Insistir no modelo de “mão estendida” será irrealista e perigoso. É urgente preparar a transição para um modelo mais autónomo e focado nos nossos recursos, escreve o economista Óscar Afonso.
Portugal precisa de se preparar, desde já, para a redução dos fundos europeus. O facto de Portugal continuar a ser, ao fim de 40 anos de vultuosos apoios, um dos maiores recetores líquidos de fundos europeus, revela que o país não conseguiu convergir como seria expectável. Este insucesso na convergência, resultante de um aproveitamento claramente inferior ao de muitos outros países, deve ser motivo de profunda reflexão e séria preocupação, pois representa o falhanço das políticas públicas e de quem as concebeu e implementou, evidenciando uma preocupante falta de eficácia na utilização dos recursos disponíveis.
É inegável que Portugal se modernizou ao longo destes 40 anos; outra coisa não seria de esperar! Contudo, essa modernização ficou muito aquém do que seria expectável, face aos elevados apoios recebidos e às oportunidades que tivemos. Muitos outros países avançaram mais e melhor, e não podemos conformar-nos em continuar bem abaixo da metade dos países com maior nível de vida da atual União Europeia (UE) – onde já devíamos estar há muito tempo – nem ignorar o risco de sermos ultrapassados por mais países nos próximos anos, se não adotarmos políticas que elevem decisivamente o potencial de crescimento da nossa economia.
Como tenho vindo a alertar, Portugal está a atingir o pico do afluxo de fundos europeus e, após 2026, com o fim do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), começará a sentir uma redução crescente desses apoios, que são, por natureza, temporários até que os países atinjam uma convergência robusta com o nível de vida médio da UE.
O futuro afluxo de fundos europeus do programa “Portugal 2040” será, muito provavelmente, significativamente inferior ao de “Portugal 2030” — o atual acordo de parceria entre Portugal e a UE para a aplicação dos fundos europeus até ao final da década — por diversas razões:
- Desde logo, o pagamento do PRR e programas congéneres dos outros Estados-membros, que foram financiados através de endividamento da UE por conta de orçamentos futuros;
- A entrada prevista de novos países na UE, incluindo a Ucrânia, e os custos de reconstrução deste país;
- As novas áreas prioritárias da UE (defesa, habitação, etc.);
- A dificuldade de aumentar as contribuições nacionais para o Orçamento da UE (apenas 1% do Rendimento Nacional Bruto dos países, relembro) e introduzir novas receitas europeias num contexto (geo)político mais difícil, com a ascensão dos extremismos e egoísmos nacionais, bem como uma administração Trump que saberá evitar impostos europeus sobre empresas digitais dos EUA e outros.
Igualmente relevante, é compreensível que a complacência seja cada vez menor com países como Portugal e Grécia, que, apesar de terem recebido avultados montantes de fundos europeus durante décadas, registaram progressos limitados na convergência com o nível de vida médio da UE.
os apoios tenderão a ser prioritariamente direcionados para os países que aderiram mais recentemente à UE e, sobretudo, para os futuros novos Estados-membros, cujos níveis de vida se situam significativamente abaixo da média europeia. Isso significa que esse valor médio será inferior na UE alargada, tornando estatisticamente “mais ricos” os atuais Estados-membros, incluindo Portugal, em termos relativos, como já sucedeu após 2004 com a vaga de adesões de países do leste europeu.
Naturalmente, os apoios tenderão a ser prioritariamente direcionados para os países que aderiram mais recentemente à UE e, sobretudo, para os futuros novos Estados-membros, cujos níveis de vida se situam significativamente abaixo da média europeia. Isso significa que esse valor médio será inferior na UE alargada, tornando estatisticamente “mais ricos” os atuais Estados-membros, incluindo Portugal, em termos relativos, como já sucedeu após 2004 com a vaga de adesões de países do leste europeu.
Esse “novo-riquismo” meramente estatístico revelou-se particularmente prejudicial para Portugal, pois alimentou a complacência e a acomodação de sucessivos governos, que adiaram reformas e descuraram a economia e a competitividade, comprometendo gravemente o nosso processo de convergência.
Recorde-se que a ilusão de progresso e as más políticas públicas seguidas conduziram o país a uma situação insustentável, culminando, em maio de 2011, no pedido de um resgate de 78 mil milhões de euros à troika de credores – Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional – em troca de um exigente programa de reformas, que foi concluído com sucesso em meados de 2014.
Não podemos repetir esse mau exemplo e devemos exigir aos nossos governantes melhores políticas públicas. Entrar na metade dos países mais ricos da UE, na sua configuração atual a 27 Estados-membros, durante a década até 2033 — objetivo que deveria constituir um verdadeiro desígnio nacional — é possível, desde que Portugal consiga crescer, em média, 1,4 pontos percentuais ao ano acima do crescimento da UE, como demonstra um estudo da Faculdade de Economia do Porto (FEP).
Para tal, é crucial utilizar de forma eficiente os fundos disponíveis, assegurando a execução do PRR sem perda de verbas — um desafio significativo após duas eleições legislativas antecipadas — e, sobretudo, aproveitar de forma muito mais eficaz os fundos do programa “Portugal 2030”, direcionando-os, de forma transversal, para projetos com elevado valor acrescentado e produtividade nos setores de bens e serviços transacionáveis a nível internacional, que devem ser o foco dos fundos de coesão e competitividade.
Exige-se, assim uma reprogramação do programa “Portugal 2030” para priorizar a economia e não o Estado – que deve ser reformado para ser mais eficiente –, de modo que, no final da execução, sejam as empresas as maiores beneficiárias e não as entidades públicas, ao contrário do que sucedeu no programa “Portugal 2020”, como refiro abaixo.
Ao mesmo tempo, é imperativo tornar o país verdadeiramente capaz de se desenvolver com recursos gerados internamente, preparando a economia para o inevitável “desmame” dos fundos europeus, dos quais o Estado e grande parte do setor privado se tornaram perigosamente dependentes — como quem se agarra indefinidamente a uma muleta, em vez de reaprender a caminhar pelos próprios pés.
Quanto mais adiarmos este processo, mais abrupto e doloroso será o ajustamento inevitável no futuro. É urgente que as políticas públicas sejam concebidas com realismo e visão estratégica, antecipando o cenário previsível em que, cada vez mais, teremos de sobreviver sustentados pelos nossos próprios recursos, sem o conforto ilusório dos fundos externos que nos têm mantido artificialmente à tona.
Não sou só eu que digo, mas também pessoas com responsabilidades atuais ou passadas na área de fundos europeus e financiamento, como mostro abaixo. Antes disso, chamo a atenção para alguns dados.
De acordo com um estudo do Instituto alemão IW divulgado em agosto do ano passado, Portugal foi o oitavo maior recetor líquido de fundos da UE em 2023, em termos absolutos, num total de 2,228 mil milhões de euros. Pelas razões referidas acima, é de esperar que o pico de entradas de fundos aconteça até 2026, seguindo-se uma redução crescente. Como termo de comparação, Espanha recebeu apenas 0,408 mil milhões de euros de apoios europeus em 2023, em termos líquidos, estando atualmente na mediana de nível de vida da UE (14ª posição em 2024), várias posições acima de Portugal.
De acordo com um estudo do Instituto alemão IW divulgado em agosto do ano passado, Portugal foi o oitavo maior recetor líquido de fundos da UE em 2023, em termos absolutos, num total de 2,228 mil milhões de euros. Pelas razões referidas acima, é de esperar que o pico de entradas de fundos aconteça até 2026, seguindo-se uma redução crescente. Como termo de comparação, Espanha recebeu apenas 0,408 mil milhões de euros de apoios europeus em 2023, em termos líquidos, estando atualmente na mediana de nível de vida da UE (14ª posição em 2024), várias posições acima de Portugal.
É razoável esperar que, numa futura UE alargada a países pobres, Portugal se aproxime estatisticamente da mediana de nível de vida, e a entrada líquida de fundos europeus baixe para níveis semelhantes ao que Espanha recebeu em 2023, que representa 18% do valor de Portugal nesse ano (0,408/2,228). Esta é apenas uma aproximação para ilustrar a magnitude possível da perda de fundos da UE em anos vindouros.
Recorde-se que dados recentes do Tribunal de Contas expõem uma realidade alarmante: cerca de 90% do investimento público realizado em Portugal entre 2014 e 2020 (o período de programação principal do PT 2020, mas a execução só encerra em 2025) foi financiado por fundos da UE, revelando uma dependência insustentável que ameaça seriamente a autonomia do país para investir no seu próprio futuro.
Uma notícia recente do ECO revela que o Estado é o maior beneficiário do programa “Portugal 2020”, ajudando a perceber melhor como é que 90% do investimento público foi financiado por fundos da UE, que é, de longe, a percentagem mais alta em toda a UE – a larga distância do segundo lugar, a Croácia, com 69%. Estes dados expõem de forma gritante a vergonhosa e extrema dependência do nosso Estado em relação ao “cheque europeu” para concretizar qualquer investimento público, bem como a opção de canalizar menos fundos para as empresas, reduzindo o impacto na economia. Mesmo na Grécia – país com menor nível de vida do que Portugal –, o peso dos fundos da UE no investimento público é substancialmente mais baixo (42%).
O retrato traçado evidencia não apenas uma dependência crónica, mas também um falhanço coletivo no aproveitamento dos fundos da UE e em construir uma economia capaz de investir com recursos próprios, hipotecando de forma grave o nosso futuro enquanto nação soberana e verdadeiramente competitiva.
A opção deliberada dos últimos governos de focar os fundos da UE no Estado em detrimento da economia – algo ainda mais notório no PRR, como refiro abaixo – e de transformar o investimento público numa simples variável de ajustamento orçamental, sacrificando-o para fabricar ‘excedentes’ orçamentais e acelerar a redução do rácio da dívida pública, é tão evidente quanto preocupante.
Essa estratégia, que visa mostrar números “bonitos” aos mercados e esconder a ineficácia da máquina do Estado – e a falta de vontade e capacidade de o reformar –, está a asfixiar o futuro do país, ao reduzir o impacto dos fundos da UE no PIB e descurar o investimento público, o que penaliza os serviços públicos e adia investimento público estruturante que é necessário para aumentar a produtividade e a competitividade da economia.
É claro que reduzir o rácio de dívida pública no PIB é desejável, mas seria mais sustentável fazê-lo por via do crescimento do PIB, priorizando o setor privado na canalização dos fundos europeus, em vez de concentrar esses apoios no Estado e, mesmo assim, não investir o suficiente, revelando uma escolha míope e irresponsável, que nos empurra para um ciclo vicioso de estagnação e dependência.
O problema desta abordagem ao investimento público é que os fundos da UE não são suficientes para todas as necessidades a este nível, até porque esses fundos têm regras próprias e condicionamentos temáticos. Assim, o facto de o investimento público ser quase todo realizado com fundos da UE só confirma a perceção de que tem sido, necessariamente, insuficiente – porventura abaixo do nível da depreciação dos equipamentos, implicando uma redução do stock de capital público –, refletindo-se numa deterioração visível dos serviços públicos, que prejudica sobretudo os cidadãos com menores recursos.
Portugal construiu, ao longo de décadas, uma máquina estatal e uma classe política que se habituaram a planear investimentos e até a sustentar despesa corrente mais em função dos quadros comunitários do que de uma estratégia integrada, coerente e verdadeiramente orientada para as reais necessidades do país e dos portugueses — realidade que se tornou especialmente evidente durante os governos liderados pelo atual presidente do Conselho Europeu, António Costa.
Mas os problemas do modelo de despesa pública baseado em fundos europeus não se ficam por aqui — eles vão muito mais fundo, alimentando incentivos perversos que minam a autonomia estratégica do país.
Portugal construiu, ao longo de décadas, uma máquina estatal e uma classe política que se habituaram a planear investimentos e até a sustentar despesa corrente mais em função dos quadros comunitários do que de uma estratégia integrada, coerente e verdadeiramente orientada para as reais necessidades do país e dos portugueses — realidade que se tornou especialmente evidente durante os governos liderados pelo atual presidente do Conselho Europeu, António Costa.
Como alertou recentemente a ex-ministra das Finanças e atual comissária europeia para os Serviços Financeiros e União para a Poupança e Investimentos, Maria Luís Albuquerque, “Portugal criou um funcionamento do Estado em que os fundos europeus são essenciais não apenas para investir, mas para manter o funcionamento regular de áreas fundamentais.” Esta dependência estrutural, que deveria envergonhar os responsáveis dos sucessivos governos, será severamente exposta nos próximos anos, quando a redistribuição dos fundos europeus se tornar mais exigente, competitiva e menos complacente com quem, ao longo de décadas, falhou em preparar-se para “caminhar com os próprios pés”.
É, por isso, que a tão adiada reforma do Estado tem de ser concebida para baixar significativamente o peso da despesa corrente e não meros cortes cosméticos ou artifícios contabilísticos. Esse espaço orçamental deve permitir não só uma redução significativa do IRC e do IRS — essencial para reforçar a competitividade do país e atrair investimento —, mas também o aumento sustentado do peso do investimento público, mais do que compensando a perda de fundos da UE. Um investimento público estratégico, orientado para projetos reprodutivos que elevem a produtividade, é fundamental para quebrar a estagnação e garantir que Portugal não continue refém de fundos externos ou condenado a um crescimento anémico.
A anterior Comissária Europeia para a Coesão, Elisa Ferreira – que, após terminado o seu mandato, regressou à FEP, onde é professora –, já em 2022 afirmava que Portugal deve libertar-se da dependência dos fundos da UE, sublinhando a necessidade de os usar com qualidade para “fazer mais” e chegar a um patamar de “desenvolvimento normal”, bem como acabar com a “ansia” pelos fundos com a crença que se irão repetir de sete em sete anos. Mais recentemente, sublinhou a importância de “proteger os fundos estruturais” e alertou para a pressão que se avizinha – “há uma disputa muito grande sobre onde é que os dinheiros vão ser aplicados. As regiões menos desenvolvidas vão ter de lutar para não perder apoios.”
Nélson de Souza, ex-ministro responsável pelos fundos europeus, é ainda mais direto: “é melhor que Portugal se prepare para ter menos fundos a partir de 2027”, apontando o alargamento da UE e as novas prioridades políticas e orçamentais como fatores de risco, e defendendo que Portugal deve, desde já, adaptar-se a um cenário de “menos recursos europeus e maior exigência na sua utilização”.
Acresce que os próprios investimentos geram custos de manutenção e despesa corrente, o que é particularmente evidente no PRR. Segundo o presidente da Comissão Nacional de Acompanhamento do PRR, Pedro Dominguinhos, “estamos a falar de montantes que não vão ser despiciendos. Serão sempre muito superiores a mil milhões de euros por ano”.
Como o enfoque do PRR no Estado, em vez da economia, parece ter sido ainda maior (numa proporção próxima de 2 para 1) do que no programa “Portugal 2020”, não se espera um impacto duradouro na economia que gere receitas e absorva esse impacto na despesa corrente. Esta perspetiva é confirmada pelo Ageing Report de 2024 da Comissão Europeia, como tenho alertado, pois mostra uma baixa abrupta do crescimento potencial da nossa economia após 2026, conduzindo a um valor médio próximo de 1% ao ano na década até 2033, como o registado nas duas primeiras décadas do milénio.
Neste contexto, não surpreende que o historiador económico e professor na Universidade de Manchester, Nuno Palma, tenha vindo a alertar de forma reiterada para o profundo desperdício que Portugal fez dos fundos europeus, apontando que o país desperdiçou aquela que foi, provavelmente, a melhor oportunidade em várias gerações para convergir com as economias mais avançadas da UE.
Tal tendência e perspetiva reflete opções pouco reprodutivas de aplicação dos fundos da UE, assim como a incapacidade de suprir endogenamente a perda esperada desses apoios europeus se não houver uma mudança de políticas.
Neste contexto, não surpreende que o historiador económico e professor na Universidade de Manchester, Nuno Palma, tenha vindo a alertar de forma reiterada para o profundo desperdício que Portugal fez dos fundos europeus, apontando que o país desperdiçou aquela que foi, provavelmente, a melhor oportunidade em várias gerações para convergir com as economias mais avançadas da UE. Palma sublinha que este falhanço não resulta de escassez de recursos – pelo contrário, Portugal recebeu um dos maiores apoios per capita – mas sim de más opções políticas e uma gestão pública ineficaz, que canalizou grande parte destes fundos para consumo imediato e projetos de retorno duvidoso, em vez de os direcionar para investimentos estruturantes que verdadeiramente elevassem a produtividade e competitividade do país.
Precisamos, por isso, de criar condições de geração de riqueza para compensar internamente a perda desses fundos. Portugal não pode continuar refém de um modelo de desenvolvimento assente em fundos externos, dependente do “cheque europeu” para investir, funcionar e executar políticas públicas.
Transição para um modelo económico mais autónomo e sustentável
É imperativo preparar uma transição para esse novo modelo económico baseado na geração interna de recursos, dentro de uma abordagem que estruturo abaixo em dois eixos com várias componentes e medidas associadas, várias das quais desenvolvidas em crónicas anteriores, em que abordei as propostas de reformas que o país precisa. A novidade é o ângulo de análise focado na origem dos recursos, incluindo dados novos que reforçam o diagnóstico e a lógica das soluções propostas.
1. Recursos externos: usar melhor a última grande vaga de fundos da UE e manter o equilíbrio externo
1.1. Fundos europeus: executar o PRR até 2026 sem perder verbas e, sobretudo, reorientar o programa “Portugal 2030” para projetos de elevado valor acrescentado e produtividade (de forma transversal) nos setores de bens e serviços transacionáveis a nível internacional, com vista a que, desta vez, os apoios reforcem efetivamente o potencial de crescimento da economia de forma significativa e decisiva. É, por isso, imperativa uma reavaliação e reprogramação do programa “Portugal 2030” para priorizar a economia e não o Estado – que deve ser reformado para ser mais eficiente (ver 2.1) –, de modo que, no final da execução, sejam as empresas as principais beneficiárias e não as entidades públicas, ao contrário do que sucedeu no programa “Portugal 2020”.
1.2. Balança corrente: evitar recorrer ao financiamento externo (poupança externa) para financiar o investimento, mantendo saldos da balança corrente equilibrados, de preferência com ligeiros excedentes – mas com uma mudança crucial, eliminando o défice na balança de bens e a forte dependência das receitas de turismo –, para continuar a baixar a dívida externa e tornar o país mais resiliente à conjuntura.
2. Geração de recursos endógenos: adotar reformas estruturais promotoras da competitividade, geração de riqueza e maior capacidade de poupança – nos vários setores – e investimento da economia
Portugal continua a apresentar uma das mais baixas taxas de poupança interna da UE. Em 2023, segundo dados do Eurostat, a poupança interna representava 20,9% do rendimento disponível da nação, bastante abaixo do valor médio de 24,8% na UE, onde Portugal registou o 20º valor, ou o 8º pior, sendo os valores semelhantes em percentagem do PIB (20,7% vs. 24,7% na UE, na 19ª posição).
Esta debilidade crónica limita a capacidade de financiamento do investimento, que nas contas nacionais equivale (ex-post) à poupança – a interna mais a externa. Como a balança corrente – que corresponde ao simétrico da poupança externa – tem estado equilibrada, o investimento tem correspondido, de forma aproximada, à poupança interna mais os fundos da UE.
Com efeito, o peso do investimento no PIB foi de 20,5% em 2023 – apenas ligeiramente abaixo dos 20,7% do PIB na poupança interna, a refletir um excedente na balança corrente –, traduzindo o 8º valor mais baixo na UE (20ª posição), onde a média foi de 22,4%.
O peso do investimento no PIB, também conhecido como taxa de investimento, caiu ligeiramente em 2024, para 20,1%, embora com a subida de um lugar (para 19º, ou 9º pior) na UE, onde a média baixou para 21,2%. Em 1999, altura em que estávamos na 15ª posição em nível de vida considerando a atual UE a 27, o investimento público era 29,0% do PIB, o 4º maior na UE, mas era financiado em boa parte por poupança externa (o défice da balança corrente foi de 8,9%% do PIB nesse ano), uma situação que não era sustentável a prazo, como se confirmaria com o pedido de ajuda externa em 2011.
Nos valores de investimento referidos está refletido o efeito dos fundos da UE, que estimo um pouco acima de 1% do PIB em cada ano, em média (o que se coaduna com o valor acima referido do instituto alemão IW para 2023, se dividido pelo PIB desse ano), isto porque deve corresponder a uma boa parte do excedente da Balança de Capital – onde assume grande peso a entrada líquida desses fundos –, que registou um valor médio de 1,4% do PIB em 2000-24, esperando-se uma descida nos próximos anos.
Embora as necessidades de investimento do país tenham diminuído, o peso atual é demasiado curto mesmo contando com os fundos da UE, que deverão reduzir-se após 2026, como referido.
A baixa taxa de investimento (face à UE e à que já tivemos no passado) é, obviamente, um forte impedimento à subida da produtividade – também uma das mais baixas da UE, medida com o emprego ou o número de horas trabalhadas – e do nível de vida, para que nos aproximemos dos países mais ricos da UE, como desejado, além da escolha de projetos de investimentos mais reprodutivos, já mencionada.
Com menos fundos europeus para investir no futuro, a única forma de aumentar a taxa de investimento de forma sustentável – sem recorrer a poupança externa (ver ponto 1.2), ou seja, sem pedir emprestado ao exterior, o que levou aos pedidos de ajuda externa do país no passado – é elevar a poupança interna.
A promoção da poupança interna deve, por isso, tornar-se um desígnio nacional, exigindo, antes de mais, a criação de condições para gerar mais riqueza. A análise seguinte é bastante elucidativa a este respeito.
Usando os dados do Eurostat por setor institucional relativos a 2022, nesse ano:
- 48,5% da poupança interna de Portugal teve origem nas Sociedades não financeiras;
- 23,9% nas Famílias;
- 14,3% no Estado;
- 10,8% nas Sociedades financeiras;
- E 2,4% nas Instituições Sem Fins Lucrativos ao Serviço das Famílias (ISFLSF).
Abaixo, refiro também as tendências reportadas ao período 2015-2022 (pós-programa de ajustamento).
No caso das Sociedades (não financeiras e financeiras), o valor da poupança foi responsável por quase 60% do total nacional em 2022, com realce para as Sociedades não financeiras (empresas, sobretudo), e este valor foi ainda mais expressivo na média de 2014-2022 (65,1%: 53,1% nas Sociedades não financeiras e 12,0% nas financeiras).
Estes números demonstram inequivocamente a importância das empresas na formação de poupança indispensável para o investimento, sendo, por isso, incompreensível a ‘diabolização’ que muitos ainda fazem das empresas em Portugal, e igualmente difícil de perceber como se pode estar contra a redução do IRC, quando, inclusive, a literatura económica do crescimento é clara em apontar este imposto como o que mais penaliza o potencial de crescimento económico, se for elevado (como é o caso de Portugal).
O baixo peso da poupança interna total no PIB no contexto da UE refletirá, por isso, um ranking também baixo nas Sociedades e, em particular, nas não financeiras, o setor que mais poupa, mas é apenas uma inferição, pois não encontrei dados do PIB por setor institucional no Eurostat para poder confirmar.
A poupança das sociedades no seu conjunto corresponde, em grande medida, ao excedente bruto de exploração – que compreende, de forma simplificada, os lucros, juros e rendas –, traduzindo o valor gerado (VAB) que não é utilizado para pagar salários e impostos (líquidos de subsídios), ficando assim disponível para financiarem o seu investimento, pagarem eventuais custos com endividamento e rendas, e distribuírem os lucros não reinvestidos (dividendos e outras formas de remuneração dos sócios).
De salientar que a parte remanescente do VAB das Sociedade não financeiras ‘alimenta’ os restantes setores institucionais, por via dos salários (pagos às Famílias) e impostos (pagos ao Estado) – que depois financiam as ISFLSF, como evidenciarei mais abaixo –, além dos juros (pagos às Sociedades financeiras).
para aumentar a poupança interna, é essencial criar condições de verdadeira competitividade, permitindo que as empresas gerem mais riqueza, de modo a reforçar a sua capacidade de poupar e reinvestir, bem como de pagar mais salários, impostos e juros. Assim, assumindo as mesmas taxas de poupança, um maior VAB das empresas conduzirá a maiores níveis de rendimento e poupança nos vários setores, sendo ainda relevante criar incentivos adequados para que cada setor poupe uma proporção maior do seu rendimento – sobretudo naqueles em que as taxas de poupança sejam baixas –, com vista a reforçar ainda mais o investimento e a produtividade agregados.
É, por isso, bastante claro que, para aumentar a poupança interna, é essencial criar condições de verdadeira competitividade, permitindo que as empresas gerem mais riqueza, de modo a reforçar a sua capacidade de poupar e reinvestir, bem como de pagar mais salários, impostos e juros. Assim, assumindo as mesmas taxas de poupança, um maior VAB das empresas conduzirá a maiores níveis de rendimento e poupança nos vários setores, sendo ainda relevante criar incentivos adequados para que cada setor poupe uma proporção maior do seu rendimento – sobretudo naqueles em que as taxas de poupança sejam baixas –, com vista a reforçar ainda mais o investimento e a produtividade agregados.
Acresce que a capacidade de poupança das Famílias e do Estado retornará às empresas sob a forma de financiamento (sobretudo poupança das Famílias intermediada pelo setor financeiro) e apoios (subsídios do Estado), complementando a geração de fundos próprios e ampliando a capacidade de investir (a alavancagem e os subsídios são positivos se não forem excessivos), num círculo que virtuoso se estiver bem ‘oleado’, incluindo um setor financeiro em boa situação para poder apoiar a economia.
Sendo as empresas que sustentam a poupança e o investimento agregados, pilares do crescimento económico sustentado, é incompreensível a resistência que ainda persiste face a políticas destinadas a fomentar a sua competitividade e capacidade de gerar riqueza — a maior lucratividade e crescimento favorece um maior número de empresas de média e grande dimensão, que são as mais produtivas, e a redução do número de empresas zombie (sempre com prejuízos). É igualmente inaceitável que continuem a faltar políticas verdadeiramente eficazes para elevar as taxas de poupança das Famílias e do Estado (cuja poupança corresponde ao saldo corrente das administrações públicas, como refiro mais adiante).
2.1. Reforma do Estado – para baixar a carga fiscal em IRC e IRS e elevar o peso do investimento público – e reformas complementares para aumentar a competitividade da economia
Cabe ao governo criar melhores condições de competitividade mediante reformas estruturais, como as que desenvolvi em anteriores crónicas, deixando abaixo apenas as principais para efeitos de exposição.
A reforma do Estado compreende várias dimensões, com destaque para:
- A reforma administrativa: gestão mais eficiente, com vista a reduzir o peso da despesa corrente, incluindo uma reforma administrativa territorial que suprima o nível das freguesias, unifique concelhos e, na sequência, crie o regional; melhor regulação e concorrência;
- A reforma do sistema fiscal: baixar a carga fiscal de IRC e IRS e reduzir benefícios fiscais injustificados;
- A reforma do sistema de pensões.
Outras áreas de reforma (não abordadas abaixo) complementares da reforma do Estado e visando uma maior competitividade, incluem:
- O Sistema Político;
- A Justiça;
- A Saúde;
- A Educação;
- A Habitação;
- A Reindustrialização – em conexão com as novas exigências no âmbito de Defesa e Segurança no âmbito da NATO e UE – e a elevação do perfil de especialização da economia (relacionada ainda com os pontos 1.1 e 1.2);
- O reforço da ligação entre salários e produtividade;
- Uma maior flexibilidade laboral;
- Melhorar a alocação do capital (favorecendo os ganhos de escala, a produtividade e a competitividade);
- A reanálise estratégica das grandes infraestruturas de conectividade;
- Os Jovens e a retenção de talento;
- A Cultura (e indústrias criativas);
- A área crucial da Imigração (regulada em função das necessidades da economia), enquanto condição permissiva de crescimento económico;
- A maior efetividade das políticas de redistribuição.
A ideia é que as reformas, em particular a do Estado, reforcem a sua poupança e permitam acomodar o desagravamento fiscal e o aumento do investimento público.
A poupança do Estado, correspondente ao saldo corrente das administrações públicas (a receita menos a despesa corrente), deve ser positiva ou, no mínimo, nula, ao mesmo tempo que o saldo de capital (a receita menos a despesa de capital) pode ser negativo para financiar investimento público reprodutivo sem prejudicar a prazo as contas públicas, salvaguardando as gerações futuras, pois essa reprodutividade significará mais receita futura. Esta é a tradução e lógica da chamada “regra de ouro” das Finanças públicas, que na sua versão mais simples refere apenas que o Estado só deve endividar-se (ou seja, incorrer num défice público) para financiar investimento público.
Tal pressupõe, como já referi, que o investimento público seja reprodutivo, algo que, infelizmente, nem sempre se verifica em Portugal. Um exemplo paradigmático desta má prática é o de alguns dos estádios construídos para o Euro 2004, que acabaram por se transformar em verdadeiros sorvedouros de recursos públicos e centros de custos permanentes para os municípios, sem qualquer retorno económico ou social significativo que justificasse o investimento realizado.
No fundo, o importante é que, dentro do enquadramento referido, se mantenha a política de equilíbrio orçamental dos últimos anos, com excedentes ligeiros face ao PIB, de preferência, e excecionalmente, com défices pequenos para financiar investimento reprodutivo, o que é compatível com a continuação da trajetória de redução do rácio da dívida pública no PIB, para baixar os encargos com juros.
A diferença face ao passado recente é que o excedente do saldo corrente deve aumentar significativamente em consequência da reforma do Estado, já contando com o desagravamento fiscal – que abdica de receitas correntes a curto prazo, mas promove uma maior geração futura –, para acomodar um saldo de capital mais negativo face ao acréscimo expressivo de investimento público necessário, que deve ir além da diminuição dos fundos da UE que vier a ocorrer.
A chamada “regra de ouro” tem vindo a ser cumprida desde 2017, com exceção dos anos marcados pela pandemia. Em 2024, o saldo corrente das administrações públicas fixou-se em 3,3% do PIB, após registar 4,0%, 2,7%, -0,2%, -1,9%, 2,5%, 2,1% e 0,9% nos anos anteriores, recuando até 2017. Entre 2000 e 2010, o saldo corrente foi quase sempre negativo e com um agravamento progressivo, o que, somado a défices de capital significativos, levou a um défice crescente nas contas públicas, culminando na quase bancarrota do país e na imposição do programa de ajustamento da troika entre 2011 e 2014. O saldo corrente só voltou a apresentar valores positivos a partir de 2016, impulsionado por uma retoma mais robusta do PIB.
A chamada “regra de ouro” tem vindo a ser cumprida desde 2017, com exceção dos anos marcados pela pandemia. Em 2024, o saldo corrente das administrações públicas fixou-se em 3,3% do PIB, após registar 4,0%, 2,7%, -0,2%, -1,9%, 2,5%, 2,1% e 0,9% nos anos anteriores, recuando até 2017. Entre 2000 e 2010, o saldo corrente foi quase sempre negativo e com um agravamento progressivo, o que, somado a défices de capital significativos, levou a um défice crescente nas contas públicas, culminando na quase bancarrota do país e na imposição do programa de ajustamento da troika entre 2011 e 2014. O saldo corrente só voltou a apresentar valores positivos a partir de 2016, impulsionado por uma retoma mais robusta do PIB.
Já o saldo de capital tem sido consistentemente deficitário neste milénio, como deve, mas muito menos desde o programa de ajustamento, sobretudo nos anos mais recentes, passando de um défice médio de 4,0% do PIB em 2000-2010 para 3,0% em 2011-2024, mas com valores mais baixos em anos recentes (2,7% em 2023 e 2,5% em 2024) – a refletir a política de cativações e a subexecução do investimento público dos últimos governos, mal disfarçados pelos fundos europeus, o que penalizou os serviços púbicos.
Se o peso da poupança do Estado (saldo corrente) foi de 14,3% da poupança interna total em 2022 – bastante acima da média de 3,8% em 2015-2022 –, as reformas acima propostas poderão manter ou até elevar este peso, pois também a margem de crescimento é maior, partindo de valores inferiores, face ao que sucede na poupança das Sociedades e das Famílias, onde os aumentos são também cruciais.
2.2. Aumentar a capacidade de poupança das Famílias e orientá-la para investimento produtivo
O segundo maior contributo para a poupança interna em 2022 veio do setor das Famílias: 23,9% do total, como referido acima, tendo o valor sido ainda maior na média de 2014-2022 (29,6%).
Em 2022, a taxa de poupança das Famílias situou-se em 6,9% do rendimento disponível (usando os mesmos dados do Eurostat), que corresponde ao 9º valor mais baixo na UE (19ª posição), pelo que é preciso criar condições para que as Famílias poupem mais.
Tal requer, em primeiro lugar, que os salários subam e se aproximem dos padrões europeus, uma evolução crucial que é promovida pelas medidas anteriores (com realce para as contidas em 1.1. e 2.1), ao estimularem o aumento da produtividade e o reforço da ligação entre salários e produtividade. Ao nível do rendimento disponível das Famílias, o Estado pode melhorá-lo através do desagravamento do IRS e com políticas redistributivas mais efetivas, como proposto anteriormente. Importa notar que as taxas de poupança dos indivíduos sobem com o nível de rendimento; assim, salários e (em geral) rendimentos disponíveis mais altos, em média, tenderão a elevar a taxa média de poupança das Famílias.
A subida da sua poupança (em nível e em proporção) e a canalização para investimento produtivo (da parte não canalizada para habitação, a única rubrica de investimento das Famílias nas contas nacionais) pode ser ainda favorecida por várias medidas, em articulação com os reguladores financeiros, como:
- Estudar novos instrumentos de poupança com esse objetivo, com características atrativas (binómio rentabilidade/risco) para os principais perfis dos aforradores portugueses e do tecido empresarial;
- Aperfeiçoar o papel da intermediação financeira e assegurar que continua em situação saudável;
- Promover a literacia financeira;
- Manter instrumentos de poupança do Estado que contribuam para uma boa diversificação das fontes de financiamento e sejam atrativos para os aforradores, mas como complemento da oferta privada no mercado, que deve ser desenvolvida como proposto;
- Desagravar expressivamente a tributação da poupança, incluindo nos novos instrumentos.
2.3. Reforçar a capacidade do terceiro setor como pilar da resiliência social do país
Numa sociedade cada vez mais envelhecida e com franjas significativas da população em risco de pobreza, a resposta do designado ‘terceiro setor’ é cada vez mais importante, pelo que deve ser apoiado. Como já referido, a poupança das ISFLSF representou 2,4% da poupança total em 2022, revelando uma capacidade de apoio relativo significativamente acima da média de 1,6% entre 2015 e 2022.
Neste caso, como se trata de um setor de suporte às Famílias, a poupança significa capacidade de apoio a cada momento, pelo que é positiva numa perspetiva de resiliência e solidariedade social. No fundo, essa poupança é canalizada para ‘investimento social’, numa analogia com o que se passa nos demais setores. De notar ainda que, como as ISFLSF funcionam, em larga medida, com donativos das Famílias, juntamente com benefícios fiscais do Estado, as medidas acima propostas para estimular a poupança das Famílias também beneficiam indiretamente as ISFLSF.
Neste caso, como as ISFLSF já beneficiam de amplos benefícios fiscais diretos, o aumento da capacidade de resposta pode ainda advir, indiretamente, de uma melhoria do regime de IRS, seja reforçando as deduções à coleta dos donativos, seja pelo reforço da consignação de IRS em favor de uma instituição à escolha do contribuinte, mas neste segundo caso é melhor avaliar primeiro o impacto da subida decidida no final de 2024 (de 0,5% para 1% do IRS cobrado).
2.4. Aproveitar todo o território (e os seus recursos), distribuindo melhor as oportunidades económicas
Como tenho vindo a defender, a reforma administrativa territorial do Estado que proponho — eliminando as freguesias, unificando concelhos e, na sequência, criando um nível regional, com a aplicação da “regra de ouro” para garantir a sustentabilidade financeira das regiões — é fundamental para assegurar uma redistribuição mais justa das oportunidades em todo o território nacional.
Até que existam condições políticas para concretizar esta reforma estruturante, é essencial prosseguir a descentralização em curso, garantindo a transferência efetiva de competências e recursos (adequados) para os municípios e CCDR – mas reduzindo os recursos a elas adstritas no Estado central, o que ainda não se vislumbra –, enquanto se dinamiza o mercado de arrendamento e se flexibiliza o mercado de trabalho.
Como transmontano que migrou para o litoral, entristece-me constatar que grande parte do interior permanece esquecido e cada vez mais desertificado, funcionando apenas como fonte de recursos, sem garantir acesso digno à cultura, educação, saúde ou oportunidades económicas a quem lá vive. Esta situação não é apenas injusta, mas representa também um enorme desperdício do potencial nacional.
O interior, rico em recursos naturais e património, enfrenta um empobrecimento crescente devido a décadas de políticas ineficazes e circunstâncias adversas. A desertificação humana é alarmante: aldeias vazias, jovens que partem em busca de oportunidades, e envelhecimento populacional acentuado. É imperativo que as autoridades reconheçam a importância estratégica destas regiões e atuem com determinação, investindo em projetos que fixem população, criem emprego e valorizem o património.
Apesar das condições excecionais, os indicadores económicos revelam um declínio acentuado da atividade produtiva nesses territórios. Mais grave ainda, a produção anual de centenas de milhões de euros em energia no interior não traz benefícios locais, perpetuando uma injustiça que bloqueia qualquer progresso significativo no rendimento das populações. Esta situação resulta, essencialmente, de dois fatores herdados: uma legislação fundiária obsoleta, que mantém o minifúndio e inviabiliza a competitividade agrícola, e um modelo de partilha da riqueza que exclui as comunidades locais dos benefícios gerados, contrariando os princípios de coesão territorial e a lógica dos fundos europeus.
A cultura e o património milenar destas terras correm sério risco de desaparecer, pois sem população não há quem os preserve. Serviços públicos deficientes, falhas na rede de comunicações e despovoamento acelerado compõem um cenário preocupante. A inação política e o adiamento de reformas estruturais ameaçam transformar o interior num território abandonado, criando terreno fértil para populismos que exploram o legítimo descontentamento das populações.
Perante um território rico, mas empobrecido, a urgência é evidente: reformar a legislação fundiária, criar um modelo de partilha justa dos recursos naturais, investir em setores estratégicos como agricultura sustentável, turismo e indústria, com inovação, e adotar políticas que valorizem quem vive no interior, para que não se torne uma terra sem gente, cultura ou futuro. Concentrar pessoas e atividades apenas nas áreas metropolitanas agrava os problemas: inacessibilidade à habitação, mais desigualdades e pressão sobre infraestruturas urbanas, alargando o fosso entre litoral e interior, e hipotecando o futuro do país.
Conclusão
Portugal não pode continuar a contar, indefinidamente, com fundos europeus como motor da economia e substituto incompleto do investimento público e até do funcionamento regular do Estado, mascarando a sua ineficiência e incapacidade de reforma. O contexto europeu vai mudar e os sinais estão bem à vista:
- Menos fundos a distribuir por mais países;
- Novas prioridades políticas e orçamentais.
Insistir no modelo de “mão estendida” será irrealista e perigoso. É urgente preparar a transição para um modelo mais autónomo e focado nos nossos recursos, centrado na competitividade e geração endógena de riqueza, que permita elevar o investimento e a produtividade de forma sustentável, com base na poupança interna dos vários setores. As reformas estruturais não são uma escolha ideológica, mas uma necessidade estratégica para garantir mais investimento – público e privado –, coesão social e um melhor futuro económico para as atuais e próximas gerações.
Esta mudança de paradigma exige liderança política, exigência cívica e responsabilidade coletiva. Não podemos perder mais uma década à espera de ajudas que serão cada vez menores. O tempo da dependência está a chegar ao fim. Cabe-nos, agora, fazer do fim do modelo de “mão estendida” o início de um novo ciclo de afirmação económica e social.
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