O banco de horas grupal tem se ser aprovado por referendo e o poder está nas mãos do trabalhador. Mas para o empregador, o banco de horas pode ajudar a gerir e a garantir mais flexibilidade.
Os bancos de horas individuais deixaram de ser legais a partir de 1 de outubro, uma das várias normas que resultaram da revisão da lei laboral em 2019. A partir de agora, as empresas podem implementar bancos de horas grupais, por instrumento de regulação coletiva de trabalho ou por referendo. O banco de horas pode ser útil para a empresa responder a necessidades pontuais de maior produção ou redução do número de trabalhadores, dando em simultâneo mais flexibilidade aos trabalhadores.
Rui Neves Ferreira, advogado e autor do guia prático sobre Implementação do Banco de Horas Grupal na Empresa, que será lançado este mês, lembra que o banco de horas grupal dá um novo poder aos trabalhadores, mas mais responsabilidades à gestão de recursos humanos. A comunicação transparente e a envolvência dos trabalhadores podem fazer com que o banco de horas grupal se torne uma ferramenta de gestão que ajude o empregador a garantir aos trabalhadores mais conciliação entre a vida pessoal e profissional.
Em conversa com a Pessoas, partilha algumas vantagens do banco de horas e o impacto da revisão da lei para o trabalhador e para quem gere.
Em que consiste o banco de horas?
O banco de horas consiste na possibilidade de aumentar o período normal de trabalho, com determinados limites. Se for aprovado por regulamentação coletiva, posso ir até 4 horas diárias, 200 horas anuais, 60 horas semanais e, por referendo, 2 horas diárias, 50 horas semanais e 150 horas anuais. Essas horas não são trabalho suplementar, ou seja, não têm o custo muito elevado para o empregador.
O que muda com os bancos de horas grupais?
A primeira coisa que devemos notar é que há um transferir muito grande de poder para as mãos dos trabalhadores. Quando fazemos o projeto do banco de horas temos de definir durante quanto tempo é que vai estar vigente, com um limite de quatro anos. Ao fim de metade desse período, basta um terço dos trabalhadores abrangidos — pouco mais do que o que foi necessário para quase não aprovar o banco de horas –, comunicar ao empregador “queremos efetuar um novo referendo”. [O empregador] ou efetua o referendo em 60 dias, ou o regime cai automaticamente. É um empowerment absoluto dos trabalhadores.
O que é importante saber sobre o referendo?
Apesar de a lei ser muito pouco esclarecedora, o referendo leva-nos para uma série de regras, mas sobretudo o que interessa é um princípio de democracia e voto secreto. Os recursos humanos têm de ter noção de que vão ter de se transformar um pouco quase numa “comissão de eleições empresarial”. E isto aplica-se, quer estejamos a falar de 30 ou 40 funcionários abrangidos por um regime de banco de horas, como de três ou quatro mil. A nível internacional, há plataformas [tecnológicas] que o permitem e garantem e, a partir de determinado volume, pode ser uma ótima solução.
O trabalhador pode até pode ganhar estas horas e, no fundo, não o estamos a obrigá-lo a ir à empresa no horário adicional, mas a estender o horário de trabalho (porque temos um acréscimo de produção, uma necessidade por redução de efetivos, por motivo de doença, etc.), e parece-me um “win-win” para ambas as partes.
Quais as vantagens do banco de horas grupal para o empregador?
O banco de horas pode ser positivo para a relação vida pessoal/vida profissional, pode ser uma boa ferramenta de gestão pessoal para cada um de nós. Acho que o banco de horas é de facto uma excelente ferramenta de organização de trabalho para uma empresa contemporânea. Permite fazer face a pequenos aumentos de produção, a necessidades temporárias de trabalho extra, mas que não seja suplementar, ou a necessidades ao nível de períodos de férias.
Pode interferir de alguma forma com os direitos do trabalhador?
Não interfere em modo algum. Dou um exemplo concreto. A indústria do calçado tem um pico de produção em maio, junho e agosto, em que o número de horas e o número de subcontratados não chega para a produção. Se o aumento [de produção] for feito à custa de um banco de horas, permite o acumular de saldo de horas, e depois em janeiro e fevereiro — épocas muito paradas –, permite compensar em férias ou em determinados dias para gozar. Há muitas empresas que têm quase uma previsão de épocas muito fortes. Um hospital privado sabe, por exemplo, que entre junho e setembro, devido às férias, tem uma disponibilidade de pessoal muito menor. Naquele período, determinado número de pessoas pode acrescentar um determinado número de horas, de forma legítima e sendo devidamente compensados.
Qual a importância no contexto atual?
No mundo em que vivemos hoje em dia, a necessidade de nos adaptarmos, a necessidade tão urgente e tão rápida que a sociedade, o mercado, a pandemia exige das empresas, é essencial termos uma ferramenta como esta, que no fundo me diz: “o meu limite não são oito horas, são mais, e em moeda de troca o trabalhador até pode ter mais dias de férias, dias de compensação pelas horas que trabalhou a mais”. O trabalhador pode até pode ganhar estas horas e, no fundo, não o estamos a obrigá-lo a ir à empresa no horário adicional, mas a estender o horário de trabalho – porque temos um acréscimo de produção, uma necessidade por redução de efetivos, por motivo de doença, etc. –, e parece-me um win-win para ambas as partes.
Não faz sentido para a empresa se não fizer sentido para o colaborador. Aqui vamos assistir também a um levantar dessa nova forma de estar em relação à gestão dos recursos humanos versus aquela forma arraigada de que a empresa decide, e faz.
O banco de horas pode ter vantagens para a gestão de pessoas em teletrabalho?
Com a necessidade de criar a situação de trabalhador espelho, as empresas consideram fazer períodos mais longos de trabalho que depois são compensados mais à frente, estando em casa, e sendo substituído pelo colaborador espelho. O banco de horas permite-me alargar ainda mais o tempo que vou estar na empresa, portanto o tempo que vou acabar por ter o meu trabalhador espelho na empresa.
Qual o papel de quem gere neste regime?
Para muitas empresas já é parte do dia-a-dia a inclusão do trabalhador na gestão da empresa. Não faz sentido para a empresa se não fizer sentido para o colaborador. Aqui vamos assistir também a um levantar dessa nova forma de estar em relação à gestão dos recursos humanos versus aquela forma arraigada de que a empresa decide, e faz. Também muda um bocado a luta sindical, nós precisarmos das estruturas de decisão coletiva para defender os direitos dos trabalhadores, para passarmos para aquela fase em que o voto de cada um conta e, na prática, eu consigo fazer valer a minha voz. E eu tenho de ser ouvido, porque posso ser o próximo a definir o futuro disto.
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Rui Neves Ferreira: “Banco de horas grupal é um empowerment absoluto dos trabalhadores”
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