Payshop multiplica contratos públicos a “tirar dinheiro físico” das escolas

Conta Pré-Paga Escolar já tem quase 100 municípios e justifica aumento dos contratos públicos na Payshop. Possível fim das portagens no interior proposto pelo PS "terá certamente impacto" no negócio.

Com as contas de 2023 ainda por fechar, o CEO da Payshop, Tiago Almeida Mota, antecipa, em entrevista ao ECO, uma estabilização nos lucros — que foram de 1,6 milhões de euros em 2022 — e um crescimento das receitas, apoiado nos novos serviços lançados pela empresa dos CTT, que gere “a maior rede de pagamentos presenciais em Portugal”.

Um desses serviços é a Conta Pré-Paga Escolar, dirigida aos municípios, que permite “tirar o dinheiro físico das escolas”. De acordo com o gestor, isso explica o forte aumento das receitas da Payshop provenientes de contratos públicos, que superaram os quatro milhões de euros em 2023, segundo dados consultados pelo ECO na InformaDB, e que comparam com pouco mais de 800 mil euros no ano anterior. “Vemo-nos cada vez mais como um parceiro do setor municipal” no Grupo CTT, responde o CEO.

Outro dos negócios fortes da Payshop é o pagamento de portagens. E, em plena campanha eleitoral para as legislativas, com um dos candidatos a primeiro-ministro — Pedro Nuno Santos, do PS — a propor o fim das portagens eletrónicas no interior do país e no Algarve, Tiago Almeida Mota prefere não “conjeturar”, mas admite que “terá certamente impacto” no negócio da empresa de pagamentos se se vier a materializar. “Qualquer impacto sobre o negócio não deixa de preocupar.”

O negócio Payshop, ou o negócio de pagamento de serviços, tem alguma resiliência a ciclos económicos.

Quem vive numa grande cidade como Lisboa e Porto consegue usar o telemóvel para quase tudo e dispensar a carteira. Explique porque é que ainda faz sentido existir uma rede de pagamentos presenciais.

Hoje em dia, com o telemóvel, conseguimos fazer a maior parte dos pagamentos. Mas não é verdade em todo o país e, mesmo nas cidades, não é assim em todos os segmentos populacionais. A Payshop construiu desde 2001 o que é hoje a maior rede de pagamentos presenciais em Portugal. Tem mais de 7.000 pontos espalhados por todo o país [dos quais mais de 5.000 agentes independentes, como cafés ou gasolineiras, por exemplo], com uma presença muito forte nos centros urbanos, mas também muito distribuída, muito granular, junto de todas as populações locais de quase todos os municípios — por exemplo, em todas as ilhas da Madeira e dos Açores.

Todos os dias é visitada por mais de 100 mil pessoas, para pagar as suas faturas, carregar o seu telemóvel, comprar o seu bilhete de autocarro, pagar os seus impostos, pagar uma portagem e um conjunto de outros serviços que oferecemos. Porque é que usam a nossa rede? De alguns estudos que temos feito, vimos que a sua distribuição é relativamente parecida com a distribuição etária e sociodemográfica portuguesa. Portanto, é um serviço que, ainda assim, é útil para uma parcela da população que é muito equivalente à população normal.

Também têm feito um caminho para a digitalização dos serviços.

Temos feito dois caminhos. Um da digitalização dos serviços como um todo e outro de alargamento dos serviços de que dispomos na própria rede. Na própria rede, introduzimos cada vez mais novos serviços, como a venda de vouchers de ecommerce e o carregamento das carteiras escolares, que acaba por atrair segmentos mais novos.

Não deixava de chamar a atenção para um certo papel de inclusão e de sustentabilidade social. Há segmentos da população que não têm facilmente acesso aos mesmos meios bancários, meios digitais, que nós os dois temos. E para o pagamento de alguns serviços e bens essenciais, como a eletricidade, a água e as telecomunicações, o facto de haver um meio de pagamento disseminado que permita a todos os segmentos pagar esses bens essenciais é uma vantagem.

Tiago Almeida Mota, CEO da Payshop, em entrevista ao ECO - 19FEV24
Tiago Almeida Mota, CEO da Payshop, em entrevista ao ECO Hugo Amaral/ECO

A Payshop lucrou 1,6 milhões de euros em 2022, menos do que os quase dois milhões que lucrou em 2021, muito por causa de um aumento dos gastos operacionais. Ainda não foi publicado o Relatório e Contas de 2023, mas como é que correu o negócio da Payshop no ano passado?

Tem estado num caminho de transformação e reposicionamento estratégico. Em 2023, vamos apresentar um crescimento em receita, mesmo sabendo que a definição tradicional do nosso serviço é muito desafiada por todas as tendências de que já falámos: a digitalização, o menor uso de dinheiro, etc. Em cima dessas tendências, temos conseguido fazer uma migração muito interessante dos serviços para serviços cada vez mais digitais, como a conta pré-paga escolar ou o gateway de pagamentos digitais POP que lançámos no ano passado.

Isso tem sustentado esta trajetória de resultados. O EBIT tem-se mantido estável: é um EBIT saudável, é um EBIT à volta dos 20 a 25%, o que é bom dentro do grupo CTT e dentro da indústria. Mas é um EBIT que neste momento está a refletir o grande investimento em meios e operação que a Payshop tem feito para sustentar um crescimento no futuro.

Então, ao nível de lucros, deduzo que tenham caído novamente?

Vão estar estáveis. Os números ainda não estão fechados, mas estão estáveis.

Em 2022, em termos líquidos, acrescentaram dez agentes. Está no horizonte melhorar a proposta de valor, para reter e para captar mais?

A rede é uma entidade dinâmica. Por um lado, é o reflexo de 20 anos de relações, e temos ainda agentes que vêm desde o início. Ao mesmo tempo, também temos feito um grande esforço de modernização da rede, e não só, nos locais mais tradicionais, mas também nos locais em que cada vez mais os cidadãos vão usar os seus serviços: centros comerciais, bombas de gasolina e supermercados têm um peso cada vez maior na nossa rede. Sim, temos feito um esforço grande de ter uma proposta de valor muito interessante para estes parceiros. O primeiro aspeto da proposta de valor é a captura de tráfego, de utilizadores, para dentro da loja. E continua a ser a grande proposta da Payshop para os nossos parceiros. A bandeira Payshop traz utilizadores, traz clientes para aquela tabacaria, para aquele café, que vão lá pagar as contas e acabam depois por fazer algum consumo na própria loja.

Mas, depois, a receita que obtêm com cada transação não é muito elevada. Estamos a falar de alguns cêntimos, não é?

A receita não é muito elevada por cada transação, é verdade.

São sete cêntimos?

É na ordem de alguns cêntimos. Depende do serviço. Estamos a fazer um trabalho e um enfoque grande a trazer serviços de maior valor e maior remuneração para os nossos parceiros. Dou-lhe um exemplo: em outubro passado introduzimos a revenda de cartões SIM pré-pagos de uma das principais operadoras de telemóveis nacionais. Logo no primeiro mês tornámo-nos no principal parceiro de retalho em presencial dessa mesma operadora, o que foi muito interessante. Mostra, por um lado, a capacidade da nossa rede de colocar produtos no retalho mas também nos permite, nesse caso, trazer uma remuneração mais interessante para o próprio agente e, assim, também tornar mais interessante trabalhar connosco, completando a proposta de valor do tráfego, do número de clientes na loja.

Tiago Almeida Mota, CEO da Payshop, em entrevista ao ECO - 19FEV24
Tiago Almeida Mota, CEO da Payshop, em entrevista ao ECOHugo Amaral/ECO

Em 2018, o Banco CTT passou a gerir a Payshop. Porém, no terceiro trimestre de 2023, a Payshop voltou ao perímetro do Grupo CTT. Porquê?

A Payshop sempre foi do Grupo CTT. Começou em 2001 como uma empresa independente, foi adquirida pelo Grupo CTT em 2003 e sempre operou neste contexto, com uma forte integração e proximidade ao grupo e às várias áreas do grupo, e isso não se alterou, mesmo quando, em 2018, foi colocada no banco. Na altura queríamos aproximar e desenvolver serviços, não só presenciais mas também os serviços bancários e digitais da própria Payshop, e queríamos também dar um salto que nos é exigido regulatoriamente em termos dos nossos processos e da maneira como lidamos com a nossa licença de instituição de pagamentos.

A verdade é que também desde 2018 o próprio Grupo CTT evoluiu. O próprio Grupo CTT tem hoje em dia um enfoque muito mais empresarial, muito mais em soluções para empresas e muito mas no ecommerce, que também tem ganho um peso crescente.

O relatório trimestral diz que esta passagem ao perímetro do grupo vai permitir “capturar sinergias com as restantes áreas dos CTT”. A que é que se estão a referir em concreto?

As primeiras sinergias são de oferta, ou seja, é o posicionamento da oferta de pagamentos dentro do portefólio do Grupo CTT de oferta de serviços empresariais, que vão desde o correio, o Expresso e Encomendas, até aos serviços de BPO [Business Process Outsourcing], de contact center, e aos serviços de pagamentos. E esse portefólio, seja para o setor público seja para o setor privado, faz muito sentido estar em conjunto. E há outra sinergia em termos de produto: na cadeia de valor de ecommerce faltava aos CTT a peça dos pagamentos. Com a nova gateway digital, a POP, cumprimos isso.

Obviamente também há sinergias operacionais, nomeadamente a nível da força de vendas, ao nível da força de gestão de rede, que estamos a capturar. Vai permitir reduzir custos e permitir crescer sem aumentar proporcionalmente a base de custos. Ou beneficiar de uma base maior já instalada. Vai-nos permitir, de facto, operar numa escala muito maior do que aquilo que uma empresa como a Payshop poderia operar se não estivesse dentro deste grupo maior.

Espera-se uma forte desaceleração da economia portuguesa em 2024. Queria que comentasse esta atual conjuntura económica, no contexto do que isso significa para a Payshop. E, dentro deste cenário, se acredita que vão poder continuar a crescer ao longo deste ano.

Acredito que sim e a perspetiva para 2024 é uma perspetiva de crescimento. Seja capturando receita dos produtos novos que lançámos, seja continuando a introduzir novos produtos.

Mas a conjuntura é desafiante?

O negócio Payshop, ou o negócio de pagamento de serviços, tem alguma resiliência a esses ciclos económicos. Estamos a falar de uma base de pagamento de contas (luz, água…) que são dos últimos gastos que muitas famílias conseguem cortar. Também, por outro lado, o reposicionamento que fizemos da Payshop coloca-nos em áreas igualmente resilientes ou até de crescimento. O ecommerce está em franco crescimento, portanto, mesmo com alguma desaceleração, tem ainda muita quota e muita margem para crescer, e acreditamos que vamos conseguir fazer aí uma boa entrada. Com a conta pré-paga escolar, estamos a servir a população escolar: mais de 2.500 escolas, quase meio milhão de alunos em todo o país, e são alunos que continuarão, independentemente do ciclo económico, a ter que ir à escola, a ter que comer no refeitório e a pagar as suas refeições. Nesse sentido, também é um produto que nos mostra alguma resiliência.

Esse produto é dirigido às câmaras municipais?

É sim. Na prática, hoje em dia, em cerca de 100 municípios em todo o país, oferecemos este pacote integrado com um parceiro, um pacote de conta escolar pré-paga, em que o encarregado de educação carrega o saldo na conta do seu filho, que pode usá-lo depois dentro da escola. Este é um serviço prestado pelas câmaras municipais, que hoje em dia têm a gestão do parque escolar e dos serviços relacionados, e permite fazer algo que os serviços tradicionais bancários não conseguem, que é tirar o dinheiro da escola (deixa de haver dinheiro físico), sem a necessidade de os alunos e os pais estarem a abrir uma conta bancária ou terem um cartão bancário, o que, de um modo genérico, em toda a população, seria quase impossível.

Os contratos públicos têm um peso grande nas receitas da Payshop.

Têm sim senhor.

Representaram 10% das receitas em 2021. Depois caiu bastante em 2022, mas, dos dados a que já conseguimos aceder, em 2023 houve um aumento de cinco vezes do valor de receitas com contratos públicos na Payshop relativamente a 2021. Porque é que há este aumento?

No caso da Payshop especificamente, o grande aumento vem do aumento de penetração desta conta escolar pré-paga de que falei. No caso de todo o Grupo CTT, vemo-nos cada vez mais como um parceiro também desse setor, o setor municipal, trazendo todo um conjunto de serviços de pagamentos, seja nas escolas, seja nos serviços municipais, seja cada vez mais nos pagamentos digitais, onde ainda é uma área que tem muito pouco pagamento digital. Os pagamentos ainda são físicos, são em dinheiro, e acreditamos que é uma área que podemos servir muito bem com a oferta que temos hoje em dia, que vai para além do físico.

Tiago Almeida Mota, CEO da Payshop, em entrevista ao ECO - 19FEV24
Tiago Almeida Mota, CEO da Payshop, em entrevista ao ECO Hugo Amaral/ECO

Uma das áreas importantes dentro do vosso negócio é o pagamento de portagens. Temos eleições à porta e uma das promessas eleitorais de um dos candidatos, que é candidato a primeiro-ministro, Pedro Nuno Santos (PS), é acabar com as portagens ex-SCUT no interior do país e no Algarve. Já fez as contas a quanto é que isso pode significar de perda de receita para a Payshop?

Ainda não, e não nos cabe obviamente estar aqui a conjeturar sobre serviços. Nós estamos cá para servir as necessidades dos nossos clientes ou utilizadores. Se amanhã mudarem, readaptaremos a nossa oferta e o serviço que fazemos, seja para as concessionárias seja para os utilizadores…

… mas admite que teria um impacto?

Terá certamente um impacto que teremos de saber substituir com os outros serviços de mobilidade de que há pouco falava, com maior peso na bilhética, onde estamos a fazer uma transição grande para o digital, e também dentro da própria área de portagens, evoluindo para outros meios.

Preocupa-o de alguma forma?

Qualquer impacto sobre o negócio não deixa de preocupar, mas não deixa também de ser uma oportunidade para pensarmos outras avenidas de crescimento.

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