Medina é “decisivo para desbloquear a greve” nos portos, diz líder sindical

Serafim Gomes, presidente do sindicato "desligado" da CGTP ou da UGT que está a bloquear os portos portugueses, chama o ministro das Finanças às negociações e rejeita culpa nos prejuízos das empresas.

O líder do Sindicato Nacional dos Trabalhadores das Administrações Portuárias (SNTAP), organização que por “uma questão de independência (…) não está, nunca esteve e nunca estará” filiado na CGTP ou UGT, detalha o que está em causa no processo negocial com o Governo, explica quando e porque tudo mudou nas negociações com o ex-secretário de Estado das Infraestruturas. E adverte que a tutela do Ministério das Finanças é “decisiva” para resolver o diferendo salarial.

Numa entrevista ao ECO em que chama Fernando Medina à mesa das negociações, Serafim Gomes sublinha que “o Governo devia ter um bocado mais de consideração com os danos que as empresas estão a sofrer” pela paralisação que vai afetar os principais portos nacionais até ao final de janeiro, embora critique o “exagero” de quem diz que “vai faltar a farinha para o pão ou o milho para as galinhas”. Recusa ser responsabilizado pelos prejuízos e alega que o conflito “só não se resolve por uma questão de caturrice”.

Quando foi criado este sindicato, quantos trabalhadores representa e porque não são filiados na CGTP ou na UGT, as duas maiores confederações sindicais do país?

Este sindicato foi criado em 1977. Existe há mais tempo que a UGT, por exemplo. Não está, nunca esteve e nunca estará inserido em nenhuma central sindical. Porquê? Representamos os trabalhadores das administrações portuárias, desde Viana do Castelo até à ilha das Flores. E em termos de verticalidade, é desde a classe mais baixa, o auxiliar, até diretores – já têm sido nossos associados.

Não somos um sindicato de uma classe, do género corporativo como há alguns – e sem nenhum sentido depreciativo. Representando um leque geográfico e de classes profissionais tão vasto, não daria bom resultado estar inserido numa central sindical. É uma questão de independência. Toda a gente sabe que quem está inserido em centrais sindicais está influenciado – é o mínimo que se pode dizer – pela agenda dos partidos. Nós temos a nossa própria agenda e neste momento rondamos os 1.000 associados.

Em resumo, o que está em causa neste conflito que está a afetar a atividade dos portos nacionais?

São duas ordens de questões. Uma é transversal a todas as administrações portuárias, que é uma proposta de revisão salarial para 2023. É tentar recuperar de algum modo a perda do poder de compra que os trabalhadores têm vindo a ter desde 2009, que se recuperou um pouquinho no ano passado, mas que foi agora extremamente agravado com a inflação. Em termos percentuais? O que lhe posso dizer é que não chegava aos dois dígitos. Até consideramos que era uma proposta bem comedida, perante os valores da inflação que estão agora a sair.

E depois havia algumas questões pontuais internas de algumas administrações portuárias, já que em algumas delas subsistem problemas óbvios de violações do acordo coletivo em vigor.

Quem são os vossos interlocutores?

Os primeiros interlocutores, à partida, são os empregadores, que são os conselhos de administração das administrações portuárias. E depois são as duas tutelas: a setorial, que é a das Infraestruturas, e a financeira, que é o Ministério das Finanças.

É uma questão de independência. Toda a gente sabe que quem está inserido em centrais sindicais está influenciado – é o mínimo que se pode dizer – pela agenda dos partidos. Nós temos a nossa própria agenda.

Qual foi o filme das negociações nas últimas semanas?

Começámos por não ter resposta nenhuma. As respostas e as reuniões que solicitávamos só começaram a aparecer depois de termos emitido o pré-aviso de greve, no dia 6 de dezembro. Até lá andámos a pedir reuniões e a fazer propostas, sem ninguém nos responder ou sentar-se à mesa connosco.

E depois do pré-aviso de greve, a partir de 6 de dezembro?

Fizeram-se muitas reuniões. Foi um período muito intenso, com as duas principais administrações onde havia problemas – de Aveiro e Figueira da Foz; e de Sines – até chegarmos a resultados concretos – ou naquelas situações em que não pôde haver um acordo imediato, consensualizou-se o caminho que se havia de seguir para resolver os problemas. Ou seja, fizeram-se progressos assinaláveis nessas questões até dia 21 de dezembro, o que ajudaria muito a ponderar, eventualmente, a desconvocação da greve. Esses pontos estavam praticamente resolvidos.

Já tínhamos tido várias reuniões e contactos presenciais e telefónicos com a tutela setorial, através do senhor secretário de Estado das Infraestruturas, só que a partir de 21 de dezembro, [Hugo Santos Mendes] veio com umas posições que contradiziam os compromissos que ele próprio já tinha assumido connosco. E tomou uma posição do género ‘ou tudo ou nada’, deitando por terra os acordos e os avanços que se tinham conseguido com aquelas duas administrações.

No fundo, era para validar esses avanços?

Sim. Validar o que já se tinha consensualizado e que nós dávamos por resolvido. Faltava só resolver a questão salarial. Mas a partir do dia 21 de dezembro, o senhor secretário de Estado pura e simplesmente não teve mais nenhum contacto connosco e voltou quase tudo à estaca zero.

Qual foi a explicação que ele vos deu?

A explicação é que o senhor queria uma espécie de tudo ou nada. Ou nós levantávamos a greve naquela altura, sem termos garantia nenhuma relativamente ao problema da questão salarial, ou dava por anulado tudo o que se tinha conseguido com as administrações. E nunca, desde o início das conversas, se tinha falado em acordos globais para o eventual levantamento da greve. Foi um retrocesso na posição e a partir de 21 de dezembro não houve mais contactos. As Finanças nunca falaram connosco.

Há outro interlocutor que é o Ministério das Finanças, pelo qual passa necessariamente esta negociação – e que não é ultrapassável. A tutela que neste momento é decisiva na resolução da greve e da questão salarial é o Ministério das Finanças. E o senhor ministro [Fernando Medina] está por lá ainda.

Ficaram mesmo sem interlocutor na última semana de 2022. As Infraestruturas vão agora ter uma nova equipa a pegar nos dossiês.

Temos interlocutores, sim. Porque há dois. Há outro interlocutor que é o Ministério das Finanças, pelo qual passa necessariamente esta negociação – e que não é ultrapassável. A tutela que neste momento é decisiva na resolução da greve e da questão salarial é o Ministério das Finanças. E o senhor ministro [Fernando Medina] está por lá ainda.

No atual cenário, a greve é para manter até ao fim do mês?

Estamos sem interlocutor setorial, mas neste momento era a mesma coisa – estar lá ou não estar o senhor secretário de Estado – porque a partir do dia 21 não houve mais conversa nenhuma. Decisiva mesmo é a tutela financeira. Tem de ser ela a desbloquear a greve. Enquanto não adaptaram o despacho que estabelece um teto máximo de 5,1% no aumento da massa salarial para todo o setor empresarial público, não se consegue fazer nada em termos de revisão salarial.

Que impacto tem esse despacho, assinado a 15 de dezembro?

É um despacho cego porque não atende ao tipo de empresas públicas nem à respetiva situação financeira. Há empresas públicas que são deficitárias e altamente subsidiadas pelo Orçamento do Estado, mas no caso das administrações portuárias não é nada disso. O Estado não mete aqui um centavo, antes pelo contrário. O acionista todos os anos vem buscar uns bons milhões de dividendos.

O resultado da aplicação do despacho é uma coisa impensável porque, para estes senhores, para a massa salarial conta tudo e como os regimes salariais, sobretudo em termos de remunerações acessórias, não são iguais em todas as administrações portuárias, o resultado seria absurdo. Além de distinto de porto para porto, em algumas administrações, o que sobra daquele teto da massa salarial é quase nada. Nas maiores, sobretudo, na prática é quase um congelamento, como foi no tempo da troika. Tem de haver uma adaptação desse despacho às circunstâncias concretas das administrações portuárias.

Porto de LeixõesAPDL

Face aos danos que estas greves nos portos criam nas empresas, contava com um maior esforço político por parte do Governo?

Sim. Houve uma carta aberta escrita ao primeiro-ministro [divulgada pela AEP – Associação Empresarial de Portugal] que está muito bem feita, realmente. No fundo, faz um apelo ao diálogo. Mas estamos a falar sozinhos, para as paredes. Parece-nos que, perante as repercussões que a greve está a ter, já devia ter havido um bocadinho mais de atenção, não só aos trabalhadores, como ao próprio setor empresarial. O Governo devia ter um bocado mais de consideração com os danos que as empresas estão a sofrer. Nós sabemos que existem, mas não nos responsabilizem por eles.

Fizemos uma proposta de revisão salarial – já para não falar nos outros problemas [específicos] – com dois ou três meses de antecedência. Ninguém se pronunciou nem acusavam a receção da proposta. Só havia uma maneira de nos fazermos ouvir, que era através do aviso prévio. Depois disso tentámos com muita intensidade ir resolvendo os problemas, passo a passo. Até haver uma rutura por parte da tutela setorial e um retrocesso completo. E não podemos baixar os braços perante isto. A nossa reivindicação é justa, exequível. E só por uma questão de caturrice é que não se resolve.

Os efeitos da greve são mesmo maiores em Leixões?

Penso que isso é resultado de o setor empresarial do Norte se estar a movimentar muito mais que os restantes. Não sou capaz de medir os impactos em cada porto, mas em Lisboa e em Sines também tem havido perturbações. Na sexta-feira passada havia 50 navios ao largo no conjunto dos portos portugueses. E estes são os que sabemos que estão parados; depois há todos os outros que se sabe que vêm em rota para os portos portugueses e que não estão contabilizados aqui. Vêm em velocidade reduzida, vêm devagarinho para não parecerem que estão parados.

Em sete dias da semana, os portos estão a trabalhar cinco, durante 24 horas. Como é que podem vir dizer que vai faltar a farinha para o pão ou o milho para as galinhas? Atrasos haverá, com certeza. Agora, que haja quebra de abastecimentos não estou a ver como.

A federação das indústrias agroalimentares (FIPA) diz que “o risco de rutura no abastecimento de algumas matérias-primas para alimentação é já uma realidade” e os industriais de rações para animais (IACA) avisaram que a greve pode até colocar em causa a disponibilidade de carne, leite e ovos.

Percebo a aflição dos senhores, mas também me parece que estão a exagerar. Nas semanas anteriores tivemos dois dias de greve numa semana e três dias na outra. A partir de agora temos greve à segunda e à sexta-feira. Ou seja, em sete dias da semana, os portos a trabalhar cinco, durante 24 horas. Como é que podem vir dizer que vai faltar a farinha para o pão ou o milho para as galinhas? Atrasos haverá, com certeza. Agora, que haja quebra de abastecimentos não estou a ver como.

Também li a brilhante ideia de um senhor que estava preocupado porque tinham de ir buscar [a mercadoria] de camião a Espanha. Por amor de Deus. Se esperarem um diazinho, se calhar já têm o navio todo descarregado.

Estão só a tentar pressionar a negociação?

Claro. E estão a fazer o papel deles, a pressionar. Agora, pressionem no sítio exato, que é o Governo e o Ministério das Finanças, em particular, que não se pode colocar à margem. Em termos de questões salariais está tudo encravado com aquele despacho – e também porque é a tutela que neste momento está a funcionar a 100%.

Já não é a primeira vez que temos situações semelhantes e as questões acabam sempre, em última análise, mesmo quando a tutela setorial está disponível e se encontra alguma convergência, por depender do Ministério das Finanças. Ainda no verão do ano passado houve uma outra situação de tensão e para haver condições para levantar a greve foi a tutela das Infraestruturas que teve de pressionar as Finanças, por quem passa sempre tudo.

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