A conjuntura desfavorável para o negócio das energias renováveis provocou um rombo no valor de mercado da EDP e EDP Renováveis, com as ações das cotadas a afundarem mais de 20% no primeiro trimestre.
Na assembleia geral anual da EDP que decorre esta quarta-feira, os gestores do grupo têm números pouco satisfatórios para mostrar aos acionistas no que diz respeito ao desempenho das ações no médio e curto prazo. A EDP e a EDP Renováveis registam em 2024 o quarto ano consecutivo de desvalorizações em bolsa e o comportamento negativo acentuou-se de forma muito pronunciada nos primeiros meses deste ano.
As ações da EDP Renováveis acumularam uma desvalorização de 32,3% no primeiro trimestre, o que representa o pior desempenho trimestral desde que a empresa de energias “verdes” dispersou capital em bolsa (2008). A EDP afundou 20,7% nos primeiros três meses de 2024, o que representa o pior desempenho (pelo menos) dos últimos 20 anos. As cotações das duas empresas estão no nível mais baixo em quatro anos, com o desempenho negativo a persistir após o final do primeiro trimestre.
As duas cotadas continuam a ser as mais valiosas da bolsa portuguesa, mas a descida pronunciada das ações traduziu-se numa perda de valor muito significativa nos primeiros três meses do ano. A capitalização bolsista da EDP baixou 3.954 milhões de euros no primeiro trimestre, enquanto o valor de mercado da EDP Renováveis desceu 6.129 milhões de euros. Este trimestre “negro” para o Grupo EDP traduziu-se assim numa perda de valor acumulado que fica ligeiramente acima dos 10 mil milhões de euros.
Alargando o período da análise, a tendência negativa é ainda mais pronunciada. Quando atingiu um máximo histórico em janeiro de 2021, a EDP tinha um valor de mercado superior a 23 mil milhões de euros. Já a EDP Renováveis chegou a atingir uma capitação bolsista acima de 26 mil milhões de euros (agosto de 2022). O valor de mercado conjunto das duas companhias esteve próximo dos 50 mil milhões de euros, situando-se agora abaixo dos 28 mil milhões euros, o que representa uma diferença de quase 22 mil milhões de euros.
Depois de terem mais do que duplicado em 2020, ano em que a pandemia reforçou a aposta global nas energias renováveis, as ações da EDP Renováveis já acumulam uma queda de 44%. Nestes quatro anos negativos, as ações da EDP acumulam uma desvalorização de 30%.
Juros altos e preços baixos
Apesar do desempenho negativo em 2021, 2022 e 2023, nos últimos três anos as ações das empresas do Grupo EDP registaram quedas anuais pouco significativas. A evolução em 2024 distingue-se pela queda abrupta e contínua dos títulos, em contraciclo com o mercado em geral e muito mais acentuada do que o setor. O índice europeu generalista STOXX 600 avançou 7% no primeiro trimestre e o índice setorial STOXX Europe 600 Utilities desvalorizou 5,4%. Arrastado pela EDP e EDP Renováveis, o português PSI cedeu 1,8% nos primeiros três meses do ano.
A conjuntura tem sido bastante desfavorável para as companhias de energias renováveis, com a confluência de um conjunto de fatores que reduz substancialmente a rentabilidade dos projetos destas empresas. Os custos de produção agravaram-se de forma pronunciada devido ao aumento de preços relacionado com a inflação em geral e problemas nas cadeias de abastecimento em particular. As taxas de juro elevadas aumentam os custos de financiamento ao mesmo tempo que baixam o valor dos “cash flows” futuros.
Acresce que os preços de venda da eletricidade estão em queda, penalizando fortemente as perspetivas de receitas destas companhias. Desta forma, ao mesmo tempo que os custos de desenvolvimento dos projetos de energia renovável estão mais elevados devido a fatores operacionais e financeiros, as expectativas de geração de receitas são mais reduzidas.
Ao longo dos últimos meses foram várias as companhias internacionais que abandonaram o desenvolvimento de projetos de energia renovável, como parques eólicos e solares, por concluírem que já não eram rentáveis. Estas notícias exacerbaram a tendência negativa do setor, que está igualmente a ser penalizado pelas perspetivas de descida mais lenta nas taxas de juro por parte dos bancos centrais.
Analistas cortam avaliações, mas potencial é elevado
A evolução negativa das ações da EDP e EDP Renováveis também foi desencadeada por um pessimismo crescente dos analistas, que acompanharam a queda das cotações com uma revisão em baixa da avaliação dos títulos.
O Deutsche Bank foi um dos últimos, com uma descida de 21% no preço-alvo da EDP Renováveis (18,50 euros para 14,50 euros) e uma baixa de 18% na avaliação da EDP (4,90 euros para 4,00 euros). O banco alemão justifica este corte com a revisão em baixa nas estimativas de resultados da EDP Renováveis (20% em 2024 e 15-20% em 2025-2026), estimando que “no atual ambiente de descida dos preços da eletricidade, será mais difícil para a EDP Renováveis encontrar projetos que cumpram os seus objetivos de retorno”.
A EDP tem sido sobretudo arrastada pelas perspetivas mais desfavoráveis para o negócio das renováveis. Num research recente onde cortou a avaliação da EDP Renováveis, o Barclays manteve uma visão “modestamente positiva” para as utilities integradas da Europa, pois são “mais resilientes à descida dos preços da eletricidade”. O banco incluiu a EDP na lista de preferidas deste segmento, a par da italiana Enel e da britânica Centrica.
Entre os 21 analistas que acompanham a EDP, 18 avançam com recomendações de comprar. O preço-alvo médio é de 5,17 euros, o que representa um corte de 12% face à avaliação definida em março de 2023 (5,86 euros). A descida é significativa, mas bem inferior à queda sofrida pelas ações neste período, pelo que o potencial de valorização implícito é agora mais elevado. Tendo em conta a cotação no final do primeiro trimestre (3,61 euros), a avaliação média dos analistas aponta para uma valorização de 43%.
Os analistas foram bem mais agressivos a cortar a avaliação das ações da EDP Renováveis, sendo que apenas metade (12 em 23) recomenda comprar. O preço-alvo médio baixou 21% no espaço de um ano, situando-se atualmente em 18,42 euros, o que implica um potencial de valorização de 47%.
Alavancagem volta a agravar-se
As apresentações de resultados de 2023 contribuíram para acentuar a trajetória negativa das ações, com os números a evidenciarem um crescimento dos indicadores operacionais, mas também um agravamento da alavancagem financeira, o que gera maior apreensão devido ao contexto de taxas de juro elevadas.
A EDP fechou 2023 com lucros de 952 milhões de euros, um crescimento de 40% que não foi suficiente para atingir as projeções dos analistas. A dívida aumentou 16%, superando a fasquia dos 15 mil milhões de euros pela primeira vez desde 2016, passando a representar 3,1 vezes o EBITDA (2,9 vezes em 2022).
Este rácio que mede a alavancagem financeira está ainda longe dos níveis que afastaram muitos investidores da elétrica na primeira metade da década passada (quase cinco vezes em 2013), mas os analistas projetam uma deterioração nos próximos anos. O consensus, de acordo com os valores recolhidos pela própria EDP, aponta para uma dívida líquida de quase 19 mil milhões de euros em 2026, o que corresponde a 3,4 vezes o EBITDA projetado para esse ano.
No caso da EDP Renováveis, os lucros desceram 50% para 309 milhões de euros em 2023, com a companhia a citar a queda de 6% nos preços de venda da eletricidade. O EBITDA baixou 15% e a dívida subiu 16% para 5.805 milhões de euros, o que ditou uma deterioração no rácio de alavancagem para 3,2 vezes, um máximo desde 2015.
No research onde baixa a avaliação das ações das duas empresas, o Deutsche Bank cita os “constrangimentos relacionados com o balanço da EDP” para justificar o corte nas previsões de adição de capacidade da EDP Renováveis. O banco alemão espera que a empresa de energias “verdes” atualize as suas metas de médio prazo quando apresentar os resultados do primeiro trimestre (8 de maio).
O plano estratégico da EDP, definido em março do ano passado para o período 2023-2026, contempla o objetivo de investimento de 25 mil milhões de euros (85% em renováveis), lucros recorrentes de 1,5 mil milhões de euros e EBITDA de 5,7 mil milhões de euros em 2026, um dividendo mínimo de 20 cêntimos por ação e dívida líquida de 17 mil milhões de euros.
Na apresentação de resultados de 2023 a EDP reiterou as metas para este ano, o que não serviu como catalisador para as ações inverterem a tendência. A empresa tem nova oportunidade na apresentação de resultados do primeiro trimestre (9 de maio), ou já na assembleia geral desta quarta-feira onde os acionistas vão votar na renovação do mandato da equipa liderada por Miguel Stilwell.
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