O BCE tem poucos argumentos para esperar muito mais para reverter a política monetária restritiva. Já nos EUA a economia cresce a bom ritmo e a inflação persiste elevada.
O mês de março contribuiu de forma decisiva para reforçar a perspetiva de que os bancos centrais estão prestes a iniciar um ciclo de alívio da política monetária a nível global, num movimento que deverá ser tão sincronizado como se verificou na fase de agravamento de juros para combater o disparo dos preços, mas a um ritmo bem mais lento e incerto.
Ainda é cedo para declarar vitória sobre a alta da inflação, mas os bancos centrais estão a demonstrar uma confiança cada vez mais forte sobre o recuo do indicador para a ambicionada meta dos 2%. Os responsáveis da Fed mantiveram a perspetiva de três cortes de juros em 2024, os membros do Conselho do BCE efetuaram declarações mais claras sobre a primeira descida em junho, enquanto o Banco de Inglaterra e o banco central da Noruega deram um passo em frente para aliviar a política monetária nos próximos meses.
O banco central da Suíça não perdeu tempo e surpreendeu o mercado com uma descida de 25 pontos base na sua taxa de referência, tornando-se o primeiro banco central do G10 (países com as moedas mais negociadas do mundo) a aliviar a política monetária.
De acordo com uma recolha da Reuters tendo em conta as perspetivas do mercado, os próximos cortes neste grupo de bancos centrais devem surgir em junho por parte do BCE, Fed e Riskbank (Suécia). O Banco do Canadá deve baixar em julho, enquanto Banco de Inglaterra, Norges Bank (Noruega) e as autoridades da Nova Zelândia e Austrália devem esperar por agosto. A cumprirem-se estas previsões, entre os bancos centrais do G10 só o Banco do Japão não baixará os juros até ao verão.
A autoridade monetária nipónica está em contraciclo, tendo na semana passada anunciado a primeira subida de juros desde 2007. A decisão foi histórica, pois colocou um ponto final numa era de taxas de juro em terreno negativo que dificilmente se vai repetir no futuro mais próximo.
A Fed iniciou o ciclo de agravamento em março de 2022, tendo efetuado 11 subidas no total de 525 pontos base em 16 meses, até aos atuais 5,25%-5,5%. O BCE aumentou os juros por 10 vezes em 15 meses, mantendo a taxa dos depósitos no máximo histórico de 4% desde setembro do ano passado.
Quem dá o tiro de partida?
O mundo vai agora entrar numa nova fase de descida de juros, sendo que existe ainda uma elevada incerteza sobre o timing e o ritmo de cada um dos bancos centrais. Historicamente é a Fed que assume a liderança dos movimentos, mas desta vez não é certo que a tendência se repita.
“Enquanto a Fed pode demorar algum tempo a avaliar os dados da inflação num contexto de uma economia interna forte, o BCE está sob maior pressão”, assinalam os economistas da Alliance Bernstein, Sandra Rhouma e John Taylor. “O crescimento económico da Zona Euro deve recuperar no segundo semestre, mas deve permanecer fraco. A Alemanha enfrenta desafios estruturais que necessitam de tempo para serem resolvidos. Tendo em conta estas restrições internas, pensamos que os cortes de juros surjam mais cedo”, acrescentam.
Mesmo que a Fed adie o início do ciclo de descida de juros, o BCE deve avançar com cortes “desde que a inflação na Zona Euro permaneça num rumo sustentável em direção à meta”, refere a Alliance Bernstein. Apesar de o BCE ter como único mandato a estabilidade dos preços, “seria um erro o Conselho do BCE manter os juros em máximos de forma desnecessária, penalizando a economia e alargando ainda mais o diferencial para o desempenho dos Estados Unidos”.
A gestora de ativos Generali AM prevê que o BCE desça os juros em junho, mantendo esta estimativa “mesmo que a Fed opte por cortar mais tarde”, o que não teria precedentes na história dos dois bancos centrais. “A análise às decisões de política monetária do passado mostra que o BCE é relativamente independente da Fed e ambos os bancos centrais reagem aos seus respetivos ambientes, que muitas vezes são similares”, referem Paolo Zanghieri e Martin Wolburg em declarações por escrito ao ECO.
Os economistas da Generali AM enfatizam que se “o BCE agir primeiro, o estreitamento do diferencial entre as yields das obrigações” da Zona Euro e EUA “que estamos a prever será apenas adiado, uma vez que a direção a médio prazo para as taxas diretoras parece clara. Da mesma forma, o fortalecimento temporário do dólar apenas atrasará a sua descida face ao euro, o que é consistente com os fundamentos económicos de médio prazo”.
A gestora de ativos britânica abrdn destaca as razões distintas que motivam a política monetária do BCE e da Fed. Apesar de ambos os bancos centrais “terem assistido a uma descida dos seus indicadores preferidos de inflação, a queda na Zona Euro veio acompanhada de uma debilidade económica, que foi induzida pelas políticas [do BCE] que pressionaram a procura e desencadearam a desinflação”, comenta Felix Feather, quantitative economic analyst da abrdn, assinalando que, por outro lado, “os EUA registaram uma notável recuperação do lado da procura”.
A economia norte-americana conseguiu um desempenho notável em 2023, com o PIB a crescer 3,1% suportado por um consumo robusto das famílias e evolução forte do mercado de trabalho. Os últimos indicadores apontam para um abrandamento na maior economia do mundo, embora longe de sinalizarem uma recessão que, no início do ano passado, muitos economistas davam como certa.
Na Europa o cenário é bem diferente, com a economia praticamente estagnada desde que a Rússia invadiu a Ucrânia em 2022. O Reino Unido já está em recessão técnica, a Alemanha para lá caminha e a Zona Euro ainda não se livrou de sofrer dois trimestres com variações negativas no PIB.
As estimativas recentes da OCDE evidenciam os momentos bem diferentes da economia europeia e norte-americana, com o PIB dos Estados Unidos a crescer a um ritmo quatro vezes superior este ano, tal como já sucedeu em 2023. No próximo ano a divergência deverá persistir.
A abrdn espera que o BCE inicie o ciclo de descida de juros em junho, “quer a Fed comece ou não a cortar as taxas na mesma altura”. Felix Feather enfatiza que “a menos que o fluxo de dados traga surpresas negativas, esperamos que o BCE atue com cautela”, pois as preocupações que a última etapa da desinflação se revele a mais difícil continuam elevadas e o BCE está determinado a evitar desencadear uma segunda ronda de pressões inflacionistas”.
O ameaça de a inflação persistir acima da meta dos 2% é mais evidente nos Estados Unidos, onde os números de janeiro e fevereiro ficaram bem acima do esperado. Com o mercado de trabalho robusto e a atividade económica resiliente, a Fed tem margem para aguentar os juros em máximos além de junho. Já o BCE tem um caminho mais estreito, pois os dados das negociações de salários que são esperadas em Frankfurt devem apontar para um abrandamento e a estagnação da economia reduz a probabilidade de uma aceleração dos preços.
Euro fraco beneficia economia mas pressiona inflação
Os membros do Conselho do BCE têm ressalvado que a política monetária será definida independentemente das decisões adotadas pela Fed. Contudo, têm de colocar nos pratos da balança o impacto de avançar de forma descolada do banco central dos Estados Unidos.
Se o BCE descer os juros antes da Fed e a um ritmo mais célere, será inevitável o euro perder terreno face ao dólar. Pode impulsionar a atividade económica devido ao impulso das exportadoras, mas colocará pressão adicional na inflação pois os produtos vendidos em dólares ficarão mais caros para os europeus. Destaque para as matérias-primas, que têm um peso relevante no cabaz de preços e podem atrasar a descida da inflação para a meta dos 2%.
Se “esperar” pela Fed para aliviar a política monetária, o BCE estará a arriscar agravar a deterioração da atividade económica sem necessidade. É um equilíbrio complicado, sendo que a autoridade monetária deverá sempre colocar em primeiro plano o impacto na inflação.
“Se a Fed não baixar os juros em junho, terá repercussões no BCE e o euro ficará mais fraco. Mas consideramos que estes efeitos potenciais não são suficientemente fortes para inviabilizar o ciclo de alívio de política monetária do BCE”, advertem os economistas da Generali AM, que veem o BCE a baixar os juros em 100 pontos base em 2024 e até 2,5% em meados de 2025.
Descartando mexidas nas próximas reuniões, o BCE poderá baixar os juros a 6 de junho. Uma semana depois (12 de junho) acontece a reunião em que o mercado espera que a Fed também corte as taxas. A confirmar-se, esta diferença de seis dias será apenas simbólica, mas se o banco central dos EUA continuar a adiar o alívio da política monetária, poderemos estar perante uma situação inédita na política monetária global desde que o BCE foi criado no final do século passado. Certo é que a pressão para descer juros é mais elevada em Frankfurt do que em Washington.
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BCE mais pressionado a cortar juros antes da Fed
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