Piloto da semana de quatro dias arrancou esta semana com 39 empresas. Miguel Fontes, secretário de Estado do Trabalho, admite ao ECO que poderá haver um novo teste caso este não seja conclusivo.
Mais do que uma nova organização de trabalho, a semana de quatro dias é central no tema da atração do talento e da sua valorização e retenção, acredita Miguel Fontes, secretário de Estado do Trabalho. E também uma possível resposta aos anseios de uma geração mais jovem, que olha para o trabalho de um outro modo, mas igualmente uma alavanca para a competitividade das empresas.
“Ao contrário do mito que se cria, que [a semana de quatro dias] é só para empresas que podem ou só devem trabalhar durante quatro dias, é o contrário. É para todos, mas, sobretudo, para as empresas que têm de trabalhar” sete dias por semana, em contínuo, defende Miguel Fontes.
“Quando uma organização tem de fazer face ao absentismo, a uma elevada rotação dos seus trabalhadores, porque não é suficientemente atrativa para que se fixem e tem de investir em custos de recrutamento, mais o custo da formação, tudo isso afeta a performance de uma empresa. Aquelas que se posicionem de forma mais amigável para os trabalhadores vão estar em melhores condições para atraírem essas pessoas e para as reterem“, sublinha.
Por isso, argumenta o governante, esta é também uma questão de competitividade para as empresas. “Olhar para as condições de trabalho, da remuneração, dos tempos de trabalho, de como as pessoas se sentem no local de trabalho, não é uma agenda sindical, é uma agenda de todos e, nomeadamente, das associações empresariais se quiserem ser competitivas.”
O piloto da semana de quatro dias de trabalho arrancou esta semana com 39 empresas e abrangendo cerca de 1.000 colaboradores. “Se não gostaria que houvesse um universo maior? Sim, mas foi o possível numa base voluntária. Seguramente estaremos cá para ver outras possibilidades de, num futuro próximo, podermos alargar ou não esta experiência a um universo mais alargado de empresas“.
O piloto da semana de quatro dias arrancou com 39 empresas e cerca de 1.000 trabalhadores abrangidos, menos do que o que previsto na segunda fase, com 46 empresas e cerca de 20.000 trabalhadores. Não é uma amostra demasiado curta para se testar um modelo de trabalho com esta importância?
Houve um decréscimo tanto do número de trabalhadores abrangidos, como das empresas que participaram neste estudo. Sempre dissemos que esta iniciativa, pela sua inovação, pelo pioneirismo, comportaria e comporta algum nível de coragem e de riscos a quem aderiu. Procuramos fazer a divulgação desta iniciativa e motivar um conjunto diversificado de empresas, cientes de que, entre as manifestações de interesse e a participação efetiva no estudo, iria haver sempre um decréscimo. Muitas delas acabaram por não concretizar essa vontade de participação, por não ser compaginável com o ritmo em que estão neste momento, por precisarem mais tempo, por alguns receios dos impactos de o fazerem no imediato. Por exemplo, apesar de darmos a possibilidade de as empresas não terem de participar com o universo total dos seus trabalhadores, vários empregadores tiveram receio se isso não iria ser gerador de alguma conflitualidade no seio da empresa, e não estavam em condições de generalizar esta possibilidade.
O essencial é lançarmos este estudo, esta temática para o centro do debate das organizações, porque é muito importante, nomeadamente para corresponder ao anseio dos trabalhadores mais jovens que têm uma visão muito diferente do mundo do trabalho. Querem uma muito melhor conciliação entre a vida pessoal, a familiar, com a profissional. E para quem a gestão do tempo é uma dimensão muito importante nas suas escolhas profissionais. No fundo, isto tem tudo a ver com atração de talento e a valorização e retenção desse talento.
Há muitas empresas que têm esta dificuldade (de atrair e reter talento), nomeadamente as que trabalham com recurso a trabalho suplementar, em dias feriados, aos fins de semana, trabalho noturno, enfim, em condições de trabalho identificadas como de maior penosidade. Por exemplo, a hotelaria está a ter muitas dificuldades em ser atrativa para muitos profissionais. Este desafio da nova forma de organização do tempo de trabalho em torno de uma semana de quatro dias pode ser uma resposta muito útil.
Se queremos, como país, região ou a nível da escala da empresa, sermos competitivos na disputa por esse talento, temos que dar resposta a estes anseios. Não é uma questão menor, mas central, organizarmo-nos para, através deste estudo, trazermos o debate e começarmos a avaliar os impactos.
Hoje há muitas empresas que têm esta dificuldade [de atrair e reter talento], nomeadamente as que trabalham com recurso a trabalho suplementar, em dias feriados, aos fins de semana, trabalho noturno, enfim, em condições de trabalho identificadas como de maior penosidade. Por exemplo, a hotelaria está a ter muitas dificuldades em ser atrativa para muitos profissionais. Este desafio da nova forma de organização do tempo de trabalho em torno de uma semana de quatro dias pode ser uma resposta muito útil, porque, ao contrário do mito que se cria, que é só para empresas que podem ou só devem trabalhar durante quatro dias, é o contrário. É para todos, mas, sobretudo, para as empresas que têm que trabalhar de 7/7. Mesmo que isso implique, num primeiro momento, um aumento de custos, com contratação de mais pessoas para os quatro dias, mas reduzindo, por exemplo, o trabalho suplementar que, nos termos da Agenda do Trabalho Digno, foi onerado intencionalmente.
Quando uma organização tem de fazer face ao absentismo, a uma elevada rotação dos seus trabalhadores, porque não é suficientemente atrativa para que se fixem e tem de investir em custos de recrutamento, mais o custo da formação, tudo isso afeta a performance de uma empresa. Aquelas que se posicionem de forma mais amigável para os trabalhadores vão estar em melhores condições para atraírem essas pessoas e para as reterem. Voltando ao princípio, se não gostaria que houvesse um universo maior? Sim, mas foi o possível numa base voluntária. Seguramente estaremos cá para ver outras possibilidades de, num futuro próximo, podermos alargar ou não esta experiência a um universo mais alargado de empresas.
Algumas das empresas que que não participaram nesta fase admitem virem a aderir a este modelo de trabalho. Por sua iniciativa ou no âmbito de um novo piloto promovido pelo Governo?
É um pouco prematuro responder. Vai depender exatamente de como vai decorrer esta experiência. Se sentirmos no final de que precisamos de dar um novo impulso, que houve, por exemplo, dimensões que não foram suficientemente estudadas, cujos resultados não são conclusivos, e que todos ganharíamos em ter um segundo estudo, seguramente que equacionaremos essa possibilidade. Aí esperamos que aqueles que agora, por alguma razão, não participaram, se possam associar. Mas ainda é prematuro decidir se vamos avançar ou não para este segundo estudo.
Num inquérito da AEP junto dos associados, 71% antecipava que esta medida iria ter um impacto negativo ou muito negativo nos lucros, 69% acreditava que teria impacto na competitividade e 65% na produtividade. Há uma larga maioria muito renitente a este modelo de trabalho. Como é que se convence um tecido empresarial que demonstra esta posição de forma tão clara, a abrir-se a esta mudança?
Qualquer outro resultado é que me surpreenderia. É perfeitamente expectável e alinhado. As dinâmicas de inovação, de disrupção, comportam um risco e, evidentemente, o sentimento maioritário é de receio, de recusa e de alguma dificuldade de adesão. Como se convence? Precisamente promovendo este estudo e procurando que dele resultem pistas interessantes. Não vamos seguramente falsear nenhum resultado do estudo. Porventura, pode mostrar-se até inconclusivo em algumas questões, mas é legítimo pensarmos que um pequeno aumento de custos inicial — por ter de, eventualmente, contratar mais pessoas para fazer face ao mesmo volume de trabalho — possa ser largamente compensado mais à frente com a redução do absentismo, da rotação de trabalhadores, com uma muito maior motivação das pessoas quando estão a trabalhar, num compromisso maior com os tempos de trabalho. Precisamente porque é uma semana de trabalho mais concentrada.
Olhar para as condições de trabalho, da remuneração, dos tempos de trabalho, de como as pessoas se sentem no local de trabalho, não é uma agenda sindical, é uma agenda de todos e, nomeadamente, das associações empresariais se quiserem ser competitivas.
O que não se pode fazer é esta conta simples, para não dizer simplista, que alguns fizeram, de que se cortam 20% o tempo de trabalho — e mesmo isso não é verdade porque não obrigamos a passar de uma semana de 40 horas para 32 horas. Deixamos a possibilidade (e várias empresas assim o fizeram), de passar para uma semana de 38 horas ou até 36 horas, o que implica, um aumento dos tempos trabalhados nos restantes quatro dias — vou ter uma quebra de produtividade de 20% ou então aumentar os custos em 20% para fazer face ao mesmo volume de trabalho. Novamente, uma unidade hoteleira que tem sistematicamente um problema com as condições de trabalho, conflitos laborais, situações de grande insatisfação, porque, por exemplo, a jornada contínua de trabalho não é permitida, com todos os problemas de desorganização da vida pessoal e familiar destes trabalhadores que, manifestamente, assim que se apanham com a oportunidade migram muitas vezes para outros setores de atividade.
Uma liderança estratégica olha para isto e pensa: “se calhar faz sentido estudar numa unidade, se for um grupo, organizar os tempos de trabalho de uma forma diferente e, no fim, avaliamos’. O que não faz sentido, de todo, é uma recusa liminar à partida, dizer ‘isto traz consigo perda de competitividade, de produtividade’. É a forma pior de fazer esta discussão. O tema da qualidade das condições de trabalho é um tema de competitividade, não é uma agenda sindical.
Olhar para as condições de trabalho, da remuneração, dos tempos de trabalho, de como as pessoas se sentem no local de trabalho, não é uma agenda sindical, é uma agenda de todos e, nomeadamente, das associações empresariais se quiserem ser competitivas. A competitividade joga-se hoje também, não apenas em torno de ganhar quotas de mercado, adquirir as melhores matérias-primas, ter os circuitos de distribuição mais agressivos. Joga-se muito em atrair os melhores profissionais e conseguir valorizá-los, sobretudo, em áreas onde a qualidade dos profissionais faz a diferença. É muito importante que as organizações empresariais percebam que melhorar as condições daqueles que nelas trabalham é um fator de competitividade, de aumento de produtividade. Não há nenhuma dualidade, ao contrário. Estas questões convergem para o aumento da competitividade e da produtividade.
Deu por várias vezes, o exemplo do setor do hoteleiro. Das 39 empresas que avançaram, alguma delas é do setor turístico, uma área com grande peso na economia?
Não. E fiquei com pena. Tivemos algumas que mostraram curiosidade, que expressaram essa vontade, mas acabaram por não avançar. Mas, tal como falei do setor turístico, da hotelaria, posso falar do industrial, onde há também esse problema hoje de atração das pessoas.
Criou-se muito esta confusão de associar a semana de quatro dias à ideia de que é uma semana para as empresas e para aquelas atividades económicas que se podem “dar ao luxo” de só trabalharem quatro dias. De uma tecnológica, de um escritório em que o trabalho que era feito em cinco dias e o que está a acontecer em quatro. Não é verdade. Falei com várias tecnológicas que me diziam que não se podiam dar ao luxo de trabalhar só quatro dias, porque se trabalharem no negócio B2B, a prestar serviço a outras empresas, têm de ter uma lógica de helpdesk, por exemplo, permanentemente ativa durante os sete dias. A empresa. Podem é organizar a vida dos seus trabalhadores de forma diferente. É isso que está em causa.
Melhorar as condições, como o trabalho se organiza, responder aos anseios, nomeadamente das gerações mais novas, é fundamental. Aqueles que têm um maior poder de escolha, mais apetrechados a poderem escolher se trabalham aqui ou acolá, são os primeiros a valorizar se a oferta que lhe está a ser feita tem estas questões de flexibilidade.
Como em tudo na vida, o caminho faz-se caminhando e o importante é começar a desbravar esta situação. Orgulha-me muito que Portugal seja dos primeiros países a concretizar um projeto nesta área, que gera imensa curiosidade e também atenção a nível internacional, porque todos sabem que isto não é um capricho, não é a cereja em cima do bolo, isto já é o bolo.
Melhorar as condições, como o trabalho se organiza, responder aos anseios, nomeadamente das gerações mais novas, é fundamental. Aqueles que têm um maior poder de escolha, mais apetrechados a poderem escolher se trabalham aqui ou acolá, são os primeiros a valorizar se a oferta que lhe está a ser feita tem estas questões de flexibilidade. A remuneração desempenha um papel essencial, mas é também como veem que as organizações olham para eles, se respeitam ou não as suas necessidades de maior conciliação.
Aderir à semana de quatro dias traz consigo uma mensagem simbólica muito poderosa do ponto de vista de quem está no mercado de trabalho. Nos questionários que fizemos a algumas das empresas participantes, várias reconhecem que uma das razões para aderirem foi precisamente uma lógica de se quererem posicionar como empresas inovadoras ao nível da relação com os seus trabalhadores, e de quererem ser percecionadas como um local certo para se trabalhar. E para isso, é um bom cartão de visita aderir à semana dos quatro dias.
Quando foi anunciado a intenção de avançar com piloto foi falada a possibilidade de um para a Função Pública, a decorrer em paralelo com o dos privados. O privado já arrancou, e o da Função Pública?
Essa responsabilidade com a Administração Pública está no Ministério da Presidência, com a ministra Mariana Vieira da Silva e com a secretária de Estado da Administração Pública, Inês Ramires. Está perfeitamente assumida pelo Governo essa vontade também estender uma experiência deste tipo ao setor público, estudá-la e avaliá-la. Porém, temos de reconhecer, o ponto de partida já é diferente: o horário de trabalho do setor privado é de 40 horas, enquanto no público é de 35 horas. Isso já traz consigo, à partida, logo uma diferença muito significativa nas condições de participação se fossem em simultâneo. O objetivo mantém-se, estão a ser dados passos nesse sentido, mas competirá a quem tem a tutela da área da Administração Pública anunciar no tempo próprio.
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