“No nosso SAMS sofremos menos restrições que os portugueses que têm seguros de saúde”

Paulo Gonçalves Marcos explica como funciona o SNQTB Saúde, defende o modelo mutualista e destaca a diferença face aos seguros e à lógica patrimonialista de outros subsistemas.

Paulo Gonçalves Marcos é presidente do Sindicato Nacional dos Quadros e Técnicos Bancários (SNQTB), entidade que gere o SNQTB Saúde, um sistema de assistência médico-social do setor bancário. Em entrevista ao ECOseguros, fala sobre o funcionamento dos chamados SAMS, o modelo mutualista que contrasta com os seguros de saúde privados e que cobre atualmente cerca de 200 mil pessoas.

Defende um sistema solidário, de preço único, sem exclusões por doença ou idade, e critica modelos mais patrimonialistas que, na sua visão, limitam a liberdade de escolha. Ao longo da conversa, aborda também o impacto da inflação nos custos com saúde, a concentração do setor privado, os desafios da gestão e a relação com o SNS: “Não somos substitutivos, somos complementares”, diz

Como funciona o SAMS?

A sigla SAMS é a abreviatura para Serviço de Assistência Médico-Social. São sistemas mutualistas onde ninguém é excluído em razão da raça, sexo ou o que quer que seja e em que a assistência e cobertura mantém-se até à morte.

Não é pelo facto de alguém adoecer que o prémio de seguro – porque não é um seguro -, aumenta. Caracteriza-se por ter um preço único que, de algum modo, os mais saudáveis pagam para os menos saudáveis. Ao contrário do seguro que tem uma natureza comercial quem em caso de doença, aumenta o prémio e no limite termina a cobertura, aqui nós não temos esse mecanismo. Portanto ninguém é expulso pelo seu estado de saúde. Eu acho que esta é uma criação muito importante em Portugal.

Entre profissionais no ativo, reformados e os seus familiares, estão cerca de 200.000 pessoas que beneficiam do SNQTB Saúde ou dos dois ou três SAMS que existem de outros sindicatos mais pequenos.

Concorrentes nossos que são mais patrimonialistas, isto é, são donos de hospitais e clínicas, se calhar ficam inibidas a contratação ou a feitura de acordos com outros concorrentes, nomeadamente na prestação de cuidados de saúde.

Como funciona o financiamento do subsistema?

Os diversos subsistemas bancários são rivais entre si. Portanto, existe liberdade de escolha sindical. Os bancários têm liberdade de escolher entre ser ou não ser sindicalizados. Uma vez sindicalizados podem ter acesso ao subsistema.

Este sistema de saúde é pago pela entidade patronal e pelo próprio trabalhador em proporções variáveis. A construção do mecanismo de financiamento é idêntica entre todos os subsistemas bancários. Mas temos filosofias diferentes.

O nosso SAMS chama-se SNQTB Saúde. Os nossos rivais chamam-se SAMS Mais Sindicato. Há um a centro que se chama SAMS Centro, outro a norte que se chama SAMS Norte e há o SAMS SIB.

O que é que vos diferencia?

A gestão. A forma como gerimos o sistema.

Então e as redes de prestadores de serviços de saúde são diferentes?

É diferente pela forma como gerimos. Este sindicato não tem unidades próprias. Contrata e negoceia com prestadores ao longo do país.

Há outros concorrentes nossos que são mais patrimonialistas, isto é, são donos de hospitais e clínicas o que se calhar inibe a contratação ou a feitura de acordos com outros concorrentes, nomeadamente, na prestação de cuidados de saúde.

Tipicamente, o norte não desce ao sul, os do sul não vão a norte e portanto o nosso tem cobertura nacional o que é relativamente ímpar. Além disso, como não somos vendedores de serviços de saúde temos muito menos amarras para negociar. Se eu tivesse, por hipótese, um hospital aqui ao lado, que há quem tenha, obviamente que estaria interessado em encher o meu hospital com os meus sócios e se sobrasse alguma coisa (que não deve sobrar) é que eu vou procurar negociar com terceiros (CUF, Lusíadas, etc).

A nossa construção é diferente. Há um modelo quase soviético e há um modelo de mais livre escolha. Acho que não é preciso dizer qual é o nosso. A comparticipação é sempre igual. Não temos interesse em levar as pessoas para sítios específicos.

Todos os trabalhadores têm que pagar a mesma taxa?

Sim. Essa é a mesma em todo o lado.

Como nos seguros, aqui também há copagamento?

Aqui também pode existir um copagamento. Eu diria que é mais baixo do que no mercado dos seguros. Não tem tanta preocupação de ser uma peça importante do financiamento. É como as taxas moderadoras, se bem me lembro não era tanto para fazer receitas mas antes para evitar o sobreconsumo. Isto é, quem verdadeiramente não precisava de ir às urgências mas ia por qualquer motivo.

Este é um sistema mutualista. A sua condução é regulada pela regulamentação coletiva entre sindicatos e entidades patronais da banca. O mecanismo de financiamento é igual. O que nos distingue é a filosofia. A gestão, uns têm a gestão profissional outros terão gestão não profissional. Uns têm entidades próprias e um enviesamento nesse sentido. Outros têm liberdade de escolha.

quando os bancários deixam a profissão e mudam de setor, uma das resistências à mudança e até a fazer mudanças de carreira, é valorizaremm muito este tipo de sistema mutualista

É semelhante ao sistema da ADSE?

Muito semelhante. Aliás, a SNQTB Saúde e a ADSE são muito parecidos porque ambos não somos donos de infraestruturas de prestação de serviços. Eles e nós negociamos e procuramos os melhores acordos com os prestadores de serviço em território nacional.

Quem faz a gestão da rede?

Somos nós. Somos independentes. Não temos nenhum dogma sobre isso, mas a gestão é nossa.

Até que ponto concorrem com os seguros seguros de saúde?

Eu diria que são modelos diferentes que podem ser concorrenciais ou complementares. Esta construção mutualista faz com que o preço que as pessoas pagam e que as entidades patronais pagam seja independente da idade, das patologias clínicas, das preexistências, é da situação profissional, ou do número de filhos. Portanto, são mercados completamente diferentes. Parece que este modelo de preço único, solidariedade interoperacional e solidariedade entre as patologias faz sentido.

Este é um modelo solidário. São mercados diferentes e em outros países da Europa central coexistem uns com outros. Eu diria, quando os bancários deixam a profissão e mudam de setor, uma das resistências à mudança e até a fazer mudanças de carreira é porque valorizam muito este tipo de sistema mutualista, principalmente o nosso.

Os preços dos vossos parceiros aumentaram em linha com a inflação ou acima dela?

De forma geral, acima da inflação, mas depende um bocadinho das regiões e da intensidade capitalista. Nós temos vindo a assistir há uns 16 anos para cá um aumento do grau de sofisticação de oferta e intensidade tecnológica por parte da oferta dos prestadores. Em quase todas as áreas concorre a nível tecnológico mano-a-mano com o SNS, tem outros tempos de resposta, outro nível de serviço que são importantes.

Nas indústrias nascentes há depois um fenómeno de concentração ou consolidação e nos últimos dez a quinze anos a oferta privada sofisticou-se. Hoje há cinco grupos que dominam o mercado dos meios complementares diagnóstico e terapêutica e cinco grupos que dominam o mercado hospitalar – com quotas de mercado acima dos 80% e em alguns casos junto aos 90%.

Cada vez que um destes grupos compra uma unidade mais pequena independente ou quando expande a sua presença geográfica como está a acontecer nos últimos anos, é comum que os preços tendam a subir mais do que inflação.

Se eu promover, por exemplo, nos homens de 50 anos, um conjunto de exames importantes estou a precaver que daqui a 5, 10 e 15 anos tenham complicações muito mais onerosas de tratar e potencialmente intratáveis

Sem necessariamente corresponder com a sofisticação da oferta que justifique?

Podemos ter um bocadinho das duas coisas. Quando temos, por exemplo, uma entidade mais sofisticada, com melhores corpos clínicos, com equipamentos mais avançados e com melhor imagem se expande para o Alentejo, onde não tinha este tipo de oferta, é normal que os preços sejam mais altos.

O que nós sabemos é que, genericamente, os preços que tinham estado estáveis, depois no movimento inflacionista da covid-19 subiram e tendencialmente acima da inflação.

Mas há vários fenómenos aqui. Temos o fenómeno do envelhecimento e, por estranho que possa parecer, o aumento dos salários mínimos tem um impacto não negligenciável na prestação de cuidados de saúde. Uma vez que haverá uma percentagem elevada daquilo que são os funcionários dos hospitais estão em bitola mínima.

Há ainda maior sofisticação, entrada de unidades com maior marca, alargamento da oferta, algum poder de mercado, aumento das bases de custos, nomeadamente do trabalho. Acho que isso tem provocado um aumento dos custos em Portugal.

Como gerem para que os custos do SAMS não se tornem insustentáveis para os associados?

Com profissionalismo e uma dedicação muito grande. Negociar, negociar e negociar. Nós somos o pagador, temos os clientes, os utentes. É um processo de negociação permanente.

No entanto, não é só a componente de preços que se tem de trabalhar. Tem a componente de serviço, de medicina preventiva, por exemplo que os nossos associados adotarem determinados comportamentos têm menos propensão a ter tipos de maleitas mais a frente.

Mas tal prevenção não iria afetar o preço que essa pessoa paga, pois não?

Não, o preço é independente. Mas, se eu trabalhar com os meus sócios comportamentos que não sejam propensos a doenças modernas do sedentarismo, tabagismo, por exemplo, eu estou provavelmente abaixo do aumento dos custos de saúde. Se eu promover, por exemplo, nos homens de 50 anos, um conjunto de exames importantes estou a precaver que daqui a 5, 10 e 15 anos tenham complicações muito mais onerosas de tratar e potencialmente intratáveis.

A gestão tem muitas componentes que não apenas a negociações.

Os associados têm preferência entre o SNS e a rede do SAMS?

Os subsistemas bancários são complementares ao SNS. Portanto, a obrigação de todos nós é usar o SNS dentro do que é o nosso dever de cidadania. Como o SNS tem partes onde se calhar é menos efetivo, a nossa natureza complementar é cobrir essa falta.

Por exemplo, há quatro anos atrás havia poucos dentistas em todo o SNS. A nossa natureza complementar levou-nos a ter uma especialização na prestação, na negociação, na celebração de convenções, com dentistas, estomatologista, clínicas dentárias precisamente porque há aqui uma falha no SNS.

Temos de todas as áreas um pouco. Esta natureza não é substitutiva, é complementar. Por exemplo, quando veio a pandemia, este é um risco que nem uma mutualidade bem gerida e sólida consegue sozinha abarcar. Portanto, é um risco que é assumido por toda a sociedade e nenhum subsistema se pode substituir. Ninguém tem capacidade, nem a ADSE, para assumir esse risco sozinha.

Em certas áreas onde os tempos de resposta do SNS são elevados, obviamente que o nosso papel complementar é mais chamado do que naquelas que não tem problemas. Pode haver perceção que somos substitutivos, mas não somos, nem o modelo de financiamento, nem a construção, nem o arquétipo, nem o acordo coletivo preveem que possa ser de outra maneira e neste sentido. No fundo, a oferta é igual. É normal que sejam mais usados quando a resposta pública é mais baixa.

Quem são os vossos parceiros?

Acima de 90% dos prestadores de saúde em Portugal são nossos parceiros.

Como conseguem gerir a procura para agilizar o atendimento dos associados para que não fiquem retidos em listas de espera?

A resposta é o segredo do negócio. Nós sofremos menos restrições que a generalidade dos portugueses que tem seguros de saúde. Não há médicos que cheguem para responder às necessidades. Ainda assim conseguimos que de forma desproporcional os nossos sócios tenham acesso na resposta privada. Em média temos menos restrições de acesso do que se calhar outros operadores privados, mas também temos algumas.

os portugueses tomaram consciência que o sistema social, o sistema privado e o sistema público podem coexistir entre eles.

O que acha que está por detrás do aumento de cerca de um milhão de pessoas em Portugal que, de 2019 a 2024, passaram a ter seguro de saúde?

Acho que os portugueses tomaram consciência que o sistema social, o sistema privado e o sistema público podem coexistir entre eles. Faz sentido ter uma resposta privado em caso do SNS esteja com mais dificuldades de resposta.

Apesar de metade dos portugueses ter seguro de saúde, estes representam uma percentagem muito reduzida da resposta global em Portugal. Por isso, o regulador está agora está a tentar ter uma tipologia de certificar os seguros de saúde que cumprem um conjunto de regras de transparência, cobertura de capitais etc, porque apesar de haver cobertura, não cobrem o que interessava cobrir.

Há um caminho a fazer, mas não é com seguros a 20 euros por ano que as pessoas vão atingir uma cobertura decente. Há muitas propostas de coisas neste nível de preços que não pode assegurar nada.

Os sistemas deviam coexistir e, quiçá, a gestão do SNS pudesse ter elementos e experiências retiradas dos sistemas mutualista, e dos privados porque eventualmente há aqui práticas interessantes que podem ser replicadas.

Está nos planos transformar o SNQTB Saúde numa seguradora mutualista?

A nossa ambição é servir de forma excelente os nossos sócios. Estamos a crescer o número de sócios e benefícios, desde há nove anos a crescer quase 50%. Neste crescimento orgânico está um grande desafio e acho que está a correr francamente bem. Ficamos contentes por ver iniciativas que estão a surgir que estão muito modeladas e inspiradas no que fazemos e isso para nós é suficiente.

Assine o ECO Premium

No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.

De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.

Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.

Comentários ({{ total }})

“No nosso SAMS sofremos menos restrições que os portugueses que têm seguros de saúde”

Respostas a {{ screenParentAuthor }} ({{ totalReplies }})

{{ noCommentsLabel }}

Ainda ninguém comentou este artigo.

Promova a discussão dando a sua opinião