Guerra tira 950 milhões aos negócios portugueses com a Rússia. Vinho e bacalhau resistem

Quase mil empresas portuguesas abandonaram comércio com a Rússia desde o início da guerra. Exportações caem 50% e só há 157 a vender para lá. Drones e material médico ‘ganham’ encomendas na Ucrânia.

Faz esta segunda-feira precisamente três anos desde que a Rússia invadiu a Ucrânia. Um acontecimento que alterou radicalmente a geopolítica mundial e teve repercussões profundas nas economias e nos mercados, sobretudo na Europa, e que também não poupou as empresas portuguesas. Em 2024, o valor das compras e vendas nacionais ao mercado russo caiu 76% face a 2021, o ano anterior ao início do conflito militar no leste europeu, o que equivale à perda de 950 milhões de euros.

De acordo com os dados disponibilizados ao ECO pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), antes da guerra havia um total de 1.185 companhias portuguesas a fazer negócios com a Rússia (estão excluídos deste apuramento os empresários em nome individual e particulares) e agora restam apenas 212. Isto é, quase mil empresas nacionais deixaram de exportar ou de importar mercadorias com destino ou com origem no país liderado por Vladimir Putin.

O maior tropeção aconteceu nas importações [ver gráfico abaixo] que baixaram de 1.068 para 205 milhões de euros neste período. Embora tenha encolhido mais de 86%, a rubrica dos combustíveis continua a ser a mais representativa nas compras portuguesas à Rússia (102,6 milhões em 2024). A mais prejudicada foi a Petrogal, que antes figurava como a maior importadora, face à decisão anunciada pela Galp de suspender “quaisquer novas aquisições de produtos petrolíferos provenientes quer da Rússia, quer de empresas russas”, admitindo nessa altura que a medida poderia ter “impacto na refinaria de Sines e na sua contribuição financeira”.

Da listagem das principais empresas importadoras desapareceram também outras companhias energéticas, como foi o caso da EDP Gás, da Galp Gás Natural ou da Endesa Portugal, que em 2021 surgiam em destaque. Segundo a listagem hierarquizada consultada pelo ECO, que não detalha os valores individuais, a única resistente do setor no top 10 é a sucursal da espanhola Naturgy, que também opera deste lado da fronteira e que continuou a importar gás russo, subindo à liderança nos últimos dois anos.

Face ao pré-guerra, o maior crescimento (62%) nas importações foi registado na categoria de “peixes e crustáceos, moluscos e outros invertebrados aquáticos”: ascendeu a 78,8 milhões e é agora a segunda mais relevante.

A explicação surge na lista dos maiores importadores, onde figuram várias indústrias transformadoras de bacalhau: a Riberalves de Torres Vedras e outras quatro que têm fábricas na Gafanha da Nazaré, no concelho de Ílhavo: o Grupo Rui Costa e Sousa & Irmão, a CNCB – Companhia Nacional Comércio Bacalhau, a Pascoal e a Bacalhau do Barents.

Exportações para a Rússia caem 50%, com menos 440 empresas a vender para lá

Se o número de empresas nacionais a comprar à Rússia afundou de 588 em 2021 para 55 no ano passado, a quantidade de exportadoras portuguesas para aquele mercado tropeçou igualmente, embora em menor grau: eram 597 antes do início do conflito militar com os vizinhos ucranianos e restam agora 157 a comercializar mercadorias para lá. Os dados provisórios facultados ao ECO pelo gabinete de estatísticas mostram uma redução de 88 milhões de euros face há três anos, correspondente a uma perda de 50% no valor das vendas.

Vários produtos portugueses que antes da guerra tinham na Rússia um mercado relevante, como a cortiça (26,8 milhões em 2021), o mobiliário (11 milhões), os preparados de produtos hortícolas e de frutas (10,2 milhões), os materiais elétricos (4,7 milhões) ou os veículos automóveis e tratores (3,9 milhões) viram praticamente desaparecer os clientes na Rússia, que passaram a ser residuais ou mesmo inexistentes.

E mesmo outros que ainda se aguentam no top 5 de exportações sofreram fortes quedas, como é o caso dos reatores nucleares, caldeiras e máquinas e aparelhos mecânicos (-69%).

Apesar de ter visto a Sogrape, a maior empresa nacional de vinhos, suspender logo após a invasão os envios para o mercado russo – era a terceira maior exportadora portuguesa para a Rússia, que valia seis milhões de euros anuais e uma das suas maiores apostas (só os britânicos e os portugueses bebiam mais Mateus Rosé, por exemplo) –, o setor das bebidas acabou por ser um dos poucos ‘vencedores’: as vendas para a Rússia triplicaram para 34 milhões de euros neste período, passando a encabeçar a lista das exportações.

Por “regras de confidencialidade” invocadas pelo INE, nem todas as sociedades são mostradas nas listagens de operadores do comércio internacional de bens. Mas a informação é suficiente para evidenciar o desaparecimento da maioria daquelas que antes da guerra constavam entre as maiores exportadoras para a Rússia. Além da Sogrape, é o caso da Sedacor (sociedade de exportação pertencente ao grupo corticeiro JPS Cork), da Bosch Termotecnologia, da também aveirense OLI (autoclismos) ou das gigantes industriais Simoldes Aços e Bondalti, a empresa química do grupo José de Mello.

Por outo lado, entre as empresas que mais exportaram de Portugal para a Rússia no ano passado e mantêm ali uma posição competitiva numa altura em que os EUA pressionam as negociações de paz no Leste europeu, encontram-se nomes como a Nestlé Portugal; a Sociedade Agrícola da Quinta da Freiria, criadora de frangos, patos, perus e codornizes, e produtora de carne do grupo Valouro; a trading Ballamore e a Quinta da Lixa (vinhos); a vila-condense Proadec, fabricante de orlas termoplásticas para a indústria do mobiliário detida pela alemã Surteco; a produtora de fio agrícola Cotesi (grupo Violas); ou a Fibromade, que produz folhas de madeira em Paredes.

Sanções, bloqueios logísticos e nos pagamentos

Desde o início da guerra na Ucrânia, a União Europeia já impôs 15 pacotes de medidas sancionatórias a Moscovo e prepara o 16º. O presidente da Associação Empresarial de Portugal (AEP), organismo que deixou de trabalhar com o mercado russo desde março de 2022 “quer através da presença em feiras quer de missões empresariais”, assinala esta “queda significativa” nas exportações entre 2021 e 2024, falando num “impacto negativo considerável nos fluxos comerciais” com a Rússia.

“Tendo em conta que a balança bilateral tem sido desfavorável a Portugal, as restrições ao comércio devem constituir uma alavanca para uma orientação das trocas comerciais para outros mercados. A diversificação dos mercados de destino das exportações portuguesas de bens é também um dos propósitos do programa de promoção externa que a AEP tem vindo a desenvolver – o Business On the Way (BOW)”, acrescenta Luís Miguel Ribeiro, em declarações ao ECO.

Além das sanções impostas pela União Europeia e que incidem sobre alguns produtos, como os bens de dupla utilização (militar e civil) ou determinados artigos de luxo, as empresas enfrentam constrangimentos como a proibição da entrada de navios com bandeira russa nos portos ou, nas transações financeiras, devido à exclusão dos principais bancos russos do sistema SWIFT.

Além das sanções, a CIP – Confederação Empresarial de Portugal ilustra que neste momento “o comércio com a Rússia encontra outras dificuldades, entre as quais as logísticas que decorrem das sanções dirigidas ao setor dos transportes”, como a proibição de todas as empresas russas de transporte rodoviário no território da UE; o encerramento do espaço aéreo do bloco europeu a todas as aeronaves detidas, registadas ou controladas pela Rússia; ou a proibição de entrada de navios com bandeira russa nos portos da UE.

Ao ECO, a confederação patronal liderada por Armindo Monteiro frisa ainda que acrescem dificuldades relacionadas com as transações financeiras devido à exclusão dos principais bancos russos do sistema SWIFT, o sistema de mensagens financeiras dominante no mundo, “o que impede que estes bancos realizem as suas transações financeiras em todo o mundo de forma rápida e eficiente”.

Exportações para a Ucrânia disparam 160%. Drones e material médico ‘ganham’ com a guerra

Enquanto na Rússia o cenário é de perdas para as empresas portuguesas, com a vizinha Ucrânia as trocas comerciais bilaterais até aumentaram 66 milhões de euros face ao pré-guerra, entre compras e vendas. Isto apesar de haver agora menos 237 operadores envolvidos nas transações entre os dois países, num total de 468 no ano passado (exclui empresários em nome individual e particulares), de acordo com os dados avançados ao ECO pelo Instituto Nacional de Estatística.

Cereais, sementes e frutos oleaginosos, grãos, frutos, plantas industriais ou medicinais, palhas e forragens, gorduras e óleos, ceras de origem animal ou vegetal, madeira, carvão vegetal e obras de madeira. Estas continuam a ser as principais mercadorias de origem ucraniana a viajar para Portugal, num total de 305,8 milhões de euros importados pelo nosso país no ano passado. Mais 9,3 milhões de euros (+3,1%) do que no ano anterior da guerra.

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Nota: Se está a aceder através das apps, carregue aqui para abrir o gráfico.

No entanto, apesar de a balança comercial continuar a ser deficitária para Portugal, a progressão nas exportações nacionais para a Ucrânia foi bem mais fulgurante do que em sentido inverso. Quer em termos absolutos – cresceram 56,7 milhões de euros em 2024, face a 2021 –, quer na comparação percentual com um disparo de 160% nas vendas nacionais para aquele território, em plena guerra com a Rússia.

A puxar pelo crescimento das vendas portuguesas para a Ucrânia estão as aeronaves e aparelhos espaciais, que em 2021 quase não apareciam nas estatísticas e que no ano passado corresponderam a 33,3 milhões de euros. Sem surpresa, no topo da lista das exportadoras surge agora a Tekever, cofundada e liderada por Ricardo Mendes, que fornece drones às tropas ucranianas para apoiar operações terrestres e marítimas.

Recentemente levantou 70 milhões de euros numa ronda de financiamento liderada pela Baillie Gifford e em que entrou também o fundo de capital de risco participado pelos 24 aliados da NATO.

Ricardo Mendes, CEO da Tekever, em entrevista ao podcast do ECO “À Prova de Futuro”Luís Francisco Ribeiro/ECO

Os materiais e aparelhos médico-cirúrgicos made in Portugal surgem agora como a segunda categoria de produtos mais exportada (17 milhões de euros em 2024, quando em 2021 valiam apenas 182 mil euros), com o contributo da felgueirense Fapomed, produtora de batas cirúrgicas, campos operatórios, pacotes cirúrgicos personalizados e equipamentos de proteção individual para o setor da saúde.

A empresa detida pela família Lopes da Cunha, que emprega mais de 500 pessoas e tem unidades industriais em Felgueiras e em Baião, tem igualmente uma fábrica na Ucrânia desde 2009, na qual investiu na altura sete milhões de euros e que no início da invasão russa serviu de local de referência para facilitar a retirada de portugueses do país, em colaboração com o Ministério dos Negócios Estrangeiros.

Empresas como a The Navigator Company e a Man Truck & Bus Portugal aparecem igualmente em evidência entre as maiores exportadoras para a Ucrânia em 2024, sendo responsáveis pelos crescimentos nas vendas de pasta e papel, assim como de veículos, para aquele país. Na lista de comercializadoras nacionais pontificam ainda referências como a Nestlé Portugal, a Bosch Termotecnologia, a ADP Fertilizantes ou a unidade de rolhas da Corticeira Amorim, que lucrou menos 22% no último exercício.

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