Governos europeus já realizaram vendas de 16 mil milhões de euros nos últimos 12 meses, mas ainda têm 26,4 mil milhões em participações em bancos resgatados. Novobanco pode ser o próximo.
Os governos europeus estão a acelerar as vendas das participações que detêm nos bancos que foram resgatados nas últimas crises, aproveitando a forte valorização do setor na bolsa nos últimos meses. Dificilmente irão recuperar todo dinheiro que injetaram para salvar as instituições financeiras na última década e meia. Mas os analistas consideram que estão perante uma boa oportunidade para se desfazerem de posições que valem mais de 26 mil milhões de euros, de acordo com os dados recolhidos pelo ECO. Isto sem incluir o Novobanco, que pode ser o próximo na lista.
“Sim, a janela está aberta neste momento”, sublinha Filippo Alloati, chefe de crédito financeiro da gestora de fundos Federated Hermes, em declarações ao ECO.
“Sobretudo por causa do desempenho dos bancos no mercado acionista, parecem estar sobrecapitalizados e deverão dar um retorno de cerca de 50 mil milhões de euros em recompras de ações só em 2024”, acrescenta o responsável.
Mário Trinca, diretor da Alvarez & Marsal em Portugal, concorda: “Estão mais capitalizados e com maior liquidez. Estas condições de mercado mais favoráveis, incluindo maior confiança por parte dos investidores, e uma boa performance no mercado de capitais, podem maximizar o retorno se os Estados aproveitarem para vender as suas participações”.
De um modo geral, os bancos europeus demonstraram uma sólida performance financeira em 2023 e durante o primeiro semestre de 2024. Estão mais capitalizados e com maior liquidez. Estas condições de mercado mais favoráveis, incluindo maior confiança por parte dos investidores, e uma boa performance no mercado de capitais, podem maximizar o retorno se os Estados aproveitarem para vender as suas participações
Nos últimos 12 meses, os governos em toda a Europa arrecadaram cerca de 16 mil milhões de euros com a venda de ações de bancos resgatados durante a crise do subprime nos EUA e das dívidas soberanas na Zona Euro, de acordo com os cálculos do Financial Times.
As últimas vendas decorreram na semana passada, designadamente da parte do Governo alemão no Commerzbank e do Governo dos Países Baixos no ABN Amro, aproveitando o facto de as ações dos dois bancos terem valorizado 129% e 26% desde 2022, respetivamente.
Na Grécia, depois de ter vendido toda a participação no Piraeus Bank em março, o Fundo de Estabilidade Financeira, criado para socorrer os bancos problemáticos na última crise, mandatou os bancos para venderem cerca de 8% da participação de 18% que detém no Hellenic National Bank, cujas ações também mais do que duplicaram em quase dois anos.
No mesmo período, o índice Stoxx Europe 600 dos bancos subiu quase 40%, à boleia dos bons resultados do setor por conta a escalada das taxas de juro.
Banca europeia em alta
Fonte: Reuters
26 mil milhões “ainda” para venda
Uma década depois da crise da dívida soberana, os governos europeus ainda detinham participações nos bancos avaliadas a preços de mercado em mais de 26,3 mil milhões de euros, de acordo com os dados compilados pelo ECO (ver lista em baixo).
Em 2022, antes da escalada do setor na bolsa, as mesmas participações tinham um valor de “apenas” 21,1 mil milhões.
Por exemplo, o FROB espanhol ainda detém quase 18% do CaixaBank, uma participação avaliada em mais de sete mil milhões de euros e que resultou da fusão do dono do BPI com o resgatado Bankia em 2012. Desde o ano passado que o fundo de resolução espanhol está a tentar vender essa posição.
No Reino Unido, o UK Financial Investments – constituída pelo governo britânico para gerir as participações do Tesouro no Royal Bank of Scotland (RBS) e na UK Asset Resolution — detém uma posição de quase 18% no Natwest (ex-RBS) avaliada em perto de seis mil milhões de euros.
Apesar da valorização dos bancos, dificilmente o que os governos encaixarem com as vendas irá pagar o que os contribuintes de Espanha e Reino Unido tiveram de injetar para salvarem as respetivas instituições do colapso: 20 mil milhões no primeiro caso e 24 mil milhões no segundo.
Nota: Se está a aceder através das apps, carregue aqui para abrir o gráfico.
“Em alguns casos, o timing é sempre muito complicado”, refere Filippo Alloati sobre as chances de o dinheiro dos resgates bancários voltarem aos cofres públicos.
O responsável da Federated Hermes dá o exemplo do Commerzbank. Berlim acabou de vender 4,5% ao Unicredit por 700 milhões de euros, mas os italianos têm outra ambição: ficar com 100% do banco alemão. Ao vender demasiado cedo, o governo alemão “corre o risco de perder um potencial prémio de aquisição”, refere Alloati. Por outras palavras, os 700 milhões por 4,5% do Commerzbank poderão ter sido uma pechincha para o Unicredit.
O potencial avanço do Unicredit sobre o Commerzbank reabriu o tema das fusões transfronteiriças na banca europeia que o BCE abençoa há muito, um processo no qual os governos poderão ter um papel importante.
Para Mário Trinca, ainda assim, vamos ter mais “movimentos de consolidação doméstica do que movimentos de M&A transfronteiriços, uma vez que é mais difícil obter sinergias de custo neste último cenário”.
Mais vendas perante boas perspetivas
Os próximos meses trarão mais operações, pois os governos grego e italiano têm em curso processos de venda a serem concretizados até final do ano.
No caso italiano, o Ministério das Finanças tem vindo a reduzir a sua participação no Monte dei Paschi di Siena nos últimos meses: desde novembro já vendeu 37% das ações do banco italiano por 1,6 mil milhões de euros. Ainda tem uma posição de 27% avaliada em cerca de 1,67 mil milhões que poderá ser vendida ainda este ano.
Por outro lado, os analistas consideram que as ações dos bancos europeus poderão continuar a valorizar nos próximos tempos, apesar de o Banco Central Europeu (BCE) ter começado a cortar as taxas de juro – que foi o motor dos resultados dos bancos nos últimos anos.
“Acreditamos que as ações bancárias continuam demasiado baratas, e gradualmente vão obter uma nova valorização à medida que demonstrem que os seus resultados são mais sustentáveis do que o mercado supõe atualmente”, referiu Andrew Stimpson, analista da Keefe, Bruyette & Woods, citado pelo Financial Times.
Novobanco será o próximo?
A lista de potenciais vendas incluirá ainda o Novobanco. Dez anos depois do resgate ao BES, cuja fatura ascende a mais de oito mil milhões, o fundo Lone Star – que adquiriu o banco português em 2017 – está em fase de desinvestimento e será a oportunidade de ouro para Fundo de Resolução e Direção-Geral do Tesouro e Finanças (DGTF) alienarem as suas participações de 13,04% e 11,96%, respetivamente.
Tal como a maioria dos bancos, o Novobanco está agora muito bem capitalizado, depois dos fortes resultados que teve nos últimos anos e uma reestruturação o levou a consumir 3,4 mil milhões do acordo de capital contingente que os americanos assinaram com o Fundo de Resolução – que tem na sua posse um relatório do Deutsche Bank que avalia o banco em mais de cinco mil milhões de euros.
Lone Star e Fundo de Resolução estão a negociar o fim desse contrato para abrir caminho a um IPO ou até venda direta do Novobanco. BCP, bancos espanhóis ou franceses surgem numa lista de potenciais candidatos caso não vingue a opção da bolsa, para a qual o CEO Mark Bourke tem vindo a trabalhar.
Mas como lembra Mário Trinca: “A venda [do Novobanco] terá de ser precedida do fim do acordo de capital contingente de modo a desbloquear a distribuição de dividendos”.
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