Juros do BCE em pausa prolongada que pode durar até ao verão

Depois de dez aumentos, o BCE efetua a primeira pausa na subida das taxas de juro numa altura em que a inflação está a abrandar e a economia à beira de recessão. Cortes só na segunda metade de 2024.

Na reunião de 14 de setembro, o Banco Central Europeu (BCE) sinalizou que tinha concluído o ciclo de agravamento das taxas de juro. Os dados económicos publicados desde então deram força a esta estratégia, com o alívio da inflação a intensificar-se e os sinais de debilidade da economia da Zona Euro cada vez mais evidentes.

Estão assim reunidas as condições para a autoridade monetária anunciar, sem surpresas, a primeira pausa nas taxas de juro desde que iniciou o ciclo de subidas a 27 de julho de 2022. No espaço de 15 meses, o BCE subiu as taxas de referência por 10 vezes, num total de 450 pontos base (4,5 pontos percentuais), naquele que é, de longe, o agravamento de política monetária mais agressivo na (ainda curta) história do banco central.

A taxa dos depósitos vai assim permanecer nos 4%, o nível mais elevado desde o lançamento do euro e que o BCE considera ser suficientemente restritivo para conduzir a inflação para a meta dos 2% até 2025. Os últimos dados parecem validar esta visão, embora o impacto na atividade económica seja cada vez mais visível.

A inflação da Zona Euro desceu em setembro para 4,3%, um mínimo desde outubro de 2021 e já bem distante do máximo histórico fixado há precisamente um ano (10,6% em outubro de 2022). A inflação subjacente, que exclui alimentos e energia, recuou sete décimas em setembro para 4,5%, o nível mais baixo desde setembro do ano passado.

Na frente da atividade económica, os desenvolvimentos são bem mais desfavoráveis, o que para já não preocupa o BCE, pois contribui para pressionar a inflação em baixa. O índice PMI, que mede a atividade da Zona Euro, recuou em outubro para mínimos de três anos, ficando pelo quinto mês consecutivo abaixo de 50 — nível que separa a contração do crescimento.

Este indicador avançado está a sinalizar recessão na Zona Euro há diversos meses, uma tendência que poderá ser confirmada já na próxima semana. O Eurostat publica os dados do PIB da Zona Euro do terceiro trimestre na terça-feira (31 de outubro) e as estimativas dos economistas apontam para uma contração em cadeia de 0,1%. Isto depois do magro crescimento de 0,1% nos dois primeiros trimestres do ano.

Com a recessão na Zona Euro a parecer cada vez mais provável, existem outros sinais mais evidentes de transmissão da política monetária. A concessão de crédito está a travar, os bancos estão a restringir as condições dos empréstimos, o mercado imobiliário está a contrair e as yields das obrigações soberanas agravaram-se para máximos de mais de 12 anos. Um aperto global nas condições financeiras que dá maior conforto para esta pausa nos juros do BCE.

Apesar da subida dos preços da energia representar um aumento de riscos de efeitos secundários, o crescimento económico moderado e o abrandamento da inflação subjacente representam um obstáculo elevado a mais subidas de juros, pelo que mantemos a nossa previsão de que a taxa de depósitos vai ficar estável até ao quarto trimestre de 2024.

Economistas do Goldman Sachs

Subidas de juro continua em cima da mesa …

Se parece certo que, desta vez, o BCE não vai mexer nas taxas de juro, também parece clara a mensagem que vai ser transmitida pelo banco central. Os economistas apostam que a presidente Christine Lagarde vai manter um discurso de alguma agressividade, deixando a porta aberta a um novo agravamento da política monetária nas próximas reuniões.

Esperamos que os responsáveis do BCE notem que as projeções do staff divulgadas em setembro permanecem intactas”, reiterando que “o nível atual das taxas de juro é apropriado, mas deixando a porta aberta a novos aumentos se as perspetivas para a inflação se deteriorarem”, referem os economistas do Goldman Sachs, aguardando também que o banco central “saliente as incertezas crescentes relacionadas com o conflito no Médio Oriente”.

O petróleo subiu para máximos de novembro de 2022 depois do ataque de 7 de outubro do Hamas a Israel, acentuando a tendência de alta registada no terceiro trimestre, período em que valorizou mais de 25%. Uma escalada da crise a outras regiões do Médio Oriente tenderá a agravar os preços das matérias-primas e debilitar a atividade económica global, o que complica ainda mais a tarefa dos bancos centrais.

“Lagarde não vai dizer que os juros atingiram o pico. Os dados recentes implicam que as hipóteses de uma subida adicional de juros são diminutas, mas as incertezas são elevadas e a opcionalidade tem valor”, comentam os economistas do Deutsche Bank, assinalando que “a inflação está a abrandar, mas permanece bem acima da meta” e o BCE “quer evitar uma situação de ‘pára-arranca’, em que adota uma postura branda demasiado cedo, para depois ter de regressar a uma posição agressiva”.

“Os desenvolvimentos desde a reunião de setembro tornaram ainda mais fácil a decisão do BCE optar por uma pausa”, mas “esperamos que o BCE mantenha a porta aberta a um aumento em dezembro”, refere Carsten Brzeski. O economista do ING salienta que as perspetivas para a economia deverão continuar a deteriorar-se até ao final do ano a um ritmo suficiente para impedir esse novo agravamento.

Na reunião de dezembro, o staff do BCE vai atualizar as projeções para os indicadores económicos. “Tendo em conta a recente subida dos preços do petróleo e consequente revisão da estimativa para a inflação da Zona Euro para 2024, não podemos excluir que o BCE opte por uma subida de juros em dezembro, não que isso contribua para qualquer coisa a não ser a credibilidade do BCE”, adverte Carsten Brzeski.

“Se, por um lado, se acumulam sinais de uma boa transmissão da política monetária, a atividade económica na Zona Euro continua débil e as pressões sobre os preços estão a abrandar, por outro lado, os níveis de inflação continuam a demasiado elevados”, referem os economistas do BPI, assinalando que ainda é demasiado cedo para discutir se já está encontrado o patamar das taxas de juro. “O debate será informativo sobre o sentimento do BCE e fornecerá uma primeira avaliação do impacto da guerra de Gaza”, acrescentam.

Lagarde não vai dizer que os juros atingiram o pico. O BCE quer evitar uma situação de ‘pára-arranca’ em que adota uma postura branda demasiado cedo, para depois ter de regressar a uma posição agressiva.

Economistas do Deutsche Bank

… mas taxas ficam estáveis (pelo menos) até julho

Além de manter em cima da mesa a possibilidade de novas subidas de juros, Lagarde deverá descartar o cenário de cortes a curto prazo. A pausa que o BCE anuncia esta quinta-feira em Atenas representa assim uma notícia agridoce para as famílias com créditos: os agravamentos acentuados das prestações têm os dias contados, mas vão permanecer em níveis elevados por mais tempo.

Os investidores, sempre mais agressivos, estão a descontar que o primeiro corte de juros só venha a acontecer em julho do próximo ano. Uma perspetiva bem diferente da registada há escassos meses, em que o mercado de futuros apontava para o primeiro corte no primeiro trimestre de 2024.

Entre os economistas, as estimativas são ainda mais conservadoras. Na sondagem efetuada pela Reuters, a maioria vê o primeiro alívio da política monetária no terceiro trimestre, com vários economistas a salientarem os riscos de o período de pausa ser ainda mais prolongado. Na sondagem efetuada pela Bloomberg, o consenso aponta para a primeira redução só em setembro, o que pressupõe a manutenção da taxa dos depósitos durante um ano.

“O nosso cenário base aponta para a manutenção das taxas até setembro de 2024 e cortes brandos depois disso”, pois a inflação só atingirá a meta dos 2% no final do ano e o crescimento económico regressará a níveis acima da média nessa altura, estima o Deutsche Bank, que vê a taxa de juro recuar para 2,5% apenas em 2025. Para o banco alemão, um corte de juros já em março só num “cenário de aterragem forte da economia e destruição de emprego, o que não é consistente com a nossa interpretação atual dos dados”.

O Goldman Sachs espera que o BCE repita a mensagem de que “as taxas de juro vão permanecer em níveis suficientemente restritivos pelo tempo que for necessário”. O banco de investimento assinala que, “apesar da subida dos preços da energia representar um aumento de riscos de efeitos secundários, o crescimento económico moderado e o abrandamento da inflação subjacente representam um obstáculo elevado a mais subidas de juros, pelo que mantemos a nossa previsão de que a taxa de depósitos vai ficar estável até ao quarto trimestre de 2024”.

Tendo em conta a recente subida dos preços do petróleo e consequente revisão da estimativa para a inflação da Zona Euro para 2024, não podemos excluir que o BCE opte por uma subida de juros em dezembro, não que isso contribua para qualquer coisa a não ser a credibilidade do BCE.

Carsten Brzeski, economista do ING

Redução mais rápida do balanço e reservas mais elevados dos bancos

A manutenção das taxas de juro em outubro contribuirá para apaziguar as relações no Conselho do BCE, acalmando os defensores de uma política monetária mais branda (“pombas”). A política do banco central tem sido liderada pelos “falcões” (defendem política monetária mais agressiva), que continuam a reclamar o endurecimento das medidas de combate à inflação.

Para agradar a “pombas e “falcões”, o BCE pode recorrer a outras ferramentas de política monetária além das taxas de juro, com destaque para a redução mais rápida do balanço do banco central e redução da liquidez no sistema financeiro.

Para compensar divisões internas, a presidente Lagarde pode tentar um acordo no Conselho do BCE sobre os princípios orientadores para as próximas decisões de política”, refere o Deutsche Bank, assinalando duas possibilidades sobre a consolidação do balanço: todas as medidas serão “graduais e previsíveis”, consistentes com a estabilidade; o BCE está comprometido na prevenção de uma “indesejada fragmentação” que ameace a transmissão da política monetária.

Numa altura em que as yields das obrigações soberanas estão a negociar em máximos de 12 anos e o prémio de risco da dívida italiana se situa em redor de 200 pontos base, a redução do balanço tem de ser “gerida com pinças” pelo BCE, pois o banco central não vai arriscar alimentar uma crise na Zona Euro e acicatar as críticas dos países do Sul da Europa.

O BCE prometeu manter até 2024 o reinvestimento dos pagamentos de capital dos ativos adquiridos ao abrigo do Programa de Compras de Emergência Pandémica (PEPP, na sigla em inglês). O mais antigo Asset Purchase Programme (APP) já foi descontinuado, o que induziu uma redução do balanço em 20% desde novembro de 2022, num total de 1,7 biliões de euros.

Segundo os economistas do BPI, o BCE poderá antecipar a redução da carteira do PEPP (tal como fez com o APP), passando a efetuar apenas reinvestimentos parciais. O Goldman Sachs aponta para um reinvestimento mais limitado (10 mil milhões de euros por mês) a partir do segundo trimestre e o fim total das compras no terceiro trimestre. “A escalada das yields das obrigações, em conjunto com novos receios de sustentabilidade da dívida na Zona Euro, torna mais difícil para o BCE chegar a acordo” sobre o fim/limitação dos reinvestimentos do PEPP, argumenta o economista do ING.

Outra das ferramentas ao dispor do BCE passa por aumentar as reservas obrigatórias dos bancos, o que visa sobretudo reduzir a liquidez do sistema financeiro e reduzir os custos do banco central. Em julho, o BCE reduziu a remuneração dos requisitos de reservas para 0%, o que subtrai a margem financeira dos bancos europeus em 6 mil milhões de euros por ano.

Vários responsáveis do BCE têm defendido a subida das reservas que as instituições financeiras têm de guardar no banco central, que atualmente está em 1% dos depósitos. Um agravamento adicional de um ponto percentual custará mais 6 mil milhões de euros aos bancos europeus, ou cerca de 2% dos lucros anuais.

Estes temas da redução do balanço e das reservas dos bancos serão certamente debatidos na reunião desta quinta-feira em Atenas, embora os economistas aguardem que decisões de política monetária “extra-juros” só sejam anunciadas em dezembro, para implementar em janeiro. O foco atual está na primeira pausa nos juros do atual ciclo e na transmissão da mensagem de que as taxas vão permanecer elevadas, pois é demasiado cedo para reclamar vitória na luta contra a inflação.

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