Juan Olivera, CEO da Ericsson Portugal, propõe que o país se inspire nos que pedem às empresas "compromissos de investimento" em vez de "mais dinheiro" assim que parte do espectro para o 5G expirar.
O CEO da Ericsson Portugal aplaude as metas do Governo para a transformação digital, nomeadamente o plano para recuperar o atraso na cobertura 5G, mas pede mais detalhes sobre o financiamento das medidas — inclusive, saber se a fatura vai recair sobre as operadoras de telecomunicações. Em entrevista ao ECO, Juan Olivera propõe que o país se inspire naqueles que pedem às empresas “compromissos de investimento” em vez de “mais dinheiro” assim que parte das licenças de espectro expirar. Ivan Réjon, diretor de Estratégia e Corporate Affairs da Ericsson Europa, reitera a necessidade de consolidação no setor.
Que avaliação fazem do Programa do Governo nas matérias de transformação digital e telecomunicações?
Juan Olivera (JO): O plano está alinhado com as nossas recomendações e com o que estamos a ver noutros países europeus. O que precisamos é de detalhes mais específicos, porque também não vimos nada a acontecer no último ano. Há um plano, mas fala só da importância do 5G. Penso que precisamos de um horizonte temporal e de marcos para o fazermos. E medidas concretas, com dinheiro, um calendário e fundos (se vai ser financiamento públicos ou vão pedir aos operadores). É necessário um plano detalhado. O programa e a Estratégia Digital Nacional são boas ideias.
Ivan Réjon (IR): A Estratégia Digital Nacional tem um Plano de Ação para 2025-2026 com 49 ações, distribuídas por 16 iniciativas, com dez entidades e 350 milhões de euros. Como será distribuído? É preciso entender isso. Quando se vê as medidas com datas é um bom começo, mas é necessário desenvolvê-las.
Sim, mas a maioria dessas medidas estava prevista para o primeiro semestre, que termina na próxima semana…
JO: Pois, já passou. Penso que também é necessária uma gestão transversal. Agora, temos o Ministério da Reforma do Estado, onde o Bernardo Correia, antigo country manager da Google em Portugal, é o novo secretário de Estado da Digitalização, mas depois temos o Ministério das Infraestruturas, que é responsável pelas telecomunicações. Depois temos o Ministério da Administração Interna, que é responsável pelo SIRESP, e ainda o Ministério da Economia e Coesão Territorial…
Com quem se irão reunir?
JO: Já reunimos várias vezes com o ministro das Infraestruturas, Miguel Pinto Luz, antes destas eleições. Depois ainda não houve tempo. Reunimo-nos com ele e com Castro Almeida. Estamos a tentar restabelecer o contacto para ver se nos podemos reunir no terceiro trimestre, logo depois do verão. Falarei com o Bernardo quando tiver oportunidade.
O ex-líder da Google pareceu-lhe uma escolha adequada para esta pasta?
JO: Parece-me que sim. Não conheço muito bem o Bernardo, mas penso que tem o perfil para perceber bem o processo de digitalização, até porque esteve na Google muitos anos. Sou um otimista e defensor que haja uma pessoa do setor privado a assumir funções como esta. É uma boa notícia, porque ele conhece de perto os problemas da digitalização em Portugal, a sensibilidade e a capacidade de investimento das empresas portuguesas.
Bernardo Correia [secretário de Estado] tem o perfil para perceber bem o processo de digitalização, até porque esteve na Google muitos anos. Sou um otimista e defensor que haja uma pessoa do setor privado a assumir funções como esta. É uma boa notícia
Nessas futuras reuniões, que recomendações vão deixar aos governantes?
JO: É preciso tomar uma decisão com urgência sobre o SIRESP. E acredito que, na perspetiva das operadoras, estamos a viver um ambiente extremamente competitivo. Não têm capacidade para investir porque é um negócio muito intenso do ponto de vista do capex [investimento], portanto, acreditamos que todo este impulso na Europa para a consolidação e regulação também é relevante. Também acho há decisões importantes que precisam de ser tomadas sobre a renovação do espectro [faixas de frequência para 5G], porque parte do espectro expira em 2027 e há países que estão a tomar decisões que, na nossa opinião, são inteligentes, como não pedir mais dinheiro aos operadores para o espectro e, em vez disso, trocá-lo por compromissos de investimento. Em relação às infraestruturas, também necessitam de uma transformação significativa na rede GSMR [comunicação sem fio para ferrovias ou Global System for Mobile Communications Railway), bem como identificar zonas brancas, zonas rurais sem conectividade, e avaliar a melhor tecnologia para as alcançar (5G, FWA – Fixed Wireless Access…).

Portugal e Espanha ficaram às escuras há cerca de dois meses. O apagão impactou não só a eletricidade como as redes móveis, mas o relatório final sobre aquele 28 de abril ainda está por divulgar. Com a informação que temos até ao momento, que solução propõem para evitar?
JO: A primeira coisa que temos de fazer é determinar que as redes móveis são a espinha dorsal da sociedade. Determinar que a infraestrutura móvel é uma infraestrutura crítica no país. É importante saber o número de serviços críticos e de emergência que operam nas redes. E que implicações tem para as operadoras que sejam consideradas infraestrutura crítica? Serão submetidas a outra análise? Quem a fará? O Governo pode ter de realizar um concurso público onde diferentes operadores concorram por áreas geográficas para prestar serviços diferenciados.
O modelo do Reino Unido em que o mapa é dividido em diferentes zonas de resiliência seria uma possibilidade?
JO: Se realmente estamos todos realmente preocupados com a possibilidade de isto voltar a acontecer devido a desastres naturais, precisamos de agir. E se for necessário, o modelo do Reino Unido pode ser um exemplo. Há outros: o da Coreia, da Austrália, do Japão… Há mais modelos que constroem redes resilientes, porque são países sujeitos a catástrofes naturais ou mais expostos a catástrofes naturais de maior dimensão do que talvez Portugal. A pergunta é: que redes móveis queremos ter? Porque hoje, na maior parte da Europa, as redes são concebidas para durar duas a quatro horas.
No início deste ano, a Câmara Municipal de Madrid, em colaboração com a Orange, começou a implementar uma rede pública privada 5G Standalone para serviços de emergência. Sabemos que a Ericsson reuniu com a equipa de Carlos Moedas. Pergunto se falaram neste tema e se há abertura para um acordo semelhante ou outra colaboração?
JO: Tivemos uma conversa positiva em Lisboa. Após esta conversa, visitámos a Unicorn Factory. Estamos também a trabalhar numa proposta para melhorar a conectividade interna da Unicorn Factory. A tecnologia móvel apresenta frequentemente barreiras à cobertura interna. É neste projeto que estamos a trabalhar. As nossas equipas continuam a trabalhar com a equipa técnica da Câmara de Municipal de Lisboa e esperamos ver algo nos próximos meses.
Temos uma proposta para melhorar a conectividade interna da Unicorn Factory. A tecnologia móvel apresenta frequentemente barreiras à cobertura interna. É neste projeto que estamos a trabalhar com a equipa técnica da Câmara de Municipal de Lisboa e esperamos ver algo nos próximos meses.
A cinco anos da data prevista de arranque do 6G, quão pronta está a Ericsson para dar resposta à implementação desta tecnologia? Acham que 2030 é uma data razoável a considerar?
JO: Penso que é uma pergunta que ainda está longe de ser respondida. Há países onde talvez se possa fazer algumas provas de conceito até 2030, mas não creio que seja o caso em Portugal e, ao ritmo que estamos a ir, não creio que seja o caso na Europa. Agora, sempre que me perguntam sobre 6G, respondo: “vamos parar de falar de 6G e vamos falar de 5G”, onde ainda temos um longo caminho a percorrer. Mas é certo que o 6G virá, e já se falou da importância das redes seguras, da cibersegurança, que será uma componente fundamental, provavelmente redes abertas (open networks), mas não creio que na maioria dos países europeus o 6G seja relevante até daqui a 10 anos, até 2035.
IR: Além disso, a indústria ainda tem um longo caminho a percorrer no 5G e o 6G está a iniciar o processo de padronização. Em 2025, precisamos de pensar que visão queremos ter para o 6G. Provavelmente, será um processo muito mais evolutivo. Há agentes no setor que dizem que talvez já não precisemos de falar em atribuir números. Por outras palavras, uma espécie de melhoria contínua. Recordo uma citação de que gostei de um secretário de Estado — e Espanha e Portugal são um pouco parecidos – que dizia: “Somos líderes, mas a liderança é redefinida todas as manhãs”. Éramos praticamente líderes em fibra, mas a França já supera a qualidade da fibra. É verdade que [a fibra] chega a muitas casas em Portugal e Espanha, mas em França, muitas casas já têm um Gigabit por segundo, enquanto em Espanha e em Portugal, porque começámos antes, não temos. Os rankings redefinem-se. E os rankings não são uma questão de ser o primeiro ou o segundo, são importantes porque se tomam decisões e depois usufrui-se dos serviços com base nas infraestruturas que temos.

E porque é que a Europa está tão atrás da América do Norte e da Índia, por exemplo, em termos de cobertura populacional do 5G?
IR: Na Europa, temos um problema de fragmentação excessiva. Nos Estados Unidos, existem três grandes operadoras (a T-Mobile, a Verizon e a AT&T), na China também existem três (China Mobile, China Telecom e China Unicom) e na Índia outros três. Em países que são quase continentes, existem três operadores. Em Espanha, existem 45 marcas de operadores de telecomunicações na televisão. Há uma fragmentação excessiva que faz com que as operadoras não obtenham o retorno esperado dos seus investimentos, o que exerce uma enorme pressão sobre os preços, impedindo-as de obter lucro. Na Europa, em geral, os leilões de espectro têm sido muito dispendiosos. As operadoras investiram 25 mil milhões em licenças 5G, o que levou a uma situação em que não há apetite pelo investimento. O investimento por cidadão na Europa é muito inferior ao dos Estados Unidos, da China ou do Japão. Não se trata, como alguns dizem, de um problema de disponibilidade de tecnologia ou de um produto específico. Não é um problema de estrutura setorial. Defendemos a consolidação onde fizer sentido.
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“Plano do Governo para o digital precisa de detalhes, calendário e fundos”
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