satélite do Porto.

AA: Com a eletrificação até à Régua, será possível fazer um comboio Intercidades Porto – Régua de 1h30. Com a linha de Trás-os-Montes e a ligação a Vila Meã, Régua ficaria a 1h15 do Porto. Podemos colocar Trás-os-Montes no mapa da Península Ibérica, o que dará uma nova dinâmica na procura da região, atraindo mais pessoas. Basta ver o que aconteceu com a cidade do Fundão, que foi capaz de atrair quadros qualificados na área digital. Atualmente, Trás-os-Montes é a região de Portugal mais próxima do centro da Europa e, no entanto, é a que está mais afastada do centro da Europa.

O orçamento proposto para a construção da linha é de 4,4 mil milhões de euros. Quem acham que vai financiar as obras? Poderão entrar fundos privados?

LA: É um investimento ao nível do Corredor Internacional Norte, que já se decidiu que vai ser feito. A dúvida é se o fazemos a norte ou a sul do Douro. Temos de escolher a localização que gera mais-valias estratégicas traz para o país e a que permite amortizar este investimento mais depressa. Se é acima ou abaixo do Douro, este estudo tem de ser seriamente feito, para se tomar a melhor decisão possível. Temos de gastar muito bem o dinheiro.

AA: A linha pode ser financiada através do Orçamento do Estado e com fundos comunitários. Em alternativa, pode ser constituído um agrupamento de todos os concelhos da região. Estes municípios, depois, podem ir bater à porta do Banco Europeu de Investimento, apresentar um projeto de investimento conjunto e depois financiarem-no sem estarem dependentes do Orçamento do Estado. Depende muito da vontade política de toda a região. Na fase de obra, este investimento vai gerar um nível de incorporação nacional de perto de 90%, catalisando a economia nacional.

Para as mercadorias, trata-se de ligar diretamente à Europa a segunda maior área metropolitana do país sem estar dependente do centralismo de Madrid e é uma oportunidade de escoar o Porto de Leixões e todo o tecido industrial do Norte – que está sobretudo acima do Douro.

Associação Vale d'Ouro

O que explica que no Plano Ferroviário Nacional tenha sido proposta uma linha entre Caíde e Bragança, sem continuidade até Espanha?

LA: Aí está o exemplo de um mau investimento. É deitar dinheiro fora.

AA: Tal como essa linha está proposta, um autocarro é mais rápido entre Porto e Bragança do que um comboio. Não vale a pena fazer sequer uma escavação.

LA: Não vamos fazer um buraco no Túnel do Marão para se pôr um comboio a 120 km/h. Não faz sentido.

O vosso estudo diz mesmo que só se justifica construir a linha se os comboios circularem a pelo menos 200 km/h.

LA: Só assim teremos tempos de viagem competitivos. Se a linha apenas começar em Caíde, perde-se logo mais de 45 minutos à saída do Porto por causa da saturação da linha do Douro. Com este tempo, praticamente dá para chegar a Vila Real.

Têm apoio da CCDR-N para o vosso projeto?

LA: Mostrou-se favorável às vantagens que este estudo introduz no Norte mas são os autarcas que terão a palavra final.

Com a Linha de Trás-os-Montes e a Linha do Douro, estamos a cobrir dois terços do norte do país com uma estação de comboios a 30 minutos de distância, no máximo.

Associação Vale d'Ouro

Quando poderemos ter a Linha de Trás-os-Montes a funcionar?

LA: A linha Porto-Soure, com 150 quilómetros, ficará pronta em cinco anos. Temos pela frente pelo menos dois anos de estudos de impacto ambiental e de impacto económico. Usando os modelos das parcerias público-privadas e com uma vontade férrea local e do Estado, não é ser demasiado otimista dizer que daqui a 10 anos poderia estar a circular um comboio entre Porto e Vila Real, por exemplo. Se amanhã o ministro João Galamba disser que a linha é para avançar, podemos apostar numa estimativa de 10 a 15 anos.

AA: Com um projeto de execução pronto até 2030, conseguiríamos inaugurar a linha em 2035, no máximo dos máximos.

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