A diversidade e inclusão trazem vantagens competitivas às empresas, não só através da inovação, mas também por ajudarem na atração e retenção de trabalhadores. O retrato é da Randstad.
Desde que a economia começou a recuperar do impacto da pandemia que a escassez de recursos humanos tem sido uma das grandes preocupações dos empregadores nacionais. Mas a aposta na equidade, diversidade e inclusão (ED&I) pode dar um contributo importante para a resolução desse desafio. Quem o diz é Paula Lampreia, diretora de people & culture da Randstad (na foto acima), e Lígia Mendes, responsável pela área de ED&I na mesma empresa de recursos humanos, que tem atualmente 17 mil trabalhadores colocados de norte a sul do país.
Em entrevista ao ECO, as responsáveis reconhecem que o caminho rumo à inclusão “ainda é muito longo”, mas salientam que abraçar esta diversidade não é apenas uma questão de responsabilidade social. Antes, traz também uma vantagem competitiva, na medida em que empresas com equipas mais diversas conseguem reinventar-se e inovar, acompanhando de forma mais ágil as exigências do mercado, frisam Paula Lampreia e Lígia Mendes.
Não vamos dizer que tudo o que vivemos enquanto mercado está perfeito, quando falamos de equidade, diversidade, inclusão. Seria uma ilusão dizer isso. Há um caminho muito grande a andar.
Antes de mais, o que é, na vossa visão, uma empresa inclusiva, diversa e equitativa?
Lígia Mendes (LM) — A diversidade passa por termos processos de recrutamento que vão a diferentes fontes para dar oportunidade aos diferentes mundos de talento de se candidatarem às oportunidades de emprego. Com isso, teremos organizações que têm mais diversidade de competências, de ideias e de backgrounds. Sabemos que esses são os ingredientes necessários para o sucesso das organizações. Já a inclusão passa por termos as ferramentas necessárias, enquanto organização, para que cada um, com a sua experiência, a sua diversidade e as suas necessidades, possa ter uma oportunidade de crescer e de ter sucesso. E a equidade é o culminar de tudo isto. É termos condições diferentes para pessoas diferentes. Conseguirmos responder àquilo que são as necessidades diversas que o nosso talento tem, nomeadamente em termos de formação.
Paula Lampreia (PL) — Não vamos dizer que tudo o que vivemos enquanto mercado está perfeito, quando falamos de equidade, diversidade, inclusão. Seria uma ilusão dizer isso. Há um caminho muito grande a andar. Somos um dos maiores empregadores privados a nível nacional e, sendo especialistas em recrutamento, assumimos um papel de responsabilidade. Temos 17.000 colaboradores colocados de norte a sul do país. Até há pouco tempo, o foco da área de recursos humanos era única e exclusivamente o corporate staff. Hoje vamos harmonizar políticas e práticas de recursos humanos para todos os nossos colaboradores. Este é um processo que começará em 2024. Do ponto de vista interno, esta é a primeira grande iniciativa que posso adiantar. O segundo patamar é sensibilizar. Em cerca de 17.000 pessoas, vamos garantidamente ter embaixadores da perspetiva que pretendemos desenvolver, sendo que uma parte desses embaixadores são recrutadores. Portanto, há a possibilidade de sensibilizarmos internamente os nossos recrutadores para a importância da inclusão, da diversidade e de começarmos a retirar o selo inclusivo do recrutamento. Todo o recrutamento deve ser inclusivo.
Essa sensibilização também se aplica aos clientes para os quais fazem esses processos de recrutamento?
PL — Sim. O terceiro ponto é a sensibilização dos nossos clientes. Sabemos que para mudarmos o mundo do mercado, é muito importante sensibilizarmos também os clientes com os quais trabalhamos, e não só tentar ser a mudança que queremos ver.
A nível interno, e em termos práticos, que iniciativas têm dinamizado para promover a equidade, diversidade e inclusão? E como é que essa abordagem tem evoluído ao longo dos anos?
PL — Desde 2018 que trabalhamos de uma forma ativa dentro da Randstad Portugal. Os projetos que têm sido desenvolvidos têm sido muito focados no voluntariado. Trabalhamos com base no nosso expertise, na área de recrutamento e seleção, nomeadamente no sentido de preparar pessoas que estão à procura de emprego. Embora não venha no anúncio a discriminação, ela aconteça. Muitas vezes, quase de forma informal, um cliente ou potencial cliente pode dizer que para determinada função gostava só de ter [candidatos] homens ou que não gostava de ter pessoas de uma determinada nacionalidade.
Apesar de toda a discussão, essa discriminação à cabeça continua a acontecer?
PL — Continua a acontecer. Começa também aí a nossa sensibilização ao mercado ao apresentarmos a forma ética com que pretendemos que o nosso trabalho seja desenvolvido. Assumimos que não vale tudo. Este é um pilar: voluntariado dos nossos colaboradores no sentido de preparar pessoas que estão com dificuldade em entrar no mercado de trabalho. O emprego traz, para vidas desafiantes, a possibilidade de novas oportunidades. Perante pessoas que estão completamente excluídas da sociedade, pessoas em situação de sem abrigo, conseguimos criar um projeto interno em que criamos as condições para treinar competências para entrar no mercado de trabalho. Tivemos 16 pessoas. Em dois casos não conseguimos contribuir de forma direta para a sua recuperação, mas a maioria ficou colocada.
LM — Para além disso, começamos a desenvolver a formação das nossas pessoas. Os consultores foram todos formados para esta área [da diversidade] e sensibilizados para estas questões.
Também é importante perceber que temos de utilizar metodologias de recrutamento que focam, sobretudo, na avaliação de competências, e não apenas em olhar para um currículo, ver uma fotografia e tomar uma decisão.
Que impacto poderá ter o trabalho que estão a fazer internamente no mercado de trabalho, em termos globais, já que participam em milhares de processos de recrutamento com empresas de todas as dimensões e de vários setores?
LM — Trabalhamos com um tecido empresarial muito formado por pequenas e médias empresas, em que os requisitos de recrutamento são ainda muito baseados naquilo que é um histórico em que olhamos para a experiência e as habilitações obrigatórias, o que já não se coaduna em nada com aquilo que é o mercado atual. Sabemos que as competências têm de ser, cada vez mais, vistas do ponto de vista global, e não associadas a uma determinada função. Temos aqui um papel essencial na consultoria aos nossos clientes. Também é importante perceber que temos de utilizar metodologias de recrutamento que focam, sobretudo, na avaliação de competências, e não apenas em olhar para um currículo, ver uma fotografia e tomar uma decisão.
Mas como é que as empresas portuguesas tratam hoje a diversidade e a inclusão? Que retrato fazem?
PL — Conhecemos este fim de semana o Diogo, que é um jovem de 23 anos, que tem uma formação que o mercado procura hoje, em termos tecnológicos. É um jovem muito comunicativo, sociável e tem autismo. O Diogo, e tantos outros como ele, se enviasse o currículo sem nenhum tipo de categorização, muito provavelmente seria logo chamado para uma entrevista. A Randstad pode interferir aqui, ao preparar o Diogo para a integração no mercado de trabalho, mas, ao mesmo tempo, contribuir para a mudança de mentalidade que tem de acontecer. Dou-lhe outro exemplo. Há uns tempos um cliente precisava de pessoas com uma forte componente analítica. Não conseguia reter ninguém. A rotatividade naquela área era absolutamente indescritível. Perguntei porque é que o cliente não fazia uma experiência com pessoas com Síndrome de Asperger. Encontramos três pessoas que tinham exatamente um perfil analítico. São pessoas que, quando se concentram numa tarefa e quando gostam, estão horas a desenvolver essas tarefas. O cliente aceitou o desafio e foi um sucesso. Vivemos agora o momento de ganhar consciência para o tema [da diversidade e inclusão], mas entre a sensibilização e agirem de forma completamente aberta, ainda há caminho a andar. Queremos que os candidatos sejam avaliados pelas competências, e não pelas características.
Acredita, portanto, num recrutamento cego?
PL — Grandes orquestras a nível mundial hoje já ouvem um músico a tocar sem o verem, sem saberem quem está do outro lado. A escolha é feita pela competência artística que o músico revela. O número de mulheres nas orquestras para papéis principais aumentou significativamente depois deste tipo de recrutamento ter acontecido. Temos de começar a pouco e pouco. Na própria Randstad, temos muita coisa a melhorar, mas acho que podemos contribuir para um mundo mais justo e mais e mais equitativa.
Há um custo claro associado à rotatividade, custo este que as empresas, sendo mais diversas, podem reduzir.
Dito tudo isto, que vantagens podem ter as estratégias de diversidade nos próprios resultados das empresas, nomeadamente em termos de atração e retenção de recursos humanos?
LM — No nosso estudo “Workmonitor”, 54% dos inquiridos diziam que deixaria uma entidade empregadora se não se revisse nos seus valores. Sabemos também que as gerações mais novas procuram estes valores de equidade, diversidade e inclusão, um sentimento de pertença e de que estão numa empresa que tem preocupações sociais e ambientais. Na atração de talento, é clara a vantagem que uma empresa tem em ter este tipo de ações que procuram a diversidade. As empresas já não podem dar-se ao luxo de ver sair um trabalhador e entrar outro. A retenção é muito importante e esta questão dos valores é altamente valorizada, sobretudo pelas gerações mais novas. Há um custo claro associado à rotatividade, custo este que as empresas, sendo mais diversas, podem reduzir. Além disso, a diversidade traz inovação. Estamos num mercado altamente dinâmico. Se a organização pretende continuar ativa no mercado e rentável, trazer pessoas diversas é uma forma de se reinventar à velocidade do mercado.
PL — Não temos um mercado com pouco talento, estamos é a procurar sempre nos mesmos sítios e o mesmo padrão [de candidato]. Portanto, mudar mentalidades vai permitir olhar para o talento de uma forma completamente diferente. Vai permitir perceber que não temos escassez de talento, precisamos é de mudar a forma como procuramos este talento. É isso que queremos trabalhar com os nossos recrutadores, mas também muito com as nossas lideranças. Precisamos de abrir mentalidades também neste sentido de liderar equipas diversas e de acolher equipas diversas. Isso é fundamental.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
“Não há escassez de talento. Precisamos é de mudar a forma como procuramos esse talento”
{{ noCommentsLabel }}