Nos programa eleitorais, faltam, contudo, reformas estruturantes. A descida do IRC é positiva mas o seu efeito só será sentido mais tarde e o IVA zero é contraproducente, alertam vários economistas.
- O ECO vai divulgar cinco séries semanais de trabalhos sobre temas cruciais para o país, no período que antecede as eleições legislativas de 18 de maio. Os rendimentos das famílias, a execução dos fundos europeus, o crescimento da economia nacional, a crise da habitação e o investimento na Defesa vão estar em foco. O ECO vai fazer o ponto da situação destes temas, sintetizar as propostas dos principais partidos e ouvir a avaliação dos especialistas.
Descida de impostos, sobretudo sobre as empresas, simplificação fiscal e desburocratização são as principais armas com que a AD – coligação PSD/CDS e o PS querem colocar a economia portuguesa a crescer, caso vençam as eleições legislativas de 18 de maio.
No IRC, a redução transversal até 17%, como propõe a AD, ou seletiva, condicionada a reinvestimentos e aumentos salariais, como defende o PS, são medidas vistas como positivas pelos economistas na atração de investimento e aumento da produtividade. Mas os seus efeitos só serão sentidos no médio e longo prazo. Já o IVA zero num cabaz de bens alimentares essenciais, inscrito no programa socialista, é contraproducente. E há falta de reformas estruturantes que sustentem um crescimento económico ambicioso, alertam os economistas Óscar Afonso, Filipe Grilo e Pedro Braz Teixeira em declarações ao ECO.
A economia portuguesa cresceu 1,9% em 2024, refletindo sobretudo o aumento do consumo privado num contexto de resiliência do mercado de trabalho e abrandamento da inflação. Por sua vez, as exportações mantiveram-se estáveis, enquanto as importações aceleraram. Paralelamente, o investimento desacelerou para um crescimento de 3%, contra 3,6% registado em 2023.
Com esta fotografia, o país ficou em 36º no ranking de competitividade da IMD, situando-se em 39º lugar na performance económica. Perante este contexto, a AD e o PS propõe chegar ao fim da legislatura com o país a crescer 3,2% e 2,9%, respetivamente. Um cenário mais ambicioso do que o do partido liderado por Pedro Nuno Santos, que aponta para uma expansão do Produto Interno Bruto (PIB) de 2,9% em 2029.
A produtividade da economia portuguesa continua a ser uma das suas maiores fragilidades. Apontada recorrentemente como um dos principais entraves à concretização do potencial do país, a produtividade de trabalho recuperou em 2023 para o valor mais elevado dos últimos 11 anos, mas não o suficiente para deixar de ser ultrapassado por países como Lituânia, Polónia, Chipre, Roménia, Eslováquia ou Chipre.
De acordo com os dados do Eurostat, cuja informação disponível vai apenas até 2023, o rácio para Portugal fixou-se nesse ano em 80,5% face à União Europeia (UE), uma recuperação face aos 76,6% registados em 2022 e ultrapassando até 2013, ano na última década com o rácio mais elevado (80,1%). Contudo, continuou muito aquém dos 103,9% registados na média da Zona Euro e dos 100% da União Europeia.
Na cauda dos países da Zona Euro, apenas a Grécia, Letónia e Estónia têm uma performance melhor. Situação que não difere muito quando a comparação se alarga aos restantes países europeus. Nesse caso, fica também à frente da Bulgária, Hungria e Eslováquia.

A produtividade não é, contudo, apenas medida pelo fator trabalho, mas também pelo fator capital. A eficiência com que ambos podem ser combinados dá origem à técniquês “produtividade potencial dos fatores”, que mais do que não é, de forma simplista, uma ferramenta de cálculo para traçar cenários de quanto é que o país pode ou deveria sonhar crescer e quão aquém fica.
Uma análise recente, publicada pelo Banco de Portugal (BdP), estima que o produto potencial da economia portuguesa cresça 1,4% por ano, em média, nos próximos dez anos. “À semelhança da última década, a produtividade será o principal motor desta evolução, com um contributo de um ponto percentual”, prevê, baseado no pressuposto de que será mantida nos próximos anos “a trajetória de transformações favoráveis na competitividade, na digitalização, e na disciplina financeira e orçamental”.
Os economistas do supervisor bancário esperam que o contributo da oferta de trabalho será menor do que no passado, refletindo a evolução esperada para a população. Por outro lado, o contributo do stock de capital – ou seja, infraestruturas, máquinas e equipamentos e outros ativos utilizados nos processos produtivos – “deverá ser superior ao das últimas duas décadas, beneficiando da implementação do Plano de Recuperação e Resiliência” (PRR).
“Portugal apresenta uma produtividade persistentemente das mais baixas da UE, em grande parte devido ao reduzido peso do investimento no PIB, também um dos mais baixos a nível europeu”, assinala o economista Óscar Afonso.
Perante o diagnóstico de que a produtividade é fundamental para pôr o país a crescer, os partidos não deixam de referir o tema nos seus programas eleitorais, ainda que uns mais do que outros. Enquanto no da AD surge 47 vezes, no do PS aparece nove vezes.
Perante o diagnóstico de que a produtividade é fundamental para pôr o país a crescer, os partidos não deixam de referir o tema nos seus programas eleitorais, ainda que uns mais do que outros. Enquanto no da AD surge 47 vezes, no do PS aparece nove vezes.
Entre os restantes, o termo é referido 16 vezes no programa do PCP, 14 no da IL, 11 no do BE, oito no do Chega, duas no do Livre e duas no do Livre. Mas entre os dois principais partidos do arco da governação, afinal, que medidas contribuem para este desígnio?
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“Entre as abordagens semelhantes, destaca-se a tentativa de criar condições para o surgimento de empresas de maior valor acrescentado. A lógica subjacente é simples: empresas que produzem bens e serviços de maior valor acrescentado tendem a ser mais produtivas e, como tal, conseguem pagar melhores salários“, destaca Filipe Grilo, docente da Porto Business School e especialista em Economia.
O economista aponta que tanto a AD como o PS propõem um reforço da ligação entre universidades e empresas, o fomento do capital de risco e o fortalecimento do Banco de Fomento. “Em teoria, estas medidas fazem sentido; na prática, porém, a sua formulação demasiado genérica levanta dúvidas sobre a sua real eficácia”, alerta.
No entanto, há pontos de divergência entre os dois partidos. Os socialistas apostam no reforço de apoios especializados a empresas de setores considerados estratégicos e de maior valor acrescentado, com o objetivo de atrair investimento para estas áreas, bem como a redução dos custos de contexto e a burocracia. O condicionamento da descida do IRC ao reinvestimento dos lucros e ao aumento dos salários e os incentivos à expansão da capacidade produtiva são outra das medidas.
“Embora estas ideias sejam coerentes em teoria, na prática podem gerar efeitos perversos. Incentivos setoriais, por exemplo, podem levar empresas a adaptarem artificialmente o seu CAE apenas para se qualificarem para os apoios, subvertendo o espírito da medida. De igual modo, a redução do IRC condicionada ao reinvestimento pode incentivar investimentos ineficazes, realizados apenas com o objetivo de obter benefícios fiscais, sem verdadeiro impacto na produtividade”, considera Filipe Grilo.
Para Óscar Afonso, diretor da Faculdade de Economia da Universidade do Porto, que chegou a ser eleito nas últimas legislativas como independente pela AD, mas não chegou a tomar posse, e este ano irá participar num evento da IL, as medidas de valorização salarial (desligadas da produtividade) e a redução do horário de trabalho agravam os custos unitários do trabalho e afastam investimento produtivo, prejudicando a produtividade.
Já a AD propõe a intenção de ampliar a concorrência, reduzir a burocracia e barreiras à entrada, assim como remover os desincentivos ao ganho de escala das empresas, mas a grande proposta volta a ser uma redução generalizada da taxa de IRC.
“Como as empresas de maior valor acrescentado tendem também a ser mais rentáveis, seriam estas as principais beneficiadas. Para além disso, ao reduzir a carga fiscal sobre os lucros, as empresas ficam com mais recursos disponíveis para investir de forma livre, sem condicionalismos legais, o que poderá favorecer o crescimento da capacidade produtiva e os consequentes ganhos de escala“, considera o professor universitário. Contudo, para Óscar Afonso “a proposta da AD é claramente mais propícia à melhoria da produtividade”.
“Estas medidas incidem diretamente sobre os fatores produtivos”, justifica. Ainda assim, acrescenta que “a sua implementação realista depende da capacidade de acomodação orçamental, que exige uma redução efetiva do peso despesa corrente primária — algo que o programa não detalha suficientemente, comprometendo a sua exequibilidade —, que teria de ser ainda maior para acomodar investimento público, também crucial para a produtividade e o crescimento”.
O economista sublinha ainda que a produtividade depende ainda de outros aspetos, com realce para a educação, a inovação e a digitalização, “mas a sua avaliação é mais difícil entre programas, até pela falta de valores de investimento associados”.
Que reformas propõem AD e PS para promover o crescimento económico?

A aposta na descida de impostos é transversal aos programas eleitorais de Luís Montenegro e de Pedro Nuno Santos e é um dos principais instrumentos com que ambos querem colocar o país a crescer, embora as estratégias sejam díspares.
Do lado da AD, o economista Óscar Afonso destaca sobretudo a “continuação da descida transversal do IRS, excluindo os escalões superiores, com desagravamento adicional de dois mil milhões de euros, dos quais 500 milhões em 2025, e a redução do IRC, agora mais comedida, com a taxa geral a baixar para 17% e a reduzida para 15%, até ao final da legislatura, visando atrair e reter investimento privado e talento”.
“O eventual reforço dos critérios de valor acrescentado e produtividade nos projetos financiados por apoios europeus, promovendo condições transversais (sem escolher setores) para uma melhoria do perfil de especialização da economia portuguesa e a continuação dos processos de descentralização em curso para promover maior coesão e distribuição das oportunidades económicas pelo território” são outras das medidas elencadas pelo economista que podem dar um novo impulso ao país.
Outras das propostas da coligação liderada por Luís Montenegro para colocar a economia a crescer passam por “ampliar a concorrência, reduzir a burocracia e barreiras à entrada; remover os desincentivos ao ganho de escala das empresas; acelerar a justiça económica e agilização das insolvências; pela expansão das interligações europeias para resolução das Ilhas ferroviária e energética; reforço do ensino profissional e vocacional; e resolução da crise na habitação, aumentando a oferta, através da redução de impostos e burocracia, injeção dos imóveis públicos no mercado”, salienta Pedro Braz Teixeira, diretor-geral do Fórum para a Competitividade.
O programa da AD também faz uma referência à eliminação gradual da progressividade da derrama estadual e ao fim da derrama municipal em sede de IRC, no entanto, lamenta Filipe Grilo, “a proposta não é concreta”. Aliás, em entrevista ao ECO, o ministro das Finanças, Joaquim Miranda Sarmento, acabou por reconhecer que essa medida iria cair: “Diria que é muito difícil nos próximos anos isso acontecer, porque o nosso foco é reduzir a taxa de IRC”.
Em relação ao programa socialista, o economista e professor da Porto Business School regista “uma evolução relevante” ao ficar-se mais no “reforço das empresas”, trave mestra para “o crescimento económico sustentável”, defende. Ainda que Pedro Nuno Santos se oponha a reduções transversais do IRC, como defende a AD, é apologista de uma “maior seletividade nos incentivos às empresas, concentrando os fundos num número limitado e estratégico de domínios e setores”, refere.
No entanto, assinala, “não identifica quais serão esses setores prioritários, uma omissão difícil de justificar, sobretudo porque esta medida já constava do programa anterior e houve tempo mais do que suficiente para a concretizar”.
A “redução dos custos de contexto das empresas através de um programa de racionalização de taxas, e a desburocratização do licenciamento industrial e dos financiamentos europeus, tornando-os mais céleres e transparentes” são outras das promessas dos socialistas, sinaliza Pedro Braz Teixeira.
Óscar Afonso aponta ainda que “a redução do IVA de bens alimentares essenciais, que parece substituir a continuação da baixa do IRS antes preconizada pelo PS, poderá potenciar o consumo”. Para além disso, “a preparação de uma proposta de regionalização para realização de um novo referendo, no âmbito do reforço da descentralização administrativa e coesão territorial” é outra das medidas que poderão contribuir para dar um estímulo à economia.
Descida do IRC só terá efeitos a longo prazo. IVA zero é contraproducente
No entanto, os economistas consultados pelo ECO são unânimes numa crítica às duas forças partidárias: ausência de reformas estruturantes para colocar o país a crescer. “O que falha nos dois programas eleitorais, antes de mais, é a falta de uma visão estratégica, ou seja, dizer claramente onde almejamos estar no espaço económico da União Europeia em que nos inserimos, num dado horizonte, e qual o ritmo de crescimento económico necessário. Falha ainda a adequação entre as metas de crescimento e as medidas e reformas propostas para as atingir”, sinaliza Óscar Afonso.
O economista admite que “o programa da AD apresenta a ambição certa, ao projetar um crescimento médio de 2,9% ao ano até 2029”, mas depois “não mostra a visão estratégica e mobilizadora do objetivo último a que assiste essa meta de crescimento, faltando ainda referir o modelo económico que suporta as estimativas de crescimento”.
O diretor da Faculdade de Economia da Universidade do Porto alerta ainda que “os efeitos do desagravamento fiscal”, designadamente a descida do IRC, “no crescimento demoram tempo a surtir efeito e exigem compensação orçamental, que no cenário orçamental da AD é permitida pela redução do peso da despesa corrente primária no PIB, mas não se apresentam reformas suficientes para a alcançar”.
O que falha nos dois programas eleitorais, antes de mais, é a falta de uma visão estratégica, ou seja, dizer claramente onde almejamos estar no espaço económico da União Europeia.
Quanto ao programa do PS, o especialista deteta “uma falha geral ainda mais grave, ao não apresentar reformas económicas dignas desse nome, condicionando assim a meta de crescimento económico a uma média de 2% ao ano, praticamente a do cenário de políticas invariantes do Conselho de Finanças Públicas”.
“Mesmo podendo ser considerada mais prudente, a meta torna-se otimista face à insuficiência de reformas e medidas de estímulo económico, mas sobretudo a apresentação de propostas limitadoras da competitividade e que penalizam o crescimento”, critica.
Por exemplo, detalha Filipe Grilo, “o PS ao propor uma descida seletiva do IRC, condicionada ao reinvestimento dos lucros e à subida dos salários, cria novas camadas de complexidade”.
“A redução condicional do IRC proposta pelo PS retira efetividade e impacto à medida, pelo que não espero que tenha efeito significativo no crescimento económico”, completa Óscar Afonso.
O IVA zero num conjunto de bens alimentares essenciais foi alvo de duros reparos por parte dos economistas consultados pelo ECO. “É uma medida cara, ineficaz do ponto de vista distributivo, porque beneficia também consumidores de maiores posses, e de impacto muito duvidoso no consumo, até porque nada garante a baixa do preço final às famílias, podendo o benefício ser apropriado pela distribuição”, conclui Óscar Afonso.
Alinhando pelo mesmo diapasão, Filipe Grilo salienta que “o IVA zero, do ponto de vista económico, é totalmente ineficaz para estimular o crescimento”.
“A maioria dos bens essenciais abrangidos são bens alimentares, e Portugal apresenta um défice externo crónico na produção agrícola. Ou seja, qualquer aumento do consumo desses bens traduzir-se-ia, em grande parte, num aumento das importações. Estaríamos, assim, a abdicar de receita fiscal para transferir poder de compra para produtores estrangeiros, sem benefícios relevantes para a produção nacional ou para a criação de emprego em Portugal”, alerta.
o IVA zero, do ponto de vista económico, totalmente ineficaz para estimular o crescimento. A maioria dos bens essenciais abrangidos são bens alimentares, e Portugal apresenta um défice externo crónico na produção agrícola.
Por isso, o economista considera que “o IVA zero, tal como proposto pelo PS para bens essenciais, não deve ser visto como uma medida de crescimento económico, mas sim como uma medida de apoio social”.
“O consumo de bens essenciais representa uma fatia maior do orçamento das famílias mais vulneráveis do que das famílias de maior rendimento. Por causa disso, o IVA tem, por natureza, um efeito regressivo, ou seja, penaliza proporcionalmente mais quem tem rendimentos mais baixos”, esclarece.
“Ainda assim, esta solução está longe de ser a mais eficiente. A redução do IVA beneficia toda a gente, independentemente do nível de rendimentos, tanto as famílias vulneráveis como as mais ricas. Uma medida mais eficaz seria canalizar apoios diretos apenas para quem realmente precisa”, defende.
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