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Portugal e a taxa de carbono: milagre ou imbróglio fiscal?

O ensaio "Portugal e a taxa de carbono: Milagre ou imbróglio fiscal?" foi premiado no 3º lugar na iniciativa "Campus da Liberdade", do instituto +Liberdade.

A taxação carbónica é apresentada como uma ferramenta de mercado essencial para a transição climática e energética. Portugal, tal como vários países da União Europeia (UE), aplica este mecanismo de mercado para diminuir as suas emissões de carbono.

O princípio por detrás deste mecanismo é de que os preços devem refletir o dano — externalidades negativas — que os gases de efeito de estufa (GEE) causam à sociedade. Deste modo, através da receita adicional da taxa de carbono, os Estados têm a oportunidade de investir na diminuição das emissões de GEE. Todavia, várias questões se levantam quanto à eficácia desta medida:

  • Poderão as empresas mais poluidoras fugir para países com menor taxação de carbono, acabando por manter (ou aumentar) as emissões de GEE?
  • A taxa de carbono afetará o poder de compra dos consumidores mais vulneráveis?
  • Quais os custos de implementação, a nível de administração e monitorização?
  • Que alternativas existem para lidar com a crise climática?

Após implementar a taxa de carbono em 2015, Portugal, já era, em 2021, o sétimo país da UE com a maior taxa de carbono (23,8 euros por tonelada [1], Figura 1). Embora seja o sétimo estado-membro com menores emissões per capita, continua a ser incapaz de atingir as suas metas de emissão de GEE.

Além disso, de acordo com o relatório do Tribunal de Contas Europeu (TCE), a taxa carbónica abrangia apenas 29% do total de emissões GEE (sobre os setores do transporte e aquecimento) [2]. As taxas da Dinamarca e Irlanda, com valores idênticos a Portugal, abrangem 40% e 49% das emissões de GEE, respetivamente (Figura 1). Estes números revelam que há espaço para melhorias na administração desta taxa em Portugal, embora esta seja limitada no potencial de redução de emissões de GEE.

Figura 1: Imposto explícito sobre o em vários países europeus [3]

Para avaliar este mecanismo, é necessário considerar as consequências que este imposto traz para o consumidor no contexto da economia portuguesa, nomeadamente, ao nível do 1) esforço fiscal (em 2020, era o 6.º maior da UE, Figura 2), e 2) crescimento económico (entre 2000 e 2019, Portugal teve uma taxa média anual de crescimento real do PIB de 0.91% [4], afastando-se da riqueza média (per capita) da UE, Figura 3).

Segundo Martin Gundinger [5], economista da Escola Austríaca, uma economia que taxa o carbono gera menos riqueza do que aquela que não taxa. Isto deve-se fundamentalmente às empresas que mais emitem GEE deslocarem-se para mercados emergentes, livres de regulamentação ambiental, onde a prioridade é suprir as necessidades mais básicas da população. Contudo, deslocar a produção para estas economias, que são energeticamente mais intensivistas, aumenta as emissões globais de GEE.

Deslocar a produção é assim encarado como um afastamento das responsabilidades climáticas, levando a que os governos ganhem popularidade por diminuírem as emissões de GEE internas. Portanto, um instrumento de mercado que desloca economia (e emissões) é prejudicial, especialmente para Portugal que desespera por crescimento económico.

 

Figura 2: Esforço fiscal português em relação aos países da UE[6]

 

Figura 3: Riqueza gerada por habitante em percentagem da média da UE[7]

Emissões internas e de bens importados

Quando se analisa a contribuição da taxa para a redução das emissões de GEE, há que considerar: 1) emissões internas, e 2) emissões dos bens importados.

1) No caso das emissões de GEE da produção interna, os setores económicos que são abrangidos pela taxa de carbono são decididos pela entidade reguladora (no caso português, o Estado). Ora, para além deste processo de decisão, administração e monitorização ter custos associados, num estudo realizado por Marvão Pereira [8], concluiu-se que Portugal necessitaria de aumentar a sua taxa de 23,8 €/ton para 114 €/ton para que as emissões de fossem reduzidas em 36%. Contudo, isto implicaria uma queda de 2,71% no emprego e redução de 5,21% do PIB até 2030 em Portugal.

Segundo dados do INE de 2019, a taxa de carbono corresponde a 7,4% do total de impostos cobrados, tendo como origem a produção de energia (72,1%), transportes (27,2%) e a poluição e os recursos (0,7%) contemplados no ISP, ISV e IUC. Isto é, o consumidor é penalizado por consumir produtos dos quais está dependente, e por adotar comportamentos para os quais não tem uma alternativa viável (bens inelásticos). Veja-se o caso de as redes de transportes públicos, que são menos desenvolvidas nos meios rurais e no interior, limitando as opções de deslocações ao carro (mas que nem por isso estão livres de pagar ISV e ISP).

Ainda no âmbito energético, o Plano Nacional de Energia e Clima (PNEC) desenvolveu uma proposta de combate à pobreza energética que reconhece que esta situação depende, entre outros fatores, do rendimento das famílias e do custo da energia, estimando que entre 1,9 e 3 milhões de portugueses vivam em situação de pobreza energética [9]. É esta a fatia da população mais afetadas pela taxa de carbono, um imposto regressivo, que recai sobretudo sobre bens inelásticos.

Um imposto que afeta tanto as populações mais pobres como as do interior impede que a transição climática seja justa.

Por forma a compensar a inflação, sentida especialmente na energia e na alimentação, a taxa de carbono está congelada em Portugal [10]. As dificuldades conjunturais somadas à pobreza energética, traz escolhas difíceis: aqueço a minha casa durante o Inverno, ou encolho as compras do supermercado.

Assim, o congelamento desta taxa como uma medida de controlo à inflação demonstra que o estado português reconhece o impacto regressivo na população. São as pessoas mais pobres com a menor capacidade para diminuir as emissões de carbono, como são as que menos poluem.

2) Na situação da emissão de GEE referente aos produtos importados, no melhor dos cenários, Portugal teria de esperar que o preço incorporasse já a taxa de carbono, e que correspondesse ao custo social medido internamente para o carbono. Ao considerar um exemplo prático, a China, 6º maior parceiro comercial português a nível de importações em 2020 [11], informou este ano que as empresas reportaram dados falsos relativamente às emissões de GEE. Casos como este sugerem a dificuldade de Portugal determinar o custo social do carbono real que alguns parceiros económicos aplicam à sua produção interna. A taxa de carbono tornar-se-ia, portanto, mais arbitrária face ao que são as externalidades negativas das emissões. A forma de contornar esta situação exigiria que Portugal tivesse um sistema burocrático de monitorização mais apetrechado, com mais estado e mais despesa.

Alternativas

Tal como outros impostos, a premissa da taxa de carbono assenta no princípio poluidor-pagador. Após esta consideração, resta a dúvida: deve esta taxa permanecer entre as mais de 4000 existentes em Portugal? [12] Ou dever-se-á substituir outros impostos existentes por esta taxa de carbono (mantendo a receita fiscal constante), compensando o consumidor final, enquanto incentiva-se o desenvolvimento tecnológico e eficiência termodinâmica?

No primeiro caso, a hipótese de manter esta taxa sobrecarrega o consumidor final. No segundo, torna-se necessário investir em setores estratégicos para a mitigação das emissões de GEE.

Não haverá alternativas de mercado que permitam diminuir as emissões de GEE com base na receita fiscal existente, sem necessidade de introduzir impostos indiretos?

Uma resposta surge, designadamente, nos cortes fiscais sobre investimentos em tecnologias verdes, evitando a relocalização de emissões para países sem preocupações ambientais. Em oposição a uma deslocalização provocada pela taxa de carbono, os cortes fiscais ecológicos permitiriam a Portugal fomentar o investimento em tecnologias verdes e melhorar a sua infraestrutura, retendo-se os benefícios ambientais.

Para que os agentes poluentes, como as indústrias, tornem os seus procedimentos mais sustentáveis, é necessário incentivar a liquidez e oportunidades de investimento. Punir estas empresas num momento inicial da sua transição climática com taxas de carbono, retira a capacidade das pequenas e médias empresas, que produzem bens inelásticos (os mais afetados pelas taxas de carbono), de investirem em projetos que permitam tornarem-se mais sustentáveis. O corte fiscal ecológico, por outro lado, beneficiaria as empresas de uma política de redução das taxas marginais de imposto para investimentos ecológicos privados, em conjugação com o incentivo, direto e indireto, à concorrência, à participação, à inovação e à abertura dos mercados. É um mecanismo de mercado pouco analisado, numa altura em que vêm da Europa o maior pacote de medidas de estímulo alguma vez financiado pelo orçamento da União Europeia. O PRR.

Aliás, segundo uma análise preliminar do Instituto Bruegel [13], apenas 37% do montante do PRR português está afeto a investimentos que contribuem para o combate às alterações climáticas (6,1 mil milhões de euros), colocando Portugal num dos 14 países analisados com menor peso nesta dimensão. Além disso, a aplicação do PRR em setores estratégicos à redução de emissões de é um exemplo de como Portugal é incapaz de aplicar os seus recursos numa política integrada; olhando para cada setor como isolado. Isto é: estes fundos tornar-se-iam mais impulsionadores da transição climática se os setores transversais fossem todos chamados (e.g., transição digital contribuí para a transição climática com o uso mais eficiente dos fatores de produção).

Conclusão

A taxa de carbono é um mecanismo complexo na sua formulação teórica, bem como na aplicabilidade ao contexto português. Os desafios passariam por desenhar uma taxa que, sendo eficaz, consistiria em mais do que quadruplicar o seu valor atual para Portugal, afetando o preço dos bens inelásticos, emprego e economia. Somando a isto, dever-se-ia ponderar a complexidade dos sistemas burocráticos (custos administrativos), e o comportamento das empresas (fuga para os países sem taxas de carbono).

Assim, a única forma de internalizar estas externalidades (poluição) seria comprometer a competitividade da economia portuguesa.

Tem sido cada vez mais defendida pelo poder político e opinião pública, mas a taxação carbónica possivelmente não é uma opção para Portugal. Existem mecanismos de ambientalismo de mercado alternativos, como é o caso do corte fiscal ecológico, ou uma melhor aplicação dos recursos financeiros existentes. O PRR seria um exemplo dessa visão, já que permitiria, através de setores transversais, contribuir para uma transição climática justa e sustentável: o investimento em pequenas e médias empresas na transição digital e automação, deverá ser considerado na visão integrada de ambientalismo de mercado.

[1] O relatório do TCE considera apenas o imposto explícito.

[2] Tribunal de Contas Europeu, 2022. Tributação da energia, tarifação do dióxido de carbono e subvenções ao setor da energia. Disponível em: https://www.eca.europa.eu/Lists/ECADocuments/RW22_01/RW_Energy_taxation_PT.pdf

[3] Tribunal de Contas Europeu, 2022. Tributação da energia, tarifação do dióxido de carbono e subvenções ao setor da energia. Disponível em:
https://www.eca.europa.eu/Lists/ECADocuments/RW22_01/RW_Energy_taxation_PT.pdf

[4] https://www.pordata.pt/DB/Portugal/Ambiente+de+Consulta/Tabela

[5] Barnard, C., & Weiss, K. (2020). Green market revolution: How market environmentalism can protect nature and save the world. Friedrich A. von Hayek Institute.

[6] https://maisliberdade.pt/maisfactos/portugal-e-o-6-pais-da-europa-onde-o-esforco-fiscal-e-maior/

[7] https://maisliberdade.pt/maisfactos/em-20-anos-portugal-foi-ultrapassado-por-4-economias-do-antigo-bloco-de-leste/

[8] https://www.gee.gov.pt//RePEc/WorkingPapers/GEE_PAPERS_134.pdf

[9] Estratégia Nacional de Longo Prazo para o Combate à Pobreza Energética, Plano Nacional de Energia e Clima (https://participa.pt/pt/consulta/estrategia-nacional-de-longo-prazo-para-o-combate-a-pobreza-energetica-2021-2050)

[10] https://eco.sapo.pt/2022/03/04/governo-volta-a-congelar-subida-da-taxa-de-carbono-nos-combustiveis/

[11] https://www.ine.pt/xportal/xmain?
xpid=INE&xpgid=ine_publicacoes&PUBLICACOESpub_boui=280862956&PUBLICACOESmodo=2

[12] https://maisliberdade.pt/maisfactos/em-portugal-sao-cobrados-mais-de-4-mil-taxas-e-impostos/

[13] https://www.natureza-portugal.org/?3701191/PORTUGAL-ENTRE-OS-PIORES-DA-EUROPA-NO-CUMPRIMENTO-DAS-METAS-DE-TRANSIO-VERDE-DO-PRR

Autores:

Daniel Lemos Marques
Guilherme Romão Lourenço
João Ilhão
João Matias
José Couto
Paulo Miguel Cortesão
Pedro Reis
Salomé Bessa
Vasco Sabino Pinto (mentor)

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