Montijo pode ser complemento “provisório” à Portela “praticamente sem investimento”

Rosário Partidário, coordenadora-geral da Comissão Técnica Independente, acredita que com o trabalho desenvolvido ficam "esgotadas as possibilidades de aparecer uma nova área" para o aeroporto.

A Comissão Técnica Independente (CTI) responsável pela avaliação estratégica do novo aeroporto da região de Lisboa vai estudar também soluções para aliviar os constrangimentos de curto prazo no Humberto Delgado. Em entrevista ao ECO, a coordenadora-geral, Rosário Partidário, aponta Beja, mas sobretudo o Montijo, como alternativas.

A resolução do Conselho de Ministros que em outubro criou a CTI apontou cinco opções que têm obrigatoriamente de ser avaliadas: Portela + Montijo, Montijo + Portela, Campo de Tiro de Alcochete, Portela + Santarém e apenas Santarém. Destas, a base aérea do Montijo “é aquela que tem uma pista que está ainda capaz de receber algo”, explica Rosário Partidário.

A professora de Planeamento, Urbanismo e Ambiente do Instituto Superior Técnico diz que o Montijo poderia ter uma estrutura “praticamente sem investimento” para fazer de terminal de passageiros, de “forma completamente provisória e a não criar raízes”. Outra alternativa poderia ser Beja, para voos charters ou de carga, em períodos de maior congestionamento.

“Aqui a opção pode ser entre não ter forma de aterrar em Portugal ou ter, e sabemos que estamos numa fase de transição, e que durante essa fase de transição temos que nos acomodar”, aponta. Afirma também que “há uma situação ao nível de slots na Portela que podia ser melhorada”.

A CTI anunciou numa conferência realizada na semana passada que serão também estudadas outras quatro opções, que incluem Pegões, Rio Frio e Poceirão. Rosário Partidário explica porque foram incluídas e afirma que ainda podem cair durante a avaliação que será feita nos próximos dois meses.

A professora do Técnico considera que foram “esgotadas as possibilidades de aparecer uma nova área que permita acomodar um novo aeroporto” e considera que o futuro da Portela só deverá ser decidido daqui a dez ou 15 anos, quando estiver pronta a nova infraestrutura.

Rosário Partidário, coordenadora geral da Comissão Técnica Independente para o novo aeroporto de Lisboa, em entrevista ao ECO - 02MAI23
Rosário Partidário, coordenadora geral da Comissão Técnica Independente para o novo aeroporto de Lisboa, em entrevista ao ECO Hugo Amaral/ECO

A comissão organizou na semana passada uma conferência onde deu a conhecer o resultado das mesas temáticas e deu conta das opções estratégicas para o reforço da capacidade aeroportuária. Um dos pontos que foi focado foi o estudo de soluções para responder no curto prazo ao congestionamento na Portela. Que soluções poderão ser essas?

Ainda não fizemos a análise detalhada dessas possibilidades. O que vou dizer é um pouco aquilo que nos foi apontado por algumas entidades, que se referiram muitas vezes a ineficiências na gestão da estrutura aeroportuária, na necessidade de fazer uma série de obras, que está comprometido com o Governo fazer.

Que obras exatamente?

Tem a ver com melhoria, sobretudo ao nível do terminal, mas não lhe sei dizer exatamente quais. É um conjunto. A gestão de slots [faixas horárias de descolagem e aterragem] é outro dos domínios onde eventualmente podia haver uma gestão mais eficiente. Parece que haverá slots que estão alocados a determinadas empresas e não estão a ser usados. Se houvesse uma maior flexibilidade nessa utilização poderia melhorar a situação.

A Ryanair tem feito algumas críticas à TAP por não usar completamente os slots. Está-se a referir a este caso?

Não sei se a TAP é o único caso. Sei que há uma situação ao nível de slots que podia ser melhorada. Isto para além de outras medidas de gestão. Isto é uma das coisas que queremos fazer já. Não está no nosso mandato, mas nós estamos preocupados com o assunto e em poder contribuir para melhorar a situação.

Porque vem aí mais um verão difícil. Os sindicatos têm feito vários alertas.

Não garanto que consigamos fazer isto para este verão, até porque não temos ainda os contratos feitos.

Outra hipótese é usar a rede aeroportuária que existe, estabelecida, com outros aeroportos, como Beja, por exemplo. As empresas podem não querer usar Beja por rotina, mas outra coisa é usar excecionalmente durante uns anos, em períodos que sejam mais críticos.

A hipótese de aumentar o número de movimentos no aeroporto da Portela está em cima da mesa ou não?

Os movimentos já têm picos que são muito superiores àquilo que é a capacidade sustentada. O que significa que em determinados períodos é possível ter mais movimentos do que aquilo que são os 38 da capacidade sustentada. E, portanto, daquilo que eu percebi até agora, algumas destas medidas em eficiência permitiriam aumentar pelo menos nos períodos mais críticos, como o verão. Outra hipótese é usar a rede aeroportuária que existe, estabelecida, com outros aeroportos, como Beja, por exemplo. As empresas podem não querer usar Beja por rotina, mas outra coisa é usar excecionalmente durante uns anos, em períodos que sejam mais críticos.

Usar Beja para voos charters, por exemplo?

Por exemplo. Não sei como é que isso poderia organizar. Nós não preparámos resultados para este tipo de questão e, portanto, é preciso ainda desenvolver essas possibilidades.

Isso significa que Beja pode fazer parte das soluções para um período de transição para uma nova infraestrutura?

Depende, se não houver outra alternativa. Se calhar pode não ser para voos comerciais, pode ser para outro tipo, de carga, por exemplo. Mas para isso há que fazer uma análise daquilo que é o padrão de ocupação da Portela e ver o que se consegue distribuir por forma a fazer face a uma situação crítica. Outra oportunidade é ter uma solução precária, intermédia e não definitiva. Um espaço que tenha capacidade de pista para receber tráfego e tornar, durante um período de tempo, esse espaço aberto. O problema é que, de facto, do ponto de vista das infraestruturas de acesso não é fácil. Aqui a opção pode ser entre não ter forma de aterrar em Portugal ou ter, e sabermos que estamos numa fase de transição, e que durante essa fase de transição temos que nos acomodar.

Montijo porquê? O Montijo está entre as cinco opções que tem de se manter no mapa e sem ser Beja, que está muito longe, é aquela que tem uma pista que está ainda capaz de receber algo.

Das opções estratégicas selecionadas, quais é que podiam servir esse propósito de ter uma solução intermédia?

O Montijo, por exemplo. Estou a falar de algo praticamente sem investimento, quase uma tenda, para fazer de terminal de entrada e saída de passageiros. De forma completamente provisória e a não criar raízes. Se é possível ou não, faz parte daquilo que nós temos agora que analisar. Montijo porquê? O Montijo está entre as cinco opções que tem de se manter no mapa e sem ser Beja, que está muito longe, é aquela que tem uma pista que está ainda capaz de receber algo. Nunca seria a melhoria. Como é evidente o aeroporto da Portela continuava a ser o aeroporto principal. A Ryanair, por exemplo, que disse que queria ir para o Montijo. Podiam voar para o Montijo.

Nas apresentações realizadas na conferência organizada pela comissão ficou patente que o Montijo não é viável a longo prazo devido ao limite na capacidade de expansão.

No quadro daquilo que nós definimos como aeroporto ideal não é. O aeroporto ideal é um conceito de longo prazo, não de transição.

Todas as opções estratégicas para o aeroporto que vão ser estudadas excedem a distância média de 22 quilómetros do aeroporto às capitais europeias. Isto é uma média, pelo que há aeroportos que ficarão a distâncias maiores. Ainda assim, Pegões fica a 70 kms e Santarém a 92 kms. Isto não é, à partida, muito penalizador para estas localizações?

Depende de muita coisa. Depende das acessibilidades, das condições infraestruturais que permitam vencer essa distância. Uma das perguntas que foi muito respondida no Aeroparticipa.pt foi a questão não só da ferrovia, mas da frequência e do volume desta ligação. Foi uma das mais mais votadas e é claramente um posicionamento da opinião pública. Tem de haver não só ligação ferroviária, mas frequente e com grande capacidade. Tudo vai depender das soluções que apareçam.

O professor Paulo Pinho, que é o coordenador da área das Acessibilidades salientou que importa assegurar níveis elevados de redundância no funcionamento das infraestruturas, redes e serviços de acesso ao aeroporto, seja em transporte público seja em transporte individual. O projeto de Santarém propõe um shuttle ferroviário que levaria 30 minutos até Lisboa. Mas uma redundância rodoviária levaria cerca de uma hora. Isso não é um problema?

Não estou a defender a solução Santarém. Aliás, neste momento não estou a defender solução nenhuma em particular, a não ser que deve ser um hub com capacidade e uma única infraestrutura no longo prazo, só por uma questão de eficiência e de otimização dos recursos. É evidente que muita coisa tem que acontecer para que qualquer uma destas opções sejam viabilizadas. A própria ligação de Santarém também precisa de outros comboios e precisa desse shuttle ferroviário. Sei que eles também têm alguma solução do ponto de vista rodoviário.

Têm, pelo menos, a ligação à autoestrada A1. Ainda assim é mais ou menos uma hora de caminho.

Pois é, mas se o shuttle ferroviário for assim tipo de 15 em 15 minutos, pelo menos em determinados períodos do dia… não sei, é algo que tem de ser estudado.

Quem é que apresentou a proposta de Pegões?

(risos) Foi um grupo. Mas o presidente da Câmara de Vendas Novas já aderiu à ideia e, aliás, pediu para falar connosco. Foi um grupo de pessoas.

Temos uma proposta puramente da perspetiva de que tem acessibilidades, está dentro da área do contrato de concessão e é um local que poderá, à partida, ter menos implicações do ponto de vista ambiental, razoavelmente livre de ocupação humana.

Mas da sociedade civil?

Da sociedade civil. Não temos aqui investimento. Temos uma proposta puramente da perspetiva de que tem acessibilidades, está dentro da área do contrato de concessão e é um local que poderá, à partida, ter menos implicações do ponto de vista ambiental, razoavelmente livre de ocupação humana, pelo menos nas zonas de aproximação e descolagem, que é onde está a principal dificuldade. Encontraram, sugeriram-nos. A princípio achámos que era longe também. Fomos lá diretamente do Campo de Tiro de Alcochete.

Que fica mais perto do que Pegões.

Fica mais perto, mas Pegões aparentemente não terá determinado tipo de dificuldades que têm sido apontadas ao Campo de Tiro. Nós sabemos que tem uma ribeira e tem uma zona em que pode haver algum problema de inundações, mas nada que não seja resolúvel. Ribeiras há em todo o lado.

Não ribeira, mas rio… Rio Frio foi rejeitado por questões ambientais. Porquê recuperar esta localização?

Nos anos 90. As razões indicadas eram o montado de sobro e o aquífero de Setúbal. (Nós fizemos as visitas até ao princípio de março e estas opções só apareceram mais tarde. Foi um grande esforço em relação às opções que tínhamos antes e não conseguimos. Em relação a estas — Rio Frio, Poceirão e Pegões — não conseguimos agregar a mesma informação. Fizemos um mínimo de quantificação). O que suscitou curiosidade em relação a Rio Frio é que noutros locais que estão a ser apontados também há montado de sobro. Na altura, na Ota não havia e portando era um sim ou não. Agora há ali outras opções que também têm sobreiro, como o Campo de Tiro de Alcochete e Pegões.

Há outras localizações que têm sobreiros

No estudo de 2007 tinha-se chegado à conclusão de que havia sobrado na área do Campo de Tiro, mas não necessariamente na zona que se pretendia de implantação. Até pode ser que cheguemos à conclusão que Rio Frio tem uma área muito significativa de sobreiro e não é viável, mas eu não consegui encontrar essa informação. Do ponto de vista do aquífero, depois de tudo aquilo que a península de Setúbal já esteve sujeita em termos de ocupação e que também tem o aquífero. Também não vi razões. Passaram-se 20 anos e hoje em dia temos condições tecnológicas e de construção civil diferentes. Depois, dez quilómetros a sul está Poceirão, que já está mobilizada para ter uma área logística onde passa a alta velocidade.

Acho que esgotámos as possibilidades de aparecer uma nova área que permita acomodar um novo aeroporto.

Por isso entrou nas opções.

De repente pensámos: “vamos ver”. É para isto que serviu a primeira fase, para identificarmos outras alternativas. Se calhar não tem a redundância do ponto de vista das acessibilidades porque a componente rodoviária não é suficientemente desenvolvida. Não sei se vai resultar ou não. É um pouco como Pegões. Também digo que se não funcionar não há de facto mais hipóteses. Nós percorremos e pedimos opiniões e fizeram-nos várias sugestões e portanto acho que esgotámos as possibilidades de aparecer uma nova área que permita acomodar um novo aeroporto.

Ao fazer isto a vantagem é ter um processo blindado para o futuro?

Esse era um pouco o nosso objetivo. Não sei se vamos conseguir ou não. O nosso objetivo é tornar as coisas bem claras, transparentes, abertas. Mas quando continuam a insistir com a pista de Alverca que não tem capacidade para nada. Tem capacidade para aquilo que é um tráfego quase militar e pouco mais. O que está no projeto de Alverca é uma pista nova em cima do Mouchão do Tejo. Não me venham dizer que é a solução mais barata. Eu não fiz as contas, mas quem diz que é mais barato também não deve ter feito as contas, porque construir toda uma estrutura dentro de água não deve ser muito barato. Além de estar dentro da Zona de Proteção Especial do Estuário do Tejo.

Não tem hipótese.

A Diretiva Habitats [relativa à preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens] é muito clara. Se não houver alternativa, tudo bem, mas se houver, não é possível. De resto, era uma solução muito engenhosa, com um conceito de acessibilidade espetacular, mas está dentro da área protegida e dentro de água.

Rosário Partidário, coordenadora geral da Comissão Técnica Independente para o novo aeroporto de Lisboa, em entrevista ao ECO - 02MAI23
Rosário Partidário, coordenadora geral da Comissão Técnica Independente para o novo aeroporto de Lisboa, em entrevista ao ECO Hugo Amaral/ECO

Tudo isto já deu certamente muito trabalho e já percebemos que vai dar ainda mais trabalho, num calendário apertado. Selecionar nove opções para avaliar não é muito?

Nós não vamos estudar as novas opções com o mesmo nível de detalhe. Por exemplo, o Montijo foi estudado e o Campo de Tiro de Alcochete foi estudado, com estudo de impacto ambiental. Nós não estamos aí, ok? Segundo, estes três novos sítios, Poceirão, Rio Frio e Pegões, têm agora que ser triados, porque ainda não fizemos para estes o que fizemos para os outros. Pode ser que caiam.

Isso vai acontecer no espaço de um mês, dois meses?

Por aí, dois meses. Se se demonstrar que de facto tem essa viabilidade, então juntamos aos outros e vamos aprofundar aquilo que está na resolução do Conselho de Ministros, que não é a que está publicada, é a que está em revisão, porque nós não vamos chegar ao nível de projeto. Aquilo que vamos ter é um conjunto de análises para as quais, obviamente, precisamos dos estudos que nos permitam fazer essa comparação que cruza a questão da procura com procura a vários níveis questão de planeamento aeroportuário e quando terminadas condições, incluindo por ser uma coisa que nós falamos agora. E armazenagem de combustível, por exemplo, é uma das componentes que faz parte e tem que ser vista.

Alcochete tem muitos adeptos, quer a nível político quer técnico, incluindo antigos dirigentes do LNEC. Até o atual CEO da TAP já defendeu esta localização no passado. Pode dizer-se que é uma opção favorita?

É uma das opções e uma das várias em greenfield, como é Santarém, como é Pegões e eventualmente Rio Frio.

A Portela poderá continuar a ser uma infraestrutura aeroportuária de outro tipo, para uma navegação tecnologicamente mais avançada.

Qualquer solução que inclua a Portela tem enorme impacto na população. Das opiniões que auscultaram e elementos que já reuniram, o que é que deve acontecer à Portela no futuro?

Isso é uma das coisas em que há ainda uma grande interrogação. Aliás, é um dos problemas de decisão: qual é o destino a dar àquela área admitindo que não é um aeroporto como está neste momento. Poderá continuar a ser uma infraestrutura aeroportuária de outro tipo, para uma navegação tecnologicamente mais avançada.

O tal vertiport, para aeronaves que descolam e aterram na vertical.

Por exemplo. A tecnologia está a evoluir muito rapidamente. Um aeroporto novo leva dez, 15 anos, na melhor das hipóteses. A Portela tem que ficar ativa neste período, com outros complementos que apoiem. Em dez, 15 anos, a tecnologia vai disparar, portanto é muito prematuro estarmos neste momento a tentar dizer o que vai de facto acontecer.

E significa que, no limite, a decisão em relação ao futuro da Portela só devia ser tomada daqui a dez ou 15 anos.

Eu penso que sim. Para já é preciso termos, de facto, um aeroporto definitivo. Isso para nós, comissão técnica, está muito claro. A Portela não pode continuar como está e não pode continuar como um número de movimentos que tem neste momento que é excessivo para o conforto da população lisboeta e da população que vive nas zonas mais afetadas. Terá de haver uma outra solução que permita trazer outras vantagens para o país. A Portela tem de estar ativa até conseguirmos viabilizar uma alternativa. Que pode ser de facto um greenfield e pegar num desses destinos e começar logo a lá fazer uma primeira pista com um terminal que seja o mínimo necessário. A opção do Pedro Nuno Santos era fazer no Montijo, mas pode ser noutro lado. Se der, já é um primeiro investimento. Aí ficávamos com as duas pistas, que é a tal opção dual de transição. Se depois essa solução crescer e a Portela deixar de ser tão necessária, aí é que temos que decidir o que faz à Portela.

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