‘Pacto de regime’ nos fundos. Todos querem executar bem e depressa

Uma oportunidade única. É assim que os partidos vêem os fundos europeus. Mas a forma como os mais de 45 mil milhões do PRR e do PT2030 devem ser investidos e geridos está longe de ser consensual.

  • O ECO vai divulgar cinco séries semanais de trabalhos sobre temas cruciais para o país, no período que antecede as eleições legislativas de 18 de maio. Os rendimentos das famílias, a execução dos fundos europeus, o crescimento da economia nacional, a crise da habitação e o investimento na Defesa vão estar em foco. O ECO vai fazer o ponto da situação destes temas, sintetizar as propostas dos principais partidos e ouvir a avaliação dos especialistas.

A necessidade de executar os fundos europeus bem e rapidamente une os partidos em Portugal. Da esquerda à direita há a consciência de que o balão de oxigénio adicional que Portugal recebeu com o Plano de Recuperação e Resiliência é “uma oportunidade única” e que o futuro está recheado de desafios que é necessário acautelar.

O Partido Socialista reconhece que está preocupado com a execução dos fundos e acusa o Governo de Luís Montenegro de ter “executado menos fundos em 2024 do que tinham sido executados em 2023”. Entre Portugal 2020, Portugal 2030 e PRR em 2023, o PS executou 5,85 mil milhões de euros e, em 2024, já com um Governo da AD que entrou em funções a 2 de abril desse ano, foram executados 5,40 mil milhões de euros.

A AD contrapõe que “não há qualquer motivo de preocupação nem há atrasos”. E recorda o objetivo de lançar 95 concursos do Portugal 2030 até maio, num montante total de 1.059 milhões de euros para incentivar a criação de emprego, a inovação produtiva e a conservação da natureza em diferentes regiões do país. “Estamos a horas no cumprimento do PRR e, nesta fase, estamos até com algum avanço”, diz fonte oficial da AD, repetindo o novo mantra do ministro Adjunto e Coesão, que tem a tutela dos fundos europeus.

Portugal está em quinto lugar, entre os 27 Estados-membros, no que toca ao cumprimento de metas e marcos, e em sétimo lugar na taxa de absorção de fundos, nomeadamente a percentagem de fundos do PRR que já recebeu, e em segundo lugar no que respeita ao número de pedidos de pagamento apresentados a Bruxelas”, elenca a AD.

Perante o reconhecimento de que alguns dos investimentos previstos no PRR não tinham qualquer hipótese de ficar prontos dentro do prazo limite definido pela Comissão Europeia, Portugal entregou mais uma reprogramação da bazuca — que já teve luz verde de Bruxelas (só falta o passo final da aprovação pelo Conselho) — na qual retirou esses investimentos: Barragem do Pisão (222 milhões de euros), Tomada de Água do Pomarão (101 milhões), Dessalinizadora do Algarve (108 milhões) e a expansão do Metro de Lisboa, nomeadamente parte da linha vermelha e a linha violeta (metro de superfície de Loures). Estes projetos passam agora a ser financiados pelo Fundo Ambiental, pelo Orçamento do Estado e pelo Portugal 2030.

A reprogramação transferiu ainda para a componente empréstimos todos os investimentos com maior risco de realização atempada, introduzindo no seu lugar projetos de execução quase garantida como a compra de equipamentos para as Unidades Locais de Saúde (ULS) e para as universidades. Foram introduzidos 1.517 milhões de euros em novos investimentos na sua maioria não dependentes da realização de obras e manteve-se a ambição de executar os 22,2 mil milhões de euros do PRR.

“O princípio que determinou esta reprogramação é que os fundos europeus que Portugal tem à disposição até 2026 sejam totalmente executados, o mais rapidamente possível em projetos úteis, estruturais e estratégicos para o país”, sublinha a AD.

O país sai bem na fotografia europeia em termos de execução do PRR, mas apesar do atraso europeu generalizado na utilização das verbas da bazuca, Bruxelas parece intransigente em rever calendários e dar mais tempo aos Estados-membros para executarem as verbas extraordinárias, que tinham por objetivo ajudar a recuperar da pandemia. Tudo o que não for utilizado na bazuca pode ser canalizado para outras prioridades como a Ucrânia ou a Defesa.

Inconformado com esta posição o PS diz que “não vai baixar os braços”: “Vamos batalhar para que haja mais tempo para executar o PRR”. Uma posição partilhada pelo PCP que, a 31 de março apresentou, no Parlamento Europeu, uma “proposta para o alargamento do prazo de utilização do PRR até agosto de 2028, criando condições para a sua execução pelos Estados membros conforme os seus interesses, a ritmo adequado e, sobretudo, sem precipitar aplicações em projetos apenas para cumprir prazos e gastar os fundos sem futuras penalizações”.

O Executivo tem sublinhado que o foco é usar a totalidade das subvenções do PRR e admite que “não executar os empréstimos não traria prejuízo”, porque os custos de financiamento da República têm vindo a cair e estão bastante próximos dos valores que Portugal teria de pagar pelos 5,8 mil milhões de empréstimos do PRR

Já na comparação europeia ao nível dos fundos de coesão (o Portugal 2030), o habitual estatuto de bom aluno não se verifica. Apesar dos esforços que o Executivo levou a cabo para acelerar a execução dos fundos europeus, Portugal continua em quarto lugar, a contar do fim, com apenas 5,5% das verbas do PT2030 transferida para Portugal. Pior só Malta (2,9%), Espanha (3,4%) e Croácia (4,3%). Quando a AD assumiu funções Portugal estava em último, mas pouco recuperou tendo em conta o desempenho histórico de liderança neste domínio.

Pelo caminho, já foi entregue em Bruxelas a reprogramação intercalar do Portugal 2030. Era fundamental para acautelar os riscos inerentes à aplicação da regra da guilhotina. Este ano todos os programas – temáticos ou regionais – têm de cumprir a regra da guilhotina, ou seja, os programas têm de gastar o correspondente ao orçamento de cada ano nos três anos seguintes. Se não o fizerem, o montante remanescente tem de ser devolvido a Bruxelas. Isto significa que, em cada programa operacional, é necessário dividir a dotação por sete (correspondente ao número de anos do quadro) e é esse o valor que é necessário executar três anos depois (é a regra do N+3).

“Prevista no regulamento comunitário, esta revisão intercalar serve para o Governo acelerar a execução dos fundos europeus e ajustar alguns dos investimentos às prioridades do país”, explica a AD. “O que se procurou garantir é que nada do que pode avançar fique parado, que todas as subvenções do PRR sejam integralmente executadas antes do final de 2026 e que o Portugal 2030 financie investimentos estratégicos para o país”, acrescentou a mesma fonte oficial.

Boa execução e reforço de competências

A pressão na execução dos fundos para que nem um euro seja devolvido a Bruxelas não deve, no entanto, ser “sinónimo de má aplicação de dinheiros públicos”, alerta o PAN, “ou à violação de regras europeias da concorrência”. “A boa execução dos fundos europeus é algo que deve preocupar qualquer cidadão em Portugal, porque poderá significar o aproveitamento de uma oportunidade única para transformar o país e fazer face a desafios como a transição climática, a crise da habitação ou a transição digital”, defende o PAN.

Para o Livre, “a boa execução dos fundos está dependente do envolvimento da sociedade civil, das empresas, das entidades de investigação científica e desenvolvimento tecnológico”. “Portugal atravessa uma oportunidade única com a mobilização do PRR e o PT2030 que tem de ser direcionada para a transição ecológica e modernização tecnológica de que o país precisa”, aduz o partido de Rui Tavares. Acrescentando que “as entidades que asseguram a execução dos fundos europeus necessitam dos recursos e meios técnicos para desenvolver a sua atividade, garantindo que as verbas são executadas e que bons projetos podem acontecer”.

O PS também defende a necessidade de “reforçar as entidades de gestão com meios humanos e técnicos, como também simplificar procedimentos e conferir-lhes maior previsibilidade”.

Responder de forma mais rápida às candidaturas é outro imperativo que une os partidos, com a esquerda a sublinhar a urgência do reforço das entidades públicas com competências para a decisão e pagamento dos apoios. O PCP fala em “desmantelamento de estruturas públicas e perda de recursos humanos no aparelho de Estado, nomeadamente do IAPMEI” e o Bloco em “enorme atraso no reembolso de muitos dos programas com financiamento comunitário”, dando o exemplo do Fundo Ambiental. “A destruição do setor empresarial do Estado teve um impacto na capacidade de captar e executar estes fundos e pô-los ao serviço do interesse público”, diz o partido de Mariana Mortágua.

Investimento público dependente dos fundos

A forma como os fundos são utilizados também não é consensual. O PCP, por exemplo, defende “uma nova orientação dos recursos reprogramados, entre outras áreas, para o ciclo urbano da água, o tratamento de resíduos e a rede pública de creches”. Já a Iniciativa Liberal entende que deve-se “garantir um cumprimento dos fundos com objetivos que permitam modernizar o Estado, libertar a economia e potenciar crescimento”.

Mas, o reconhecimento é generalizado de que os níveis de investimento público estão fortemente dependentes da execução dos fundos europeus. Aliás, as estatísticas comprovam isso mesmo. “Em 2025–26, espera-se um crescimento mais equilibrado, com um aumento do contributo do investimento (em especial da componente pública) e uma redução do contributo do consumo privado. Em 2027, o contributo do investimento torna-se nulo devido à redução da componente pública com o fim dos fundos do PRR”, escreve o Banco de Portugal no Boletim de março, no qual reviu em alta (numa décima) o crescimento deste ano, para 2,3%, mas em baixa o crescimento para 2026, que volta a desacelerar para 2,1%.

“Este Governo teve os piores resultados em dez anos, apesar de já ter muitos projetos em curso”, acusa o PS. “Precisamos de acelerar o planeamento, não só de quanto custa mas, sobretudo, dos projetos de engenharia, arquitetura que permitem avançar rápido com as obras”, acrescenta.

Para o PCP, “o investimento público não poderá, contudo, ficar reduzido à aplicação dos fundos comunitários, importantes mas insuficientes”. “O seu reforço, situando-o num valor não inferior a 5% do PIB ao ano, é uma medida decisiva para o desenvolvimento do país, pelo seu papel essencial na melhoria da eficiência dos serviços públicos – incluindo na boa aplicação dos fundos comunitários –, na construção e manutenção de equipamentos e infraestruturas necessárias ao desenvolvimento e na modernização da economia nacional”, detalha o partido liderado por Francisco Lopes.

Mas para acelerar o investimento público, alguns partidos defendem a necessidade de melhorar o processo de contratação pública.

“Temos de melhorar a contratação pública”, diz o PS. “Para isso propomos a criação de um Secretariado Nacional para o Investimento Público que ajude todos os organismos públicos para que eles não fiquem desertos, não sejam impugnados, sejam os mais rápidos possíveis”.

O Governo já procedeu a uma alteração das regras para os contratos que se destinem à execução de projetos financiados ou cofinanciados por fundos europeus, incluindo os integrados no âmbito do PRR: ficam dispensados de visto prévio do Tribunal de Contas, foi criado um regime excecional para ações administrativas “urgentes de contencioso pré-contratual que tenham por objetivo a impugnação de atos de adjudicação relativos a procedimentos de formação de contratos” e aprovado um recurso à arbitragem nos contratos de empreitada de obra pública ou de fornecimento de bens e serviços públicos financiados por fundos europeus.

O ministro Castro Almeida, confessando os constrangimentos que a aplicação das regras da contração pública implica na tentativa de acelerar a execução dos fundos, já apelou que as diversas forças políticas unam esforços para proceder a uma revisão da mesma. O ex-ministro da Economia, Pedro Siza Vieira, também já defendeu que “é preciso fazer tudo de novo. Não funciona com revisões”, até porque o Código dos Contratos Públicos, “em 17 anos, já teve 24 alterações”.

Alterações na execução dos fundos é o que defende o Bloco de Esquerda. “A execução dos fundos europeus deveria ter sido orientada para a concretização de políticas públicas e menos para ofertas a empresas para projetos de interesse muito variável e de forma altamente concentrada”, diz o partido de Mariana Mortágua. “Políticas de investimento público teriam tido muito mais impacto positivo para a esmagadora maioria das empresas que não tem condições para aceder a esses fundos”, acrescenta fonte oficial.

A Iniciativa Liberal lamenta também as opções tomadas, mas em sentido contrário. “Este PRR estava já ferido na sua conceção, tendo sido focado exclusivamente em colmatar falhas históricas de execução de investimentos públicos e tendo sido reprogramado de forma fechada, sem uma discussão pública que permitisse um realinhamento com as necessidades mais prementes e urgentes como são os casos do investimento em habitação e do investimento em defesa”, diz o partido de Rui Rocha.

Aposta na Defesa e o futuro da Coesão

A obrigatoriedade de os Estados-membros aumentarem os investimentos em Defesa e de esse aumento poder ser feito à custa dos fundos de Coesão, é outras das questões de fundo.

O PCP sublinha a necessidade de “defender os interesses nacionais na discussão do próximo ciclo de fundos da UE (pós-2027), nomeadamente face às tentativas de redução e condicionamento de verbas da política de coesão, canalizando-as para o militarismo e a guerra”.

“O desvio de fundos para a corrida às armas e a perspetiva de emissão de dívida para esse efeito (que terá de ser paga), agravam” a falta de recursos da UE, alerta o Bloco de Esquerda. “Os mesmos partidos que andaram a dizer que não havia dinheiro para os profissionais da saúde ou da educação, para o investimento público ou a transição energética, já não veem qualquer problema em atirar os Estados-membros para um radical despesismo armamentista. Em Portugal, as metas propostas da Comissão colocar-nos-iam a gastar mais na defesa do que em toda a educação ou todos os profissionais de saúde”, sublinha o partido de Mortágua.

Bruxelas apelou aos Estados-membros a um aumento do investimento em defesa em 1,5% do PIB e propôs flexibilizar as regras orçamentais. O Governo já anunciou que pretende antecipar a meta de investimento de 2% em defesa, mas, como alertou o Conselho das Finanças Públicas, isso arrisca fazer disparar o défice. Assumir o compromisso previsto na NATO em quatro anos, aumentaria o saldo orçamental negativo para 0,9% do PIB, em 2027.

Mas os Estados Unidos estão a exigir aos países da NATO que invistam 5% do PIB em defesa. As negociações deverão balizar entre os 3% e os 3,5% do PIB, mas a questão que se coloca é como cumprir essa meta sem pôr em causa o Estado Social.

É nesse âmbito que se intensificam os apelos de aumento das receitas próprias da União Europeia, uma discussão que já vinha a ser feita, sobretudo, depois de a Comissão ter avançado com a criação da bazuca, para ajudar os Estados-membros a mitigar os impactos da pandemia, e cujos empréstimos têm de começar a ser pagos em 2028 (pagamentos que se estenderão até 2028).

A criação de um imposto digital, que incidirá sobre as grandes empresas tecnológicas, é talvez das ideias mais comummente aceites.

Em Portugal, o anterior Governo sugeriu avançar com a criação de um fundo para financiar o investimento público após 2026, ano em que termina o Plano de Recuperação e Resiliência. O fundo seria dotado com uma verba inicial de dois mil milhões de euros, que corresponde ao excedente orçamental de 0,8% do PIB que estava previsto para o final de 2023. A ideia anunciada pelo então ministro das Finanças, Fernando Medina, não avançou, mas o PAN, nas respostas enviadas ao ECO replica a ideia, apontando como fonte de financiamento desse fundo não só “parte de eventuais excedentes orçamentais”, mas também “receitas de impostos sobre as grandes poluidoras”.

Para mitigar o impacto de um eventual corte dos fundos europeus – que é quase certo não só pela política de alargamento, mas também para ajudar à reconstrução da Ucrânia e aumentar o investimento em defesa –, o PS defende a necessidade de estimular as candidaturas dos projetos nacionais a fundos de gestão centralizada, “onde Portugal tem muito caminho ainda para fazer”.

O Chega foi o único partido que não respondeu às questões enviadas pelo ECO.

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