Programa E-Residency será lançado até ao fim do ano

Portugal terá um programa de cidadania digital melhor que o da Estónia até final de 2021 e apoiará a criminalização do ódio na internet.

Até ao final do ano, Portugal terá um programa como o da Estónia para permitir que cidadãos estrangeiros possam usufruir dos serviços públicos nacionais, uma medida apetecível para nómadas digitais que vejam no país um destino para as suas startups, ou que por cá abram contas bancárias. Mas a ambição vai mais além: o objetivo é que possa ser pedido e atribuído totalmente à distância para ser uma referência internacional.

O secretário de Estado para a Transição Digital, André de Aragão Azevedo, explica ainda, em entrevista ao ECO, como a cloud pode gerar poupanças na Administração Pública e assegura que o país apoiará a criminalização do discurso de ódio na internet, que vai contra “os valores de uma sociedade democrática”. Sobre a regulamentação para os serviços digitais, apresentada pela Comissão Europeia, deixa um alerta: “Excesso de ambição é contraproducente.”

Veja, oiça ou leia aqui as outras partes da entrevista:

Em que fase está o desenvolvimento do programa E-Residency?

O programa E-Residency está numa fase já muito avançada. É particularmente complexo porque envolve várias áreas governativas que têm, todas, de convergir naquilo que é o seu contributo parcelar para um projeto que é disruptivo e que queremos que seja inovador, mesmo em termos internacionais.

Queremos ir além daquilo que é o programa mais conhecido deste tipo, que é o da Estónia, mas que ainda implica uma deslocação física a um consulado ou a uma embaixada. O fator distintivo que queremos introduzir é ser completamente digital. Daí a maior complexidade. Implica um trabalho técnico de desenvolvimento de ferramentas tecnológicas que nos deem garantias de segurança.

Consegue avançar um prazo? Quando é que o planeia lançar?

Eu gostaria muito que fosse em 2021.

O primeiro-ministro prometeu o quadro legal para as zonas livres tecnológicas até ao final de 2020. Ainda não é conhecido. Em que fase está e quando é que pode chegar ao terreno?

Durante o mês de janeiro organizámos vários workshops com entidades parceiras. Diria que a base do projeto de diploma está feita. Estamos agora na fase de recolha de contributos para enriquecer e melhorar ainda mais o projeto. A expectativa é a de que, nas próximas semanas, entre em processo de circulação para processo legislativo. Mas está muito adiantado.

“A ideia de que o Estado está sempre a ficar para trás não é real”

Foi apresentada no final do ano passado a Estratégia Cloud para a Administração Pública. Porque é que a cloud é tão importante e como é que a explicaria a alguém que não perceba muito do assunto?

A cloud corresponde, no fundo, a um novo modelo de consumo de serviços tecnológicos de computação. Permite externalizar o serviço de computação, atribuindo-o a uma entidade (e estou a falar de cloud pública) que tipicamente se dedica de forma mais profissional e eficiente a isso. Como o faz de forma mais eficiente, disponibiliza um serviço que é tipicamente mais barato, ágil e rápido naquilo que é a sua capacidade de implementação.

É tudo uma questão de poupança ou tem outras vantagens?

Há várias vantagens. Mas, desde logo, acredito que é algo indutor de poupança, porque é mais eficiente e é feito em larga escala, em oposição ao que é, tipicamente, uma operação de serviços de computação in-house, que tem necessariamente uma escala menor.

Havia entidades da Administração Pública que não estavam a usar cloud pública porque estavam à espera de orientações vindas de cima?

Sim, sem dúvida que esse era um dos temas que estava em cima da mesa: a indefinição que existia por o Estado ainda não ter publicitado as grandes linhas orientadoras do que é que deve ser a adoção de cloud no contexto público. Isso estava a contribuir para o não avançar de alguns projetos de investimento.

Julgo que, com o passar do tempo, era cada vez mais nítido o facto de ser incontornável uma ida para a cloud. O que pretendemos com esta publicação é exatamente isso: clarificar e dar um conjunto de orientações que dissipem alguns fantasmas em relação a alguns receios que existiam, garantindo ao mesmo tempo a salvaguarda de algumas preocupações que devem ser levadas em linha de conta.

Nem tudo são vantagens. A estratégia identifica riscos, como o de uma entidade pública ficar presa a um fornecedor. Como é que se previnem essas situações?

Exatamente com aquilo que nos estamos a propor fazer: criando mecanismos de contratação pública que impeçam esse tipo de estratégias que as empresas de fornecimento de serviços tipicamente tentam promover, no sentido de fidelizarem os seus clientes, mas que, do ponto de vista do interesse público, nós não queremos que ocorram. São contrárias àquilo que entendemos que deve ser o interesse público e a normal concorrência.

Mesmo havendo esses mecanismos nada garante que, do ponto de vista tecnológico, não se fica refém de um fornecedor. Ou não?

Não. Do ponto de vista tecnológico, não. Um dos traços mais característicos que a cloud introduz é exatamente a virtualização de toda a própria infraestrutura. Na medida em que ela é virtual, é muito mais facilmente migrável. Até desse ponto de vista, a cloud introduz uma capacidade de flexibilidade na gestão da infraestrutura.

A cloud pode pôr alguns funcionários públicos permanentemente e definitivamente em teletrabalho, mesmo depois da pandemia?

Não fazia essa correlação direta, porque uma coisa não tem necessariamente a ver com a outra. A ida de alguns funcionários ou colaboradores das empresas para casa tem a ver com uma resposta conjuntural: esta aceleração em resposta ao contexto pandémico, com a constatação de que o modelo híbrido ou um modelo de teletrabalho pode, em alguns casos, ser de facto interessante para as organizações. Isso ocorrerá independentemente da cloud. O que a cloud vem trazer é a disponibilização de instrumentos e de ferramentas que tornam mais simples, mais fácil e mais eficiente o trabalho à distância. É um facilitador.

André Azevedo, Secretário de Estado da Transição Digital, em entrevista ao ECO - 11FEV21
Hugo Amaral/ECO

Disse num evento que encontrou organismos públicos que tinham projetos parados por falta de capacidade de computação in-house (algo que seria facilmente solucionado com a cloud). Consegue dar exemplos?

Era deselegante estar a dar exemplos. Agora, naturalmente que acontece. Todos já constatámos — tem sido, aliás, notícia recorrente — que sempre que se verificam processos que exigem da parte da infraestrutura tecnológica de alguns serviços picos de procura, ou picos de capacidade de resposta, tipicamente, quando estamos a falar de uma infraestrutura que tem uma limitação muito clara, que é aquilo que é o investimento que foi feito em infraestrutura própria, normalmente não é suficiente para uma procura em larga escala. Acontece às vezes na área fiscal, acontece na área da Segurança Social, acontece em várias áreas.

Está a referir-se ao Portal das Finanças, por exemplo, na época de entrega das declarações de IRS.

Tipicamente, no último dia do prazo do IRS, é normal que isso aconteça, e é por isso que é tão interessante o modelo cloud. Essa escalabilidade permite que respondamos aos picos de procura, mas, ao mesmo tempo, no dia a seguir, quando a procura termina porque o prazo acabou, possamos fazer o downsizing de toda a infraestrutura e passarmos a ter um custo correspondente à necessidade de serviço que efetivamente temos.

Há falta de agilidade tecnológica no Estado?

Não poria isso em termos de Estado, porque o que vemos é que no setor privado o tipo de desafio é muito semelhante. Temos dados recentes sobre aquilo que é a adoção de cloud mesmo no setor privado, e o que indicam é que também há aqui um caminho a percorrer em relação às empresas. Por exemplo, num estudo mais recente, relativo a 2020, 21% das empresas portuguesas declararam utilizar serviços de cloud. Só 21%. O inquérito que temos do Estado, da Administração Pública, fala-nos em 33%. Aquela ideia de que o Estado está sempre a ficar para trás não é real.

Portugal apoia criminalização do discurso de ódio na internet

No Plano de Ação para a Democracia Europeia, a Comissão Europeia assume que vai propor este ano a criminalização do discurso de ódio na internet. Portugal apoiará essa medida?

Apoia. Naturalmente que sim. Essa é uma preocupação que temos, que é garantir que o conjunto de valores em que se fundou a construção da União Europeia estão também vertidos naquilo que é a dimensão digital. Quando entrámos nesta era mais digital, é natural que, do ponto de vista de legislação e de regulação, haja aqui uma décalage em termos de tempo de resposta. O legislador demora sempre mais tempo a reagir e não consegue regular aquilo que ainda não existe ou que está a ser inventado agora.

Chegou — digo eu, dizemos nós e começa a ser consensual — o momento em que é necessário introduzir aqui regulação, garantindo que aquilo que já são preocupações de base social e de base de vivência democrática numa sociedade que queremos que seja saudável, que sejam também combatidas no espaço digital. O ecossistema tem tido pouca capacidade de se auto regular e é necessário haver aqui uma intervenção pública, e muito mais musculada do ponto de vista do legislador, que impeça esse tipo de fenómenos, que são contrários àquilo que são os valores da União Europeia e de Portugal enquanto sociedade democrática.

É necessário haver uma intervenção muito mais musculada do ponto de vista do legislador, que impeça fenómenos como o discurso de ódio na internet, que são contrários àquilo que são os valores da União Europeia e de Portugal.

André de Aragão Azevedo

Secretário de Estado para a Transição Digital

Temos a presidência rotativa do Conselho da União Europeia. Sobre a proposta do Digital Services Act, apresentada no final do ano passado pela Comissão, e que regula os serviços digitais, Portugal vai propor alguma alteração?

Nós herdámos este dossiê que já se arrasta há alguns e que obriga a um grande esforço de convergência de vontades. A nossa preocupação passa por tentarmos encontrar uma abordagem suficientemente pragmática de máximo denominador comum, que permita darmos alguns passos no sentido em que contribua para um ecossistema digital mais em linha com os valores que promovemos.

Muitas vezes, o que constatamos e a avaliação que fazemos é que o excesso de ambição é contraproducente e impede-nos de dar passos intermédios que nos permitam caminhar já no sentido para onde queremos ir. O que estamos a fazer — e já conseguimos, por exemplo, ao nível do ePrivacy — é encontrar uma plataforma comum e trabalhar naquilo que já eram dados adquiridos em termos de espaço de consenso entre os 27 países europeus.

O documento vai longe de mais? Foi isso que percebi do que está a dizer.

Não sei se vai longe de mais… A dificuldade quando se tem de legislar a 27 é encontrar um consenso entre sensibilidades diferentes. São 27 países que têm linhas de posicionamento que nem sempre são inteiramente coincidentes. Portanto, há aqui um esforço de negociação que, muitas vezes, é difícil de se fazer a 27. Mas é para isso que estamos a trabalhar. Portugal, historicamente, conseguiu sempre dar um contributo, porque é muito visto como uma entidade suficientemente imparcial e equidistante para conseguir gerir dossiês com alguma sensibilidade e complexidade.

Mas, como a proposta está, é improvável que vá para a frente, na sua opinião?

Eu diria que temos diferentes níveis de maturidade em relação àquilo que possa ser a versão consensual e que possa depois passar à fase seguinte.

O que é que lhe preocupa mais?

Basicamente isto é sempre um balanço de diferentes preocupações ou de bens jurídicos que estão em conflito. Por um lado, a salvaguarda de alguns direitos individuais que naturalmente todos queremos promover, mas em que muitas vezes o excesso de protecionismo gera uma situação de bloqueio à inovação. Mas a Europa também já deu exemplos, nomeadamente com o RGPD, que inicialmente foi percecionado por alguns mercados e por alguns críticos como sendo um tiro no pé em termos de estímulo à inovação. Na realidade, o que constatámos alguns anos depois, poucos, é que a Europa definiu um standard mundial que é hoje a referência mundial em termos de privacidade. Geografias menos maduras do ponto de vista democrático, e menos sensíveis a este tipo de preocupações, estão a querer replicar o modelo europeu, porque perceberam que essa dimensão é crítica para a confiança dos utilizadores no próprio ecossistema digital.

Dado o crescimento exponencial dos algoritmos na vida pública — já mexem com imensa coisa — considera necessário ou útil a criação de uma entidade de certificação de algoritmos como alguns governos europeus já estão a fazer?

Não sei se a solução é esse termo correto, de certificação de algoritmos, sabendo nós que um algoritmo é, por natureza, algo de dinâmico. Vejo com alguma dificuldade como é que se certifica uma coisa que está em constante mutação, porque esse é o pressuposto da inteligência artificial, tal como da inteligência humana: está em permanente evolução. Não posso certificar uma coisa que, no segundo a seguir, já é diferente. Outra coisa diferente é haver aqui uma introdução — e essa é uma preocupação que passa em termos de debate europeu e de que Portugal não se exclui — que tem a ver com a necessidade de garantirmos que os princípios subjacentes ao desenvolvimento desses algoritmos estão alinhados com os princípios europeus, e que há mecanismos de auditoria e de escrutínio sobre quais é que são as práticas que estão a ser promovidas quando se desenvolvem esses algoritmos e na aplicação concreta desses algoritmos.

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