“Nem governo com PC ou Bloco, nem Bloco Central”

José Luís Carneiro é candidato à liderança do PS e, em entrevista ao ECO, explica o que é a "autonomia estratégica" do partido. Critica manobras táticas de Pedro Nuno Santos e admite Costa em Belém.

No dia em que uma sondagem da Universidade Católica põe José Luís Carneiro à frente de Pedro Nuno Santos nas intenções de voto para as internas do PS e também para vencer Luís Montenegro nas legislativas, o ainda ministro da Administração Interna explica em entrevista ao ECO as suas prioridades políticas para o país. Recusa, de forma liminar, qualquer possibilidade de vir a integrar no Governo ministros do Bloco de Esquerda ou do PCP, abre a porta a um entendimento de Governo com o Livre, de Rui Tavares, mas também afasta a ideia de uma reedição do Bloco Central. As eleições para a liderança do PS, recorde-se, estão marcadas para 16 de dezembro

José Luís Carneiro rejeita pôr prazos à investigação judicial que atinge o primeiro-ministro, mas pede celeridade. António Costa “tem qualidades pessoais, tem qualidades políticas, tem provas dadas na vida pública que o habilitam a ser naturalmente Presidente da República”, diz o candidato a secretário-geral, mas vê mais provável o ainda primeiro-ministro num cargo internacional.

Os notáveis estão a aderir à sua campanha, mas as bases, no terreno, estão com Pedro Nuno Santos. Esta leitura é correta?

Não, não é uma leitura correta. As bases do partido, os militantes do partido têm vindo a aderir de uma forma muito expressiva à nossa candidatura. E por uma razão muito simples, porque entendem que responde a duas questões fundamentais: A primeira é que nós [o PS] não temos condições para crescer a esquerda, porque não há, digamos, bases eleitorais à esquerda, e a segunda é porque entendem que o PS tem um espaço político natural, um espaço vital, o grande centro político social. O PS é um partido de centro esquerda, da esquerda democrática que, como partido fundador das liberdades, dos direitos e das garantias, é um partido europeísta, progressista, reformista e, portanto, as bases do partido têm uma consciência muito aguda do espaço político onde o PS deve estar para ganhar as eleições. Há vários notáveis, personalidades que deram contributos muito significativos à vida do nosso país, sinto-me naturalmente honrado com o facto de ter o apoio dessas personalidades. O que efetivamente está relativamente condicionado é a estrutura intermédia do partido…

É aí que tem de ganhar?

Onde tenho de ganhar é em cada militante, cada militante e um voto, tem uma expressão autónoma de vontade. Agora, há uma estrutura intermédia, federações e dirigentes concelhios que, efetivamente, há muito tempo estavam num compromisso com o meu camarada Pedro Nuno Santos e, portanto, ficou relativamente condicionada na sua liberdade de opção. As bases estão, digamos, a demonstrar que cada voto conta e cada voto é livre e autónomo, porque não há donos de votos no Partido Socialista.

O que significa para o PS manter a sua autonomia estratégia? Fazer alianças à esquerda significa perder a sua autonomia estratégica?

Esta candidatura é fundamentalmente o resultado de um entendimento de que o PS não pode perder a sua autonomia estratégica. O que é que isso significa? Significa que temos que separar dois tempos, dois períodos, um período de 2015 a 2019, um período em que houve um acordo de incidência parlamentar que permitiu que o PS fosse capaz de reconstituir uma relação de confiança dos cidadãos com as suas instituições democráticas. Depois de um período de assistência financeira, conseguimos de novo recuperar bens e serviços essenciais. Recordo-me que tivemos uma austeridade que chegou ao ponto de encerrar a administração da justiça em muitos territórios do país…

Já lá vamos, [mas] a saúde, a educação e a habitação, ao fim destes anos, não estão exatamente a funcionar…

…fundamentalmente, o que quero dizer com a autonomia de decisão e estratégia do PS? O PS, por ser precisamente o partido que fala com o grande centro político democrático, por exemplo, em 1975 e 1976, foi fundamental para que Mário Soares conseguisse dialogar com o PPD e com os democratas cristãos na conquista das liberdades e até na afirmação do projeto de sociedade em que a liberdade é fator fundamental, e, sobretudo, compatibilizar com o valor da igualdade e da fraternidade. Mas, depois, em 2015, o António Costa também utilizou a mesma autonomia para conseguir romper com o denominado arco da governação, tendo em vista recuperar a funções essenciais do Estado Social. Ora, é essa autonomia que nos permite construir soluções de política com os nossos partidos à esquerda. Mas há matérias que exigem um especial ímpeto reformista que se constrói com o centro político, nomeadamente nas funções de soberania. A própria reforma do sistema político, no que respeita, por exemplo, a compromissos duradouros na área da saúde ou na área da educação, ou na área da Justiça, para não falar da política externa da Defesa Nacional, exige um especial compromisso com aqueles que, historicamente, o assumiram. Portanto, é esta capacidade, este espaço de diálogo e de concertação política que o PS tem que manter intacto.

Não, não vejo como viável e como possível, porque uma questão são os acordos de natureza parlamentar, e também, que fique claro, não vejo um bloco central. Nem governo com PC ou Bloco, nem Bloco Central. Entendo que há linhas essenciais das nossas opções políticas, nomeadamente no plano externo, o nosso posicionamento em matéria de defesa, segurança e política externa, que são incompatíveis com a visão programática que têm, quer o Bloco de Esquerda, quer o PCP. Já sou defensor que o PS possa abrir as portas para o diálogo com esses partidos, por exemplo, para coligações autárquicas.

José Luís Carneiro

Não é viável, então, um governo liderado por si que integre ministros do BE e o PCP?

Não, não vejo como viável e como possível, porque uma questão são os acordos de natureza parlamentar, e também, que fique claro, não vejo um bloco central. Nem governo com PC ou Bloco, nem Bloco Central. Entendo que há linhas essenciais das nossas opções políticas, nomeadamente no plano externo, o nosso posicionamento em matéria de defesa, segurança e política externa, que são incompatíveis com a visão programática que têm, quer o Bloco de Esquerda, quer o PCP. Já sou defensor que o PS possa abrir as portas para o diálogo com esses partidos, por exemplo, para coligações autárquicas. Do meu ponto de vista, é desejável em determinadas autarquias, por exemplo o Porto e Lisboa, vejo que é possível e desejável que seja possível construir soluções de política local quer com o Bloco, quer com o PCP. Dou lhe um outro exemplo…

…o facto de o PCP ser um partido notória e publicamente ao lado da Rússia não o incomoda?

Essa é a razão pela qual entendo que é possível o acordo de incidência parlamentar para efeitos de políticas públicas, mas dificilmente compatível, nomeadamente com aquilo que é a nossa abordagem da política externa, quer em relação à Aliança Atlântica, quer em relação, por exemplo, aos compromissos do Tratado Orçamental.

E se o Bloco de Esquerda ou o PCP, ou os dois, numa situação do Governo minoritário do PS, lhe colocarem como condição a integração no Governo, o que faz?

Como é evidente, não decidirei sozinho, e julgo que nenhuma liderança deve decidir por si só. Procurarei ouvir os órgãos do partido, quer a Comissão Política, quer a Comissão Nacional. Devo dizer, aliás, que o António Costa, nosso primeiro-ministro e secretário-geral, não tomou a decisão definitiva de constituir o acordo à esquerda sem ouvir a Comissão Política e, particularmente também o nosso grupo parlamentar. Eu já fui claro sobre essa pergunta, mas, por exemplo, vejo que há um deputado, e um partido, o Livre, que tem tido posições que entendo que são totalmente compatíveis com as nossas opções de política. Entendo até que tem tido uma função muito construtiva na forma como tem garantida a representação parlamentar.

Teme que Pedro Nuno Santos, se ganhar as eleições internas do PS, possa levar o Bloco de Esquerda e PCP para o Governo?

Bom, são perguntas têm que ser colocadas ao meu camarada Pedro Nuno [Santos], e também ao outro candidato, o Daniel Adrião. Agora, há um ponto de partida diferente entre aquilo que é o posicionamento do Pedro Nuno e o meu posicionamento no partido. Esse é um ponto de partida diverso. Somos camaradas, integramos naturalmente, o socialismo em liberdade, como afirmava o nosso fundador Mário Soares. Mas temos pontos de partida diferentes e abordagens diferentes em relação ao modo como devemos construir as soluções para o país.

Agora, quero garantir que nos momentos cruciais da vida nacional, colocarei sempre os interesses do país acima dos interesses partidários, porque o partido e os seus valores e princípios têm uma dimensão essencial que é a de serviço ao país. Um partido que é europeísta, um partido que tem compromissos atlânticos desde a sua fundação e que tem o compromisso também de valorizar o desenvolvimento, mas sem colocar em causa também a responsabilidade. Esses são valores essenciais.

Ouvimos, por estes dias, Pedro Nuno Santos dizer que não é esquerdista, é social-democrata.

Eu, de facto, verifiquei que essa manobra tática foi desenvolvida com várias operações…

…por exemplo trazer Francisco para a candidatura, ou Álvaro Beleza, da SEDES. Francisco Assis, que foi tão crítico da geringonça e que recentemente veio dizer que afinal a geringonça tinha tido muitos méritos.

Bom, trata se de uma operação de cosmética, mas quem conhece as posições que foram sendo assumidas ao longo do tempo, está consciente daquilo que representam essas manobras táticas.

Se ganhar as eleições para secretário-geral, convida Pedro Nuno Santos para manter-se nas listas de deputados. Que papel é que vê para o seu adversário interno?

Respeitarei aquela que a tradição pluralista do próprio PS. É importante que os próprios órgãos do partido representem essa pluralidade e essa diversidade, e quando falo dos órgãos do partido, falo daquilo que são os mais relevantes, nomeadamente do Secretariado Nacional. Ou seja, entendo que o Secretariado Nacional deve também corresponder a essa diversidade e não deve ter uma abordagem monolítica, pelo contrário, deve ter uma abordagem de integração da diversidade, porque é essa diversidade que faz a força do PS.

José Luís Carneiro, ministro da Administração Interna e candidato a secretário-geral do PS, em entrevista ao ECO - 28NOV23
José Luís Carneiro, ministro da Administração Interna e candidato a secretário-geral do PS, em entrevista ao ECO Hugo Amaral/ECO

Se ganhar as eleições de dia 16 de dezembro, as internas, qual será a sua primeira iniciativa logo no dia seguinte?

O primeiro grande objetivo depois da vitória eleitoral interna é unir o partido na sua diversidade e na sua pluralidade, para, mais fortalecidos com este debate interno, apresentarmos uma alternativa, uma proposta política que seja capaz de lograr ter o apoio da maioria da maioria do centro político e social do nosso país. Com a garantia de que terá uma liderança que já deu provas na vida, de capacidade de diálogo, de construção de consensos, sentar à mesa pessoas que pensam de forma diversa, de forma diferente.

Precisa de uma maioria absoluta para fazer isso?

Precisamos de uma maioria capaz de nos dar autonomia para não ficarmos condicionados nas nossas opções de serviço ao país. Mas há aqui algo que é muito relevante: As sociedades estão a viver uma polarização muito forte, e a polarização conduz, como se viu no Brasil, nos Estados Unidos, como se está a ver na Holanda, como está a ver noutros países europeus. A polarização excessiva fortalece os extremos, quer a extrema direita, quer os extremismos de esquerda. E isso leva a que os moderados ao centro sejam, digamos, completamente absorvidos por essa onda. Ora, o país precisa de alguém que tenha qualidade de liderança, capaz de construir o diálogo com o grande centro político e social. Eu entendo que tenho um perfil de vida, de serviço público, quer como autarca, quer como secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, quer como também secretário-geral adjunto, que já revelou essas capacidades de construção de soluções.

É o herdeiro de António Costa?

Entendo que tenho qualidades para representar, com gosto, com com honra, um legado que o António Costa deixou, que foi um legado de construção de pontes e de consensos para servir o interesse público.

A forma como António Costa sai mancha o seu percurso?

Por isso é que entendo que é muito importante que, no que respeita ao primeiro-ministro, e tendo em conta aquilo que é do conhecimento público, naturalmente sem colocar em causa a profundidade e a qualidade da investigação…

Também quer prazos para a investigação judicial ao primeiro-ministro?

…não se deve colocar nesses termos, devemos defender a independência da justiça e a autonomia do Ministério Público, são valores cruciais, assim como também a presunção de inocência das pessoas. Mas estou convencido de que, provada que esteja a sua inocência, como estou convicto, profundamente convicto da sua inocência, o António Costa é nosso primeiro ministro e terá ainda um percurso político, assim seja essa a sua vontade…

Ainda vai ser candidato a Presidente da República?

Essa decisão só a ele lhe compete, [mas] ele tem qualidades pessoais, tem qualidades políticas, tem provas dadas na vida pública que o habilitam a ser naturalmente Presidente da República, a ser um dos líderes europeus que tem hoje prestígio e reconhecido em termos internacionais, e por fazer dessas pontes de que a Europa precisa e também de que o mundo precisa. Portugal tem, da nossa história coletiva, uma função de interlocutor e de país que cria pontes de diálogo inter- civilizacionais, para as quais o António Costa, do meu ponto de vista, está especialmente habilitado.

Portanto, se for ultrapassado este processo, vê-o mais com um papel internacional do que como Presidente da República?

Por uma razão: Ele tem-me dito sempre que gosta muito de funções executivas, que gosta de executar, portanto, vejo-o numa função em que ele sinta que pode dar um contributo para o prestígio das instituições e para, digamos, o entendimento e o estabelecimento de pontes que sejam pontes construtoras de um serviço à humanidade.

  • Diogo Simões
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