Os primeiros responsáveis pelas contas das empresas são as administrações. É assim que o presidente da PwC, José Manuel Bernardo, enquadra as responsabilidades e o trabalho das auditoras.
José Manuel Bernardo é presidente da PwC em Portugal desde julho de 2015, antes da entrada das novas regras de auditoria em Portugal, agora sob a supervisão da CMVM. Já estava na auditora desde 1989, e fez a transição de regimes legais, mas garante que as mudanças não são significativas face às práticas já seguidas. Sobre a responsabilidade dos auditores nos casos financeiros dos últimos anos, José Manuel Bernardo lembra que, “em primeira instância, quem é responsável pela apresentação das demonstrações financeiras são as administrações“. Em 2015, a companhia faturou cerca de 92 milhões de euros e os resultados de 2016 deverão ser divulgados no final deste mês.
As novas regras de supervisão das auditoras mudou há pouco mais de um ano, em janeiro de 2016. Que avaliação faz?
Há uma série de aspetos que tinham de ser estruturados e que, se calhar, não estavam no passado. Há um conjunto de aspetos básicos que, no nosso caso, não trazem diferenças substanciais. Porquê? A grande novidade nas novas regras tem a ver com a criação de um conjunto de serviços que ficam sujeitos a aprovação dos audit committiees e são proibidos de prestar aos auditores de Entidades de Interesse Público (EIP), de acordo com o framework do regulamento da Comissão Europeia. No entanto, não deixa de ser verdade que as regras de independência das normas internacionais de auditoria (ISA) foram uma fonte de inspiração para estas mudanças. E essas regras já eram respeitadas na PwC. As nossas auditorias sempre foram feitas tendo como requisito mínimo as ISA. No fundo, trata-se de criar aqui, talvez, uma camada adicional de complexidade local, que nos levou a ter de dar resposta a esses requisitos, mas não foi uma mudança substancial em relação àquilo que fazíamos no passado. Dito de outra forma, tudo o que era o controlo sobre a atividade que fazíamos em cada um dos clientes, a aprovação dessas atividades assenta no framework das ISA e não eram totalmente distintos…
Mas as novas regras foram impostas em resposta à sucessão de casos e falhas de supervisão aos vários níveis, nomeadamente das auditoras… A CMVM pôs quatro prioridades: É necessário mais independência, é preciso evitar os conflitos de interesse, é preciso garantir o controlo interno das sociedades e a relação das comissões de fiscalização interna com as próprias auditoras e, finalmente, é necessário um maior nível de ceticismo e uma recolhe mais apurada da informação.
Se visse o que constava das normas profissionais da Ordem dos Revisores de Contas, que, supletivamente, assentavam nas ISA, na verdade, muito disso já estava contemplado. Por exemplo, a necessidade de rotação de responsável da auditora, o ceticismo profissional… Aconteceram problemas. De quem são as responsabilidades? Essencialmente dos auditores, dos órgãos de administração, dos órgãos de fiscalização, de quem são, afinal?
É uma boa pergunta…
Em primeira instância, quem é responsável pela apresentação das demonstrações financeiras são as administrações das empresas. E existem normas, o código das sociedades comerciais de aplicação geral, o regime geral das instituições de crédito, um conjunto de normas do Banco de Portugal e das instituições europeias, no sentido de reforçarem e complementarem o que está nesse código das sociedades. Depois, é preciso saber se as pessoas desempenham os seus papéis, enquanto administradores e responsáveis pela fiscalização e se o enforcement que existe das normas é suficiente ou insuficiente, se há profissionalismo no desempenho de todas as funções, a começar pelos administradores e a acabar onde tiver de acabar, incluindo os auditores.
Há uma excessiva responsabilização dos auditores?
Há alguma tendência… Não diria tendência, mas a verdade é que se fala muito dos auditores, mas esquece-se que quem é responsável, como refere o início do código das sociedades, os deveres dos órgãos de administração. A opinião pública em geral esquece os deveres…
Porquê? Encontra uma boa explicação?
Os auditores existem para transmitir confiança à sociedade em geral. Admito que, quando as pessoas pensam nestes problemas, pensam em primeira instância nos auditores e nos seus deveres, mas não são únicos. Os órgãos de fiscalização têm um conjunto de deveres mais extenso do que o dos auditores. Diria que talvez haja algum enviesamento quando se diz que o auditor é o único responsável e que, no fundo, está nessa função para assegurar que tudo funciona.
Em primeira instância, quem é responsável pela apresentação das demonstrações financeiras são as administrações das empresas. E existem normas, o código das sociedades comerciais de aplicação geral, o regime geral das instituições de crédito, um conjunto de normas do Banco de Portugal e das instituições europeias, no sentido de reforçarem e complementarem o que está nesse código das sociedades.
Depois de tudo que se passou no sistema financeiro, e com este tempo decorrido, que lições retirou? As auditoras fizeram o seu trabalho?
Sinto que, em relação aos nossos clientes, fizemos aquilo que era correto em cada momento do tempo, e isso resulta num conjunto de ações junto dos acionistas, das administrações, dos órgãos de fiscalização e dos supervisores quando eles existem. Admito que tenha havido épocas, o exemplo é o Enron, em que ações de indivíduos não tenham sido as melhores, erros de julgamento, admito pressões e isso afetou de uma maneira geral a [nossa] profissão.
Como é que a PwC garante que não há conflito de interesse entre a auditoria e a consultoria?
A regra básica do auditor é assegurar que não faz auto-revisão, não audita aquilo que preparou direta ou indiretamente. Em cada proposta que surge em relação a um cliente de auditoria, não sai sem uma aprovação explicita do sócio responsável e há uma equipa de risk management que acompanha esses processos e que serve de árbitro para as zonas que possam ser cinzentas. De acordo com as normas nacionais e, supletivamente, as normais internacionais. E, depois, é sujeito a normas de qualidade…
De que forma?
Para além de todos os controlos dos supervisores e reguladores, temos, internamente, equipas que assegurem isso, em dois layers distintos. Por um lado, um layer local, todos os anos são selecionados trabalhos de auditoria em Portugal de todos os que assinam relatórios de auditoria na firma e esses trabalhos, aleatoriamente, são avaliados para verificar esses regimes de independência. Adicionalmente, existe um controlo de qualidade internacional, uma equipa que visita cada um dos países e seleciona, também de forma aleatória, os trabalhos de todos os partners. Todos os partners são revistos de três em três anos e todos os clientes públicos são revistos, pelo menos uma vez de cinco em cinco anos.
Coloque-se na posição de um investidor que o ouve sobre as regras de auditoria. Se estas regras são tão apertadas, e se foram reforçadas, como é que pode confiar que não voltam a suceder casos como os que conhecemos? Ou é uma fatalidade, para a qual os investidores têm de estar preparados?
O mercado português não é dos menos desenvolvidos, mas também não é o mais desenvolvido do mundo. Se olhar para esses mercados, para os EUA ou mercados na Europa, não há nenhum onde não surjam problemas ao longo do tempo, e não é por existirem mais regras. Obviamente, se as malhas forem apertadas e o enforcement for bom, diria que é mais difícil existirem problemas. Agora, pense nos problemas nos EUA e a SEC é famosa pela severidade com que faz o seu trabalho. Por exemplo, em Itália já existe a rotação obrigatória de auditores há muitos anos e não foi por isso que não existiu o caso Parmalat. Problemas não necessariamente com as contas, problemas com os comportamentos das empresas, subornos.
Luís Ferreira Costa era diretor do Departamento de Supervisão do Banco de Portugal, foi contratado para partner da PwC e, agora, regressou à mesma função na entidade de supervisão…
Era sócio na área do risco e da regulação bancária, é uma pessoa conhecedora dessa área, um excelente profissional que o Banco de Portugal entendeu que tinha interesse em contratar para reforçar os seus quadros. Fez certamente a avaliação desse tipo de questões relacionadas com conflitos de interesse. Estava na consultoria, não estava na auditoria…
Nestas áreas da regulação bancária, diria que não há muitas fontes de recrutamento a não ser nas consultoras e nos bancos. E o problema não se esgota em Portugal. Qual é o curriculum de pessoas que estão em órgãos de supervisão na União Europeia? Construíram os seus CV também em entidades privadas.
Não lhe coloca, a si, reservas?
Deve haver uma análise, nos casos concretos, dos papéis desempenhados e em que medida esses papéis podem ou não ser conflituantes com as novas responsabilidades. Isso tem de ser feito e certamente foi feito por parte do Banco de Portugal. Há um aspeto muito relevante, as pessoas têm de ter competências suficientes para desempenhar os papéis em cada um dos momentos. Ser-se independente não é o único requisito que deve ser tido em conta no momento do recrutamento para um papel de gestor, administrador, supervisor… Tem de se ser competente e conhecedor desse papel que vai desempenhar. Obviamente, não se pode esquecer as outras dimensões. Nestas áreas da regulação bancária, diria que não há muitas fontes de recrutamento a não ser nas consultoras e nos bancos. E o problema não se esgota em Portugal. Qual é o curriculum de pessoas que estão em órgãos de supervisão na União Europeia? Construíram os seus CV também em entidades privadas.
É presidente do PwC há quase dois anos. Qual foi o principal desafio da sua presidência?
Foi necessário assumir a liderança de uma empresa que estava, naquele momento, a tomar o papel de responsável por uma operação em Angola e a economia daquele país estava a cair no mesmo momento.
A operação de Angola da PwC passou a depender de Portugal?
Sim, em junho de 2014, e entrei em 2015. Foi um desafio significativo. É muito difícil fazer pagamentos a partir de Angola, por exemplo, e a verdade é que temos um escritório que tem todo um conjunto de requisitos para funcionar, usa software licenciado e que tem que ser pago internacionalmente, tem um conjunto de pessoas para manter a atividade e que não são angolanos e têm de ser remunerados.
Já passou a fase mais difícil de Angola?
A economia de Angola ainda não. A nossa operação foi adaptada às circunstâncias concretas. A operação de Angola não vale muito no total, vale entre 10% e 15% da faturação. Tínhamos 180 pessoas em Angola, não era uma pequena entidade, e foi preciso assegurar que continuava a funcionar em condições muito adversas. É impossível pagar qualquer coisa.
Como é que garantirem isso?
Afinamos muito tudo o que tem a ver com a liquidez e tesouraria, a proteção e o risco cambial… Uma coisa é pagar licenças em dólares e pagar a expatriados em dólares e outra coisa é receber em kwuanzas e sujeitos a desvalorizações significativas. E, claro, apoiar muito a operação a partir de Lisboa.
A crise, disse, ainda não passou, mas a PwC ganhou recentemente um grande contrato com a Sonangol, por causa do processo de reestruturação da petrolífera?
Há trabalhos com a Sonangol, sim…
É o grande trabalho que está a fazer em Angola?
É importante, claro. Mas temos clientes importantes em Angola, por isso é que estão 180 pessoas na PwC. Mantivemos mais ou menos as mesmas pessoas, algumas coisas foram adaptadas, por exemplo, o que poderia ser feito a partir de Portugal passou para Lisboa, renegociamos contratos, espaços.
Como é que a economia angolana pode sair desta crise?
A economia angolana depende muito do petróleo e por isso tem de ser diversificada, mas isso demora tempo, é um trabalho para gerações. É um caminho que está a ser feito, industrializar o país, aproveitar os recursos naturais que tem, investir na agroindústria, que tem um potencial extraordinário. No fundo, o petróleo tem de ser o motor de tudo o resto.
Como avalia as empresas portuguesas que estão em Angola?
As empresas vivem problemas complicadíssimos de liquidez que, no final do dia, podem comprometer a empresa como um todo. Estavam a desenvolver um conjunto de trabalhos e não conseguem obter as divisas para assegurar os pagamentos desses trabalhos. O peso das importações é significativo, é preciso importar muitas coisas e é preciso pagar em moeda estrangeira. Por isso, é preciso ter fôlego para aguentar.
O primeiro desafio foi a operação em Angola. E em Portugal?
A PwC tem uma posição de liderança na auditoria, medida pelo número de empresas cotadas. Continuamos a ser uma empresa de auditoria, que vale cerca de 50%. Somos cerca de 1300, dos quais 600 exclusivamente dedicados à auditoria. Os outros 50% divididos entre o tax [fiscalidade] e a consultoria. Tendo em conta o número de Entidades de Interesse Público auditadas pela PwC, o peso neste segmento, haverá nos próximos anos uma tendência no sentido de aumentar a relevância das outras áreas.
Porquê?
O mercado não é suficientemente grande para substituirmos todos os clientes que deixaremos de auditar porque são Entidades de Interesse Público e, por isso, tem de haver rotatividade. No fundo, trata-se de dotar a empresa de todas as competências necessárias para assumir os diversos papéis que tem de assumir ao longo do tempo. Temos feito um esforço muito grande para apostar em determinadas áreas, uma delas foi justamente a do risco e regulação bancária e temos, sem dúvida, a melhor equipa em Portugal e uma das melhores na Europa. A prova disso é que duas das nossas pessoas [Luís Barbosa e Pedro Cerqueira Machado] são responsáveis por estas áreas ao nível da PwC na EMEA (Europa, Médio Oriente e África). Ao nível dos riscos e regulação bancária e ao nível da governação e conduta.
E na consultoria?
Temos feito um esforço importante na área da consultoria, em IT, operações e human capital. Aqui, procuramos atuar em áreas que não são as mais comuns. Não fazemos implementações de sistemas, há muita gente que faz ótimas implementações de sistemas, agora apoiar a gestão de topo de uma entidade nas suas decisões estratégicas sobre os sistemas de informação, isso fazemos e isso interessa-nos. Devo dizer que houve grandes mudanças na PwC. Há 12 anos, a área mais importante era consultoria e éramos líderes de mercado em IT. Nesse momento, saímos desse negócio, vendemos a operação à IBM, com mais de 600 profissionais. Foi uma mudança muito substancial.
A PwC vai ter de preparar-se para a obrigatória rotação na área da auditoria. Como é que se faz a recomposição do negócio?
Não tencionamos deixar de ser auditores (sorrisos). Temos de nos adaptar e olhar para o futuro, quais são as perspetivas, para a regulação, por exemplo, e tomar em conta o que poderá ser o nosso papel enquanto auditores e consultores no mercado português e também internacional. Algures no tempo, deixaremos de ser auditores da VW, os milhares de pessoas que, no mundo, trabalham para a VW serão afetos a outro cliente, a outros projetos. Temos de nos preparar e aproveitar as novas oportunidades.
A PwC tem uma posição relevante na auditoria da área financeira…
Neste momento, temos uma posição que é relevante, a área financeira é uma aposta significativa, em particular nos últimos cinco ou seis anos. Temos muitas valências ao nível da auditoria, fiscal e consultoria, será sempre uma área significativa.
É a área mais relevante de negócio?
Não, representa cerca de 24% do total. A área mais significativa é a de produtos industriais e comerciais.
A PwC tem a auditoria do Novo Banco, do Santander, do CaixaBank em Espanha e, provavelmente, poderá ter o BPI…
Temos de considerar essa possibilidade, sim, mas a escolha depende dos acionistas do banco [já depois de realizada esta entrevista, foi confirmado que a PwC será o auditor do BPI].
E tem um novo concurso, o da CGD?
Sim, é verdade. Esse concurso já está a correr há algum tempo. A decisão depende da CGD, não está nas nossas mãos.
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