Forte subida das matérias-primas ameaça criar nova vaga de inflação

Petróleo, ouro, cobre, cacau e café estão a registar valorizações acentuadas nos mercados. A tendência ainda não é generalizada, mas os analistas antecipam mais subidas, o que aumentar a inflação.

As últimas semanas têm sido marcadas por uma valorização significativa de diversas matérias-primas, que se vai traduzir num agravamento dos preços a pagar pelos consumidores por uma série de produtos. Abastecer o automóvel com combustível, beber um café, comer uma sobremesa, comprar arroz e azeite, adquirir baterias e automóveis elétricos, ou um artigo de joalharia deverá ficar mais caro nos próximos tempos.

A escalada dos preços das matérias-primas foi um fator decisivo para o disparo nos preços pagos pelo consumidor na segunda metade de 2021 e em 2022, o que em conjunto com os efeitos pós-pandemia e problemas nas cadeias de abastecimento originou o agravamento mais agressivo deste século na inflação das economias ocidentais. Os bancos centrais responderam com uma subida rápida das taxas de juro, o que resultou num abrandamento na economia global, embora menos intenso do que o estimado.

A situação atual é distinta. A valorização das matérias-primas é menos acentuada e abrangente, com valorizações menos pronunciadas e a afetarem um número mais reduzido de matérias-primas. Petróleo à parte, as matérias-primas mais “quentes” têm um peso diminuto no cabaz que é utilizado para medir a inflação. Mas não deixa de gerar preocupação, até porque vários analistas acreditam que a tendência de alta das cotações vai persistir e pode ficar mais abrangente.

Pensamos que algumas commodities estão no centro de uma tendência bullish de longo prazo, como o urânio e o cobre, ambas cruciais para a transição energética”, comenta Marco Mencini ao ECO. O Head of Research da Plenisfer Investments, boutique financeira da Generali Investments, assinala que os preços estão a ser impulsionados por “desequilíbrios entre a procura crescente e a oferta limitada”, tensões geopolíticas que podem “afetar ainda mais as cadeias de abastecimento” e a resiliência da economia global que “deve suportar ainda mais a procura”.

“A tendência de alta destas matérias-primas tem uma margem ampla para continuar, tendo em conta que os principais fatores que estão por detrás deste impressionante desempenho ainda não mostraram qualquer sinal de mudança de direção”, diz Hebe Chen ao ECO. A analista de mercados da IG Austrália destaca que as “tensões geopolíticas – que impulsionaram a valorização de dois dígitos do petróleo, ouro e prata – não deverão ter resolução clara tão cedo, particularmente considerando que as eleições nos Estados Unidos só vão complicar o puzzle”.

Estas declarações foram efetuadas antes do Irão ter efetuado um ataque com mais de 300 drones e mísseis a Israel, evidenciando o risco de uma escalada da tensão no Médio Oriente. Contudo, o petróleo negoceia estável esta segunda-feira em torno dos 90 dólares, com os investidores convencidos que se tratou de uma episódio que não terá continuidade na confrontação entres os dois países. Ainda na geopolítica, os Estados Unidos agravaram as sanções à Rússia na exportação de metais, o que está a originar um agravamento na tendência de alta destas matérias-primas.

O índice S&P GSCI, que mede o desempenho agregado das matérias-primas, acumula uma valorização de 11% em 2024, superando a prestação da grande maioria dos principais índices acionistas mundiais. Esta valorização tem sido mais marcada nas últimas semanas, com os ganhos a serem liderados pelo petróleo, metais preciosos e industriais e algumas matérias-primas agrícolas.

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Analistas otimistas

Existem pontos comuns nesta tendência de alta, como o agravamento das tensões geopolíticas; sinais de recuperação da economia global (em particular na China) que impulsionam a procura; perspetiva de descidas de juros que promovem o consumo e debilitam o dólar; problemas específicos na produção de algumas matérias-primas e inversão da tendência descendente do setor industrial.

Tendo em conta estes fatores, diversos analistas estão a projetar a manutenção da tendência de alta do mercado das matérias-primas em geral. É o caso do Goldman Sachs, que aponta para uma valorização de 15% este ano, assente sobretudo nos cortes de juros que deverão ser aplicados pelo BCE e Fed, que vão impulsionar o consumo e a procura das indústrias.

O Saxo também está otimista para as matérias-primas, salientando que as perspetivas de enfraquecimento do dólar e descida dos custos de financiamento suportarão o crescimento económico, o que pode representar o gatilho para uma valorização mais ampla das várias commodities.

A Robeco, gestora de ativos dos Países Baixos, destaca três fatores para prever a valorização das matérias-primas:

  • O setor industrial está a acordar de uma longa hibernação, o que oferece às commodities a melhor relação de risco/retorno numa perspetiva multi-ativos
  • Existem evidências crescentes de estagnação no alívio dos preços, o que reforça a atratividade das matérias-primas como proteção contra a inflação
  • As pressões do lado da oferta continuam presentes em vários mercados de matérias-primas, sendo provável que surjam situações de escassez no médio prazo.

O aumento do custo das matérias-primas tem certamente um impacto na inflação como já assistimos no pós-pandemia. O petróleo será o fiel da balança: se subir acima dos 100 dólares terá um impacto significativo na inflação. Contudo, não espero que tenha um impacto na política monetária.

Marco Mencini, Head of Research, Plenisfer Investments, da Generali Investments

Matérias-primas (ainda) sem impacto na política monetária

Se a valorização as matérias-primas em 2021 e 2022 foi determinante para o agravamento da política monetária, no atual contexto os analistas ainda acreditam que a valorização das commodities não é suficiente para impedir o início do ciclo de descida de juros, embora possa abrandar o ritmo de alívio a implementar pelos bancos centrais.

“O aumento do custo das matérias-primas tem certamente um impacto na inflação, como já assistimos no pós-pandemia”, diz Marco Mencini, assinalando que “o petróleo será o fiel da balança: se subir acima dos 100 dólares terá um impacto significativo na inflação”, mas para já “sem impacto na política monetária”.

“Apenas eventos exógenos extraordinários, com impacto estrutural de longo prazo nos preços do petróleo, como a expansão decisiva dos conflitos existentes, ou uma recuperação muito forte da economia chinesa que atualmente não está no horizonte, pode motivar os bancos centrais a reverem os seus modelos de inflação e, com isso, alterarem de forma significativa a sua política monetária”, acrescenta o responsável da Plenisfer Investments.

Hebe Chen tem uma visão mais cautelosa. “O risco crescente de valorização das principais categorias das matérias-primas, sobretudo os preços da energia, tem potencial para originar uma mudança dramática no manual dos principais bancos centrais, uma vez que será pouco racional avançar com cortes de juros imaturos com a inflação estagnada” em níveis elevados, refere a analista da IG Austrália em declarações por escrito ao ECO. “Além disso, este ressurgimento da inflação, que pode ser visto como uma nova vaga, levaria sem dúvida os responsáveis dos bancos centrais a atuar com ainda maior cautela e vigilância”, acrescenta.

A subida de inflação em março nos Estados Unidos levou o mercado a adiar a perspetiva para o primeiro corte de juros da Fed para setembro, antecipando no máximo duas reduções em 2024. Já o BCE validou a perspetiva de começar a aliviar a política monetária em junho, mas não se comprometeu com o rumo posterior, citando uma série de riscos para a evolução da inflação, como a tendência de alta das matérias-primas.

O risco crescente de valorização das principais categorias das matérias-primas, sobretudo os preços da energia, tem potencial para originar uma mudança dramática no manual dos principais bancos centrais, uma vez que será pouco racional avançar com cortes de juros imaturos com a inflação estagnada.

Hebe Chen, analista de mercados da IG Austrália

Sendo evidente uma tendência de alta das matérias-primas nas últimas semanas, também é verdade que diversas commodities estão a evoluir em queda. Na energia, o petróleo negoceia em máximos do ano, mas o gás natural está a perder valor, continuando a corrigir da escalada que se verificou após a guerra na Ucrânia. O cobre e outros metais industriais estão a acentuar o movimento de alta, mas o minério de ferro desvaloriza mais de 20% em 2024. O café e o cacau marcam ganhos muito expressivos, mas as cotações do trigo e milho apresentam uma tendência negativa, explicando porque o índice que agrega as matérias-primas agrícolas está a desvalorizar este ano.

Veja os fatores que estão a impulsionar as cotações das matérias-primas mais quentes em 2024:

Petróleo atinge máximos de outubro

Os preços do petróleo acumulam uma valorização de 16,5% este ano, com o Brent a superar a fasquia dos 90 dólares pela primeira vez desde outubro do ano passado. O agravamento da tensão no Médio Oriente, com os riscos crescentes de um conflito militar entre o Irão e Israel, tem sido o motor da subida das cotações, mas os fundamentais do mercado também explicam a tendência de alta. A OPEP+ prolongou os cortes extraordinários de produção em mais de 2 milhões de barris por dia, numa altura em que a procura mundial está a aumentar devido à evolução mais positiva da economia global. Muitos analistas estão a prever um défice de oferta no mercado petrolífero este ano, antevendo por isso o regresso da cotação do barril até aos 100 dólares.

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Ouro acumula recordes consecutivos

A evolução da cotação do euro tem surpreendido sobretudo pela amplitude dos ganhos e por surgir numa altura em que as estimativas para o corte de juros da Fed estão a ser revistas em baixa. Visto como um ativo de refúgio, o ouro tem tirado partido do agravamento das tensões geopolíticas e também do crescimento acentuado da procura. Sobretudo por parte dos bancos centrais dos países asiáticos, que estão a reforçar as suas reservas de ouro para reduzirem a dependência do dólar. O banco central da China, por exemplo, está a comprar ouro há 17 meses seguidos. A cotação do metal precioso valoriza 12% em 2024 e tem fixado máximos históricos consecutivos, negociando já muito perto dos 2.400 dólares por onça. A prata e outros metais, como a platina e o paládio, registam igualmente uma trajetória positiva em 2004.

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“Doutor” cobre em alta

A evolução da cotação do cobre é um dos melhores indicadores avançados da economia global. Este metal é utilizado numa série de diferentes indústrias de geografias distintas. É por isso que nos mercados é conhecido por “doutor cobre”, numa alusão ao facto de ser considerado o único com doutoramento em economia. O cobre acumula uma valorização em redor de 10% este ano, estando a transacionar em máximos desde junho de 2022, com os analistas a apontarem para ganhos adicionais para esta matéria-prima que também é conhecida por “ouro vermelho”. O Citigroup estima que o cobre está a iniciar o segundo bull market deste século, apontando a uma cotação média de 10 mil dólares este ano e 12 mil dólares em 2026. O zinco e o alumínio também têm apresentado uma trajetória positiva este ano.

Cacau e café disparam

Nas matérias-primas agrícolas a tendência é mista, mas há diversas commodities que têm registado ganhos muito expressivos, devido sobretudo a problemas do lado da oferta, com colheitas fracas e condições climatéricas adversas nos países produtores. É o caso do café no Vietname e do cacau nos países da África Ocidental (Costa do Marfim e Gana). A cotação do ingrediente essencial para produzir chocolate acumula uma impressionante escalada este ano, superior a 140%, estando em máximos históricos. O café robusta (representa 25% da produção mundial, mas é o mais consumido em Portugal) atingiu máximos históricos após valorizar 26% este ano e disparado 63% em 2023. O café arábica regista valorizações mais contidas (12% em 2024 e 11% em 2023). Destaque ainda para o açúcar, amigo próximo do cacau e do café, que valoriza 5,3% em 2024, no sexto ano consecutivo em alta.

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As matérias-primas agrícolas como o café e o cacau estão a subir para máximos devido sobretudo a constrangimentos significativos do lado da oferta nos principais países produtores”, explica Hebe Chen, assinalando que “estas perturbações foram exacerbadas pelo El Niño no verão passado, sendo que os efeitos destrutivos deverão prolongar-se até ao final do ano”.

Outras matérias-primas agrícolas não cotadas, como o azeite e o arroz, têm igualmente registado agravamentos de preços expressivos, o que acentua os receios com a evolução da inflação, tendo em conta que são produtos com um peso mais elevado no cabaz alimentar.

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