A bomba-relógio da dívida europeia não para de engordar

Com as finanças sobrecarregadas com a dívida da pandemia e a bazuca europeia, a Europa avança agora com um arsenal militar de 800 mil milhões. Como se pagará esta fatura, economicamente e socialmente?

A União Europeia está prestes a embarcar numa expansão massiva de despesa para reforçar a defesa, numa altura em que já carrega um fardo substancial de dívida. Esta terça-feira, Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, apresentou um “Plano de Rearmamento para a Europa” que poderá mobilizar até 800 mil milhões de euros para reforçar as capacidades defensivas do bloco.

Este anúncio surge num contexto particularmente delicado, uma vez que a União Europeia ainda procura soluções para pagar os empréstimos contraídos durante a pandemia, enquanto se prepara para negociações orçamentais que se antecipam extremamente complexas para o período 2028-2034.

Atualmente, a União Europeia tem 640 mil milhões de euros de dívida emitida — muita da qual para financiar o Mecanismo de Recuperação e Resiliência, ou simplesmente a “bazuca europeia” — irá vencer entre outubro de 2025 e outubro de 2054, sendo que 40% desse montante, aproximadamente 256 mil milhões de euros, deverá ser pago até 2030.

Esta situação ganha particular relevância quando muitos dos países europeus apresentam níveis de endividamento elevados. Os últimos dados do Eurostat revelam que, no final do terceiro trimestre de 2024, o rácio da dívida bruta das administrações públicas em relação ao PIB na União Europeia era de 81,6% do PIB e na Zona Euro ascendia a 88,2%, com quatro países (Grécia, Itália, França e Espanha) a apresentarem rácios acima dos 100% do PIB.

Estamos numa era de rearmamento, e a Europa está pronta para aumentar massivamente as suas despesas em defesa, tanto para responder à urgência de curto prazo de agir e apoiar a Ucrânia, como também para abordar a necessidade de longo prazo de assumir mais responsabilidade pela nossa própria segurança europeia.

Ursula von der Leyen

Presidente da Comissão Europeia

Esta realidade coloca uma pressão acrescida nas negociações do próximo Quadro Financeiro Plurianual da União Europeia para 2028-2034, que começam a ser discutidos esta semana em Bruxelas, e que abrange quase 40 programas de despesa por um período de sete anos, estabelecendo limites máximos para cada domínio de despesa.

As negociações do Quadro Financeiro Plurianual tradicionalmente arrastam-se por anos e frequentemente são desbloqueadas apenas por negociações de última hora e troca de favores entre os líderes da União Europeia. Mas as negociações sobre o próximo orçamento serão excecionalmente difíceis, uma vez que o programa de dívida conjunta de 300 mil milhões de euros criado para resgatar a economia europeia após a pandemia começa a vencer precisamente em 2028.

Sem um plano alternativo, o reembolso desta dívida poderá absorver entre 15% e 20% do orçamento comunitário, de acordo com estimativas da Comissão Europeia.

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O plano de defesa de 800 mil milhões de euros

O anúncio de von der Leyen surge poucas horas depois de Washington ter suspendido toda a ajuda militar à Ucrânia, colocando uma pressão adicional sobre o bloco europeu para aumentar a sua própria assistência. “Estamos numa era de rearmamento, e a Europa está pronta para aumentar massivamente as suas despesas em defesa, tanto para responder à urgência de curto prazo de agir e apoiar a Ucrânia, como também para abordar a necessidade de longo prazo de assumir mais responsabilidade pela nossa própria segurança europeia”, afirmou a presidente da Comissão Europeia na terça-feira.

O pacote de defesa articula-se em cinco grandes medidas, destacando-se um “novo instrumento” que disponibilizaria 150 mil milhões de euros em empréstimos aos Estados-membros para financiar investimentos conjuntos em capacidades pan-europeias, incluindo defesa aérea e antimíssil, sistemas de artilharia, mísseis e munições, drones e sistemas anti-drone.

Von der Leyen não esclareceu como estes fundos serão angariados, nem se os aproximadamente 90 mil milhões de euros não utilizados do fundo de recuperação pós-Covid fariam parte da equação. Mas a emissão de novos Eurobonds para financiar as necessidades de defesa do bloco tem sido veementemente contestada por vários Estados-membros, particularmente pelos países apelidados de “frugais”, como a Áustria e os Países Baixos.

A relutância destes países em aceitar mais dívida comum poderá complicar significativamente a implementação deste ambicioso plano, num momento em que a Europa precisa urgentemente de reforçar as suas capacidades de defesa face à crescente instabilidade geopolítica.

A presidente da Comissão afirmou que, se os países da União Europeia aumentarem, em média, 1,5% do PIB as suas despesas com defesa poderiam ser libertados cerca de 650 mil milhões nos próximos quatro anos.

Outra medida-chave do pacote de defesa de von der Leyen envolve a ativação da cláusula de escape nacional do Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC). Esta medida permitiria aos Estados-membros excluir as despesas com defesa das suas despesas nacionais, evitando assim o risco de violar a política fiscal do bloco, que exige que o défice e a dívida governamentais permaneçam abaixo de 3% e 60% do PIB, respetivamente.

A presidente da Comissão Europeia afirmou que se os países da União Europeia aumentarem, em média, 1,5% do PIB as suas despesas com defesa poderiam ser libertados cerca de 650 mil milhões nos próximos quatro anos.

Face à necessidade urgente de encontrar novas fontes de receita para ajudar a reembolsar a dívida da pandemia, vários países da União Europeia, incluindo França, Itália e Polónia, estão a defender a expansão do imposto fronteiriço de carbono da União europeia nos próximos anos. Este mecanismo é visto como uma solução potencial para o problema de financiamento que a União Europeia enfrenta.

O imposto, formalmente conhecido como Mecanismo de Ajustamento Carbónico Fronteiriço (CBAM), entrará em vigor para setores específicos em 2026, cobrindo inicialmente setores altamente poluentes como o aço, cimento e alumínio, bem como eletricidade e hidrogénio. O mecanismo visa garantir que os produtos importados paguem um preço de carbono equivalente aos padrões da União Europeia, e a revisão prevista para 2025 explorará uma possível expansão para outros setores e produtos para que possa, potencialmente, gerar receitas substanciais adicionais.

Os defensores desta medida argumentam que a União Europeia precisa desesperadamente de novos fluxos de receita e que o imposto fronteiriço de carbono representa uma solução viável que se alinha com os objetivos climáticos do bloco. A Lei Europeia do Clima, aprovada em junho de 2021, tornou legalmente vinculativo o objetivo de redução de 55% das emissões até 2030 e o de neutralidade climática até 2050, criando um contexto favorável para a expansão deste mecanismo.

Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, enfrenta o desafio de gerir a dívida europeia e implementar o novo pacote de defesa da União Europeia que aumentará ainda mais o fardo dessa dívida. O sucesso dessa tarefa fortalecerá a integração e a solidariedade entre os 27 Estados-membros da União Europeia, mas o seu fracasso poderá agravar divisões internas, comprometendo a coesão do bloco europeu. União Europeia 29 Janeiro 2025

Um teste à solidariedade europeia

Para Portugal, estes desenvolvimentos chegam num momento de pressão crescente sobre a dívida pública nacional. Segundo os últimos dados do Banco de Portugal, a dívida pública na ótica de Maastricht aumentou cerca de 3,6 mil milhões de euros para 274,3 mil milhões de euros em janeiro de 2025 face a dezembro. Esta evolução “refletiu sobretudo o acréscimo dos títulos de dívida (3,1 mil milhões de euros), maioritariamente de longo prazo, e dos certificados de aforro (400 milhões de euros)”, explicou o Banco de Portugal em comunicado.

Este foi o segundo aumento mensal consecutivo da dívida pública, depois de em dezembro também ter subido para 270,6 mil milhões de euros. Já em termos homólogos, a dívida aumentou 1,8% face a janeiro de 2024, naquela que foi a quarta subida homóloga consecutiva.

Apesar destes aumentos recentes, Portugal fechou 2024 com uma dívida pública equivalente a 95,3% do PIB, abaixo dos 97,9% registados em 2023, o valor mais baixo desde junho de 2010. Este progresso na redução do rácio da dívida em relação ao PIB poderá ser comprometido caso o país seja obrigado a aumentar significativamente as suas despesas com defesa, mesmo com a cláusula de escape proposta.

A cimeira extraordinária marcada para quinta-feira em Bruxelas, na qual se espera a presença do Presidente ucraniano Volodymyr Zelenskyy, arrisca-se a evidenciar divisões entre os Estados-membros. A Hungria de Viktor Orbán e a Eslováquia de Robert Fico já ameaçaram vetar qualquer apelo a um aumento da assistência militar à Ucrânia, criando um obstáculo adicional para os planos de von der Leyen.

As minutas preliminares da cimeira sugerem que os líderes não tomarão decisões sobre como aumentar as despesas de defesa durante o encontro e, em vez disso, “voltarão” ao tema numa cimeira posterior em março, que se seguirá à publicação do Livro Branco da Comissão sobre Defesa. Esta abordagem cautelosa reflete as profundas divisões dentro do bloco sobre questões de financiamento comum e prioridades de despesa.

A encruzilhada das finanças europeias

A combinação de dívida acumulada da pandemia, novas despesas de defesa propostas e os desafios geopolíticos coloca a União Europeia num momento definidor. As negociações do próximo Quadro Financeiro Plurianual da União Europeia para 2028-2034 serão cruciais para determinar como o bloco equilibrará as suas ambições políticas com a sustentabilidade financeira a longo prazo.

A divergência de opiniões sobre a emissão de dívida conjunta para financiar as necessidades de defesa do bloco continua a ser um ponto de discórdia entre os Estados-membros. O desafio é particularmente complexo porque a União Europeia enfrenta simultaneamente a necessidade de pagar a dívida gerada no apoio à economia europeia no seguimento da pandemia de Covid-19, financiar a transição climática e agora reforçar substancialmente as suas capacidades de defesa.

Basta lembrar que, para Portugal, segundo o Orçamento de Estado para 2022, o legado de dívida pública deixado pela crise pandémica foi de cerca de 40 mil milhões de euros, equivalente a 20% do PIB nacional. A nível europeu, a escala deste desafio financeiro é ainda mais impressionante.

O sucesso ou fracasso na gestão desta dívida e na implementação do novo pacote de defesa terá repercussões duradouras para o projeto europeu.

Como referiu von der Leyen na terça-feira, “a verdadeira questão que temos pela frente é se a Europa está preparada para agir de forma tão decisiva quanto a situação exige, e se a Europa está pronta e capaz de agir com a velocidade e a ambição necessárias”. A resposta a esta pergunta definirá não apenas o futuro financeiro da União Europeia, mas também a sua relevância geopolítica num mundo cada vez mais instável e competitivo.

A questão da dívida comum e das responsabilidades partilhadas tem sido historicamente um ponto de tensão na construção europeia. A crise da dívida soberana da Zona Euro entre 2010 e 2012 deixou cicatrizes profundas e criou desconfiança entre os Estados-membros. A emissão de dívida conjunta para o fundo de recuperação pós-Covid representou uma quebra de paradigma, possibilitada pela excecionalidade da pandemia.

O sucesso ou fracasso na gestão desta dívida e na implementação do novo pacote de defesa terá repercussões duradouras para o projeto europeu. Uma solução bem-sucedida poderá aprofundar a integração financeira e reforçar a solidariedade entre os Estados-membros. Por outro lado, disputas acrimoniosas sobre o financiamento e o reembolso poderiam exacerbar as divisões na União Europeia, enfraquecendo a coesão do bloco num momento crítico.

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