Manuel Tarré: “Vivemos num país onde são premiados aqueles que têm prejuízos”

Uma taxa de IRC ou de derrama mais baixa são prémios que as empresas com finanças sãs e com lucros deveriam receber, defende o CEO da Gelpeixe, Manuel Tarré.

Manuel Tarré elogia o Orçamento do Estado para 2018, porque não traz muitas alterações para as empresas. Ainda que esteja consciente que os partidos de esquerda vão introduzir um aumento da derrama na especialidade, o CEO da Gelpeixe, uma PME que celebra 40 anos de atividade, defende que as empresas que não estão endividadas e têm um bom desempenho deveriam ser premiadas: seja por uma descida da taxa de IRC, seja da derrama estadual.

A subida da derrama estadual, proposta pelos partidos de esquerda, e que o PS deverá votar a favor, “é mais uma penalização” que não é “oportuna neste momento”, diz Manuel Tarré, cuja empresa será apanhada por este aumento de impostos para as empresas com lucros acima de 35 milhões de euros. O empresário lamenta que não haja estímulos “para aqueles que apresentam lucro”. “Parece que vivemos num país onde são premiados aqueles que têm prejuízos”. Apesar de não equacionar uma alteração da sua sede fiscal, para países como o Luxemburgo, admite que se o agravamento da carga fiscal persistir poderá optar por essa solução.

A solução governativa tem sido muitas vezes uma surpresa positiva e, na sua opinião, a mudança de liderança no PSD deverá ajudar a criar uma verdadeira oposição ao Executivo. Deixa uma nota de preocupação relativamente ao que se passou em Palmela — e que admite que pode também acontecer na Gelpeixe.

Ao longo destes 40 anos, quais foram as principais dificuldades que sentiu? As mudanças de cor política pesaram na forma como conduziu a empresa?

Não é a cor política. É a qualidade humana das pessoas que mandam no país. Essa é que faz realmente a grande diferença. Não vou dizer que a cor política seja indiferente, mas a qualidade das pessoas conta muito mais. Uma das coisas que nós empresários nos podemos queixar — pelo menos quando investimos o nosso próprio capital — é a mudança de regras a meio do jogo. Todos os governos, independentemente, da cor fazem: partimos com umas regras e chegamos ao final do jogo com outras.

Sente que foi algo mais frequente nos últimos anos, fruto das crises financeiras que o país foi atravessando?

Vem desde há muito tempo. Este Orçamento de Estado traz poucas alterações. Isso é bom. Independentemente de podermos fazer coisas muito melhores. A expectativa quando há um novo Orçamento do Estado é que se vai apertar mais o cinto aos portugueses, às vezes a quem necessita muito e às empresas que pagam impostos que são uma minoria.

Este Orçamento de Estado traz poucas alterações. Isso é bom.

Manuel Tarré

CEO da Gelpeixe

Pedro Passos Coelho dizia que este não era um Orçamento amigo das empresas. Discorda?

É difícil porque não sei o que tenciona dizer com essas palavras. Diria que se deveria ter cumprido, e foi no Governo deles que se passou, a redução do IRC…

Que estava acordada com o PS.

Que estava acordada com o PS e não se cumpre. Parece que o dizer-se que se vai fazer e o não fazer é uma coisa natural. Na voz da maior parte dos políticos isto é normal. Na voz de um empresário se dizemos que vamos fazer e não fazemos isso tem um nome: somos mentirosos, não cumprimos e perdemos imagem. E isto deveria ser um compromisso que os políticos deveriam ter. Quando dizem que o fazem ou vão fazer, fazem-no.

As matérias fiscais deveriam ser alvo de pacto de regime?

Quando se promete que se vai fazer, e os dois maiores partidos deste país assinam um compromisso, só têm de o cumprir. Até porque a maior parte das empresas não apresentam lucro. E não há um estímulo para aqueles que apresentam lucro. Parece que vivemos num país onde são premiados, ou não são penalizados, aqueles que têm prejuízos. E aqueles que fazem das tripas coração, as gestões mais adequadas, que cumprem compromissos muito sérios com as suas equipas, que muitas vezes têm dificuldade em dormir durante a noite para saber como vão viver no dia seguinte e chegam ao final do ano e têm lucro, não têm nenhum prémio por causa disso.

Parece que vivemos num país onde são premiados, ou não são penalizados, aqueles que têm prejuízos.

Manuel Tarré

CEO da Gelpeixe

Não se premeia o sucesso?

Não. Tolera-se o insucesso, mas não se premeia o sucesso.

Está preocupado com a proposta de alteração sugerida pelo PCP, Bloco e Verdes para aumentar a derrama estadual?

É mais uma penalização que não me parece oportuna neste momento. Mas se ela acontecer é mais uma penalização, é mais alguma coisa que surge de uma forma desadequada.

A Gelpeixe será afetada pelo aumento da derrama estadual?

Claro.

Faria sentido para si mudar a sede fiscal da empresa, por exemplo para o Luxemburgo?

Se olhar para os números, certamente que sim. Deslocar a sede fiscal seria algo que deveria fazê-lo. Mas não sou capaz de o fazer.

Porquê?

Porque temos de dar a este país algumas possibilidades de poder gerar riqueza para todos os portugueses. E apesar de isso ser possível adequar, ainda não estou nesse patamar de rigor de poder desviar, legalmente, a sede para um outro país da comunidade europeia para benesses fiscais. Não estou ainda aí e espero nunca lá estar.

E o que o faria tomar essa decisão?

Se continuarmos a ser fustigados por esta quantidade de impostos e falta de rigor com que os políticos os impõem ou surpreendem. Quero acreditar que ainda é possível haver bom senso neste país e haver algum rigor. Quero acreditar… ou melhor tenho a certeza que temos bons políticos, pessoas sérias e de compromisso. Infelizmente são uma minoria, mas existem. E devem ter em conta que a riqueza para o país depende muito do que as empresas fazem. Não é o que o Estado faz através das suas empresas estatais. É o que os privados fazem com o seu próprio capital, sobretudo aqueles que não têm endividamento nem estão pendurados na banca, como é o nosso caso. Estas empresas que não têm endividamento junto da banca, que têm os seus capitais próprios reforçados, que dão passos de uma forma consistente e muito preocupados em amanhã não estarem piores do que hoje, deveriam ser premiadas.

Com que tipo de prémio?

Com uma taxa de IRC diferente, com um prémio adicional de bom comportamento, seja ele qual for, desde a isenção das derramas, a qualquer um outro. Deve-se premiar tal como fazemos nas nossas famílias quando temos filhos premiamos os bons resultados escolares. Deveria fazer-se a mesma coisa.

Com uma taxa de IRC diferente, com um prémio adicional de bom comportamento, seja ele qual for, desde a isenção das derramas, a qualquer um outro. Deve-se premiar tal como fazemos nas nossas famílias quando temos filhos premiamos os bons resultados escolares.

Manuel Tarré

CEO da Gelpeixe

Gostaria que a proposta do CDS de que as horas extra pudessem ficar isentas de IRS fosse aprovada? Ia favorecer a produtividade?

Com certeza. É uma medida de bastante bom senso. Muitas vezes dizemos que os trabalhadores fazem as 40 horas (aqueles que as fazem, os nossos contratos têm menos) e não querem continuar a trabalhar. Não é verdade. Não falando da Gelpeixe, porque premiamos a rentabilidade dos trabalhadores no final do ano, através da atribuição de mais do que o 14.º salário, chegamos a ter colaboradores com 17.º salário, consoante a produtividade. Há pessoas que estão interessadas em fazer horas de trabalho, em levar esse extra do seu trabalho, completamente merecido e que não deveria ser penalizado. Diria que isso é uma medida inteligente. Dificilmente passará. Mas se passasse estaríamos a dar um passo de gigante no caminho do bom senso.

Qual a medida que gostaria de ver inscrita neste Orçamento do Estado que não está?

A redução do IRC, era a medida. Era a medida porque, inclusivamente, aporta investimento a Portugal. É uma questão de visão. É verdade que entram milhões através do IRC. Mas não é essa a diferença: é a diferença de ser credível e não ser credível. Se os partidos assinam, se têm um acordo, têm de o cumprir.

Uma taxa de 19%?

19% parece-me correto… Se tivéssemos o IRC no nível daquilo que foi proposto, provavelmente teríamos muitas empresas estrangeiras que poderiam vir para Portugal. Mas mais, ou tão importante como a redução do IRC, é não alterarem as legislações.

Se tivéssemos o IRC no nível daquilo que foi proposto, provavelmente teríamos muitas empresas estrangeiras que poderiam vir para Portugal. Mas mais, ou tão importante como a redução do IRC, é não alterarem as legislações.

Manuel Tarré

CEO da Gelpeixe

Ter estabilidade fiscal…

A estabilidade fiscal é importantíssima. Este Orçamento poderá ter a penalização que referiu [aumento da derrama] mas não aparenta mais nada. Quando se lê um Orçamento é sempre qualquer coisa de pior que vai acontecer. Seria simpático, um dia, termos um Orçamento em que qualquer coisa de bom vai acontecer…

A geometria deste Executivo, com um apoio parlamentar dos partidos mais à esquerda torna mais difícil a realização desses seus ensejos?

Não tenho a certeza. Apesar de estarmos com um Governo muito voltado à esquerda, tenho visto, num ou noutro caso, medidas de muito bom senso.

Como por exemplo?

Olhar para as empresas como parte integrante da riqueza global do país e não tenho a certeza que não tenha sido assim. De início fiquei muito preocupado, com alguns alertas relativamente ao que iria acontecer. A própria CDU tem tido, num ou noutro casos, comportamentos desajustados, como o que se fala de Palmela. Não se pode ir tão longe nas argumentações. Temos de ser sensatos e ver a forma de os portugueses ficarem melhor, perceber o que as empresas precisam para poderem desenvolver-se e partilhar a sua riqueza com as pessoas que nela trabalham que mais não seja pelos postos de trabalho que criam.

Palmela é um exemplo paradigmático de os sindicatos num braço de ferro para ver quem tem mais poder…

Oxalá que Palmela nunca acabe, como outros exemplos, a fechar portas por brincadeiras como estas. E depois ninguém tem culpa, a culpa morre solteira. Não é possível. Isto deveria ser causa-efeito, responsáveis pela situação têm de ser penalizados e não se pode brincar com coisas destas, são investimentos muito grandes. Portugal não precisa de uma Palmela, precisa de cinco.

Precisamos de gente que acredite em nós, que venha aqui investir, que crie riqueza e dinamismo e que traga toda uma tecnologia à volta, como a fábrica de Palmela trás. São exemplos que todos devemos acarinhar, independentemente dos partidos. O que me custa mais é ir buscar a argumentação do não querer fazer. As empresas precisam que as pessoas estejam nos seus projetos e têm de pagar para as pessoas lá estejam. Mas também devemos entender o ponto de vista do empresário, pequeno ou grande, que quando faz o seu investimento tem de ter o seu retorno. Se tem o seu investimento em risco pode deslocar a fábrica para outro lado.

Perante os resultados das autárquicas, com o PCP a perder algumas câmaras importantes, uma das análises antecipava que o PCP teria a tentação de voltar a trazer os sindicatos para a rua…

É provável.

Dada a natureza da sua indústria, com muita mão-de-obra, tem receio que existam sublevações também na sua empresa?

Pode acontecer, mas pela experiência que tenho com o PCP no município de Loures, que tem como presidente Bernardino Soares, faz uma gestão que têm dado um apoio muito grande às empresas. Mas entendo que a perda de votos e a perda de câmaras e de visibilidade possa levar os sindicatos a fazerem-se mais ouvir. Espero que isso não aconteça porque Portugal merece melhor. Esses jogos não são perfeitamente claros e, na minha opinião, não devemos passar por eles outra vez.

Entendo que a perda de votos e a perda de câmaras e de visibilidade possa levar os sindicatos a fazerem-se mais ouvir. Espero que isso não aconteça porque Portugal merece melhor.

Manuel Tarré

CEO da Gelpeixe

Teme que o próximo Orçamento do Estado já seja um reflexo dessas dificuldades acrescidas no seio da geringonça?

Não acreditávamos que a geringonça funcionasse e funciona. Não acreditávamos que houvesse respeito dentro da geringonça e existe. Acreditava que houvesse oposição pelo menos do partido mais relevante que fosse positiva, ativa e que os portugueses se pudessem rever nela. Não temos. Temos sim, no CDS-PP, uma oposição sensata e equilibrada que estuda os seus dossiers, aliás como estudam alguns partidos da esquerda e quando afirmam e têm opinião são opiniões válidas. A geringonça vai funcionando e os números vão surgindo, independentemente, e não é menos verdade, de estarmos a colher efeitos, das decisões que foram tomadas pelo Governo passado. Espero que não haja mais embaraços e que haja vontade política de quem comanda de se evitarem situações desagradáveis para o país.

Uma mudança de liderança no PSD vai alterar esse cenário? Pedro Santana Lopes ou Rui Rio vão fazer a diferença?

Sim, sem dúvida. Não sei se vão fazer a diferença. Não os conheço pessoalmente. Pedro Santana Lopes conhecemos daquilo que aconteceu no passado e temos uma imagem com algum ponto de interrogação relativamente ao que é capaz de vir a fazer depois do que já fez e da imagem que já criou. O Rui Rio é um homem que vem de um trabalho bem feito, positivo. Tem-se uma boa imagem do Rui Rio. Se é pessoa para liderar um partido da oposição e para ser um sério candidato a primeiro-ministro não sou a pessoa mais habilitada para o poder afirmar. Mas, pelo menos, pelo seu passado, é um passado que fala por si. Mas depois estar como primeiro-ministro, a tomar decisão para o país, a dar pelouros e a convidar ministros para estarem à sua volta, no seu projeto, é um outro desafio, que não sei se será a melhor praia para eles.

Pedro Santana Lopes conhecemos daquilo que aconteceu no passado e temos uma imagem com algum ponto de interrogação relativamente ao que é capaz de vir a fazer. Rui Rio é um homem que vem de um trabalho bem feito, positivo.

Manuel Tarré

CEO da Gelpeixe

Oxalá que tanto um como o outro sejam sérios candidatos da oposição, mas não para continuarmos na mesma linha. Candidatos sérios a propor coisas com dimensão e que sejam dignas e não de embaraço para ganhar mais votos. Que não haja a continuação.

Por exemplo, na consolidação das contas púbicas?

Urge ao Governo baixar o custo do Estado, é muito pesado. Todos sabemos que não é fácil, mas é preferível tomar medidas fortes e reduzir esse custo, do que continuar a vê-lo, muitas vezes até crescer, tendo nós, todos os portugueses, que pagar e depois não possibilitando que sejam reduzidos impostos, como por exemplo o IRC.

Este Governo tem apostado numa trajetória de consolidação das contas públicas…

É verdade…

Até mais do que se esperaria de um Governo de esquerda.

É verdade, não está ainda nos níveis que disseram que iriam estar, mas estão a caminho de o fazer. Mas é simples. Todos ganhamos se tivermos governos que nos deem credibilidade e que tenham medidas de compromisso. E que as cumpram. A política que temos tido dos dois principais partidos muitas vezes envergonha-nos, um dizer mal constante. Muitas vezes estão mais interessados em dizer mal um do outro do que em dizer como vão resolver os problemas do país ou olhar para si e perceberem como podem ser melhores.

  • Paula Nunes
  • Fotojornalista

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